A concentração urbana cresce no Brasil muito acima da média global. Mais de 85% da população se concentra em menos de 1% do vasto território brasileiro. A aglomeração é superior às taxas globais. Estimativas da ONU são de que ainda em 2050 a concentração humana chegará a 66% em núcleos urbanos. A causa desse adensamento brasileiro, crescente desde a década de 70 e sempre de modo concentrado nas periferias das áreas metropolitanas, tem sido a economia em conflito com o planejamento urbano.
As consequências da falta de planejamento são diversas e complexas, coincidindo na baixa qualidade de vida e na alta demanda por serviços públicos básicos. Déficit habitacional e precariedade de moradia, insuficiência de saneamento, violência urbana são algumas das nossas características urbanas. No entanto, um dos impactos mais crescentes tem sido o simples ir e vir dos cidadãos, a chamada mobilidade urbana.
Grande parte da população dos estados brasileiros vive, hoje, nas regiões metropolitanas das capitais. Dados do último Censo de 2010, portanto já desatualizados, indicavam que somente as populações metropolitanas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre e Recife somavam mais de 44,4 milhões de habitantes. No meu Estado do Ceará, dados mais recentes revelam que a população da Região Metropolitana de Fortaleza, no ano de 2019, já representava 45,03%, ou seja, 4.137.561 dos cearenses vivem na RMF, que concentra 64,64% do PIB do Estado.
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Ir e vir dentro da própria cidade e mesmo entre cidades vizinhas, principalmente para o trabalho, a escola, a universidade, para buscar serviços ou mesmo por lazer têm reduzido a qualidade de vida de modo assustador. O enorme tempo perdido nas longas e demoradas travessias urbanas, a poluição ambiental crescente pelo aumento vertiginoso do número de veículos movidos a combustíveis fósseis e o significativo impacto na saúde pública causado pela insegurança viária, que provoca mortes evitáveis, além de muitas sequelas de saúde temporárias ou definitivas, são exemplos da realidade da mobilidade urbana em boa parte das metrópoles mundiais. É por isso que a mobilidade se tornou essencial para o presente e o futuro e virou prioridade das metrópoles de países desenvolvidos.
A boa notícia é que pelo Brasil também há planos inteligentes para a mobilidade nas cidades. Algumas iniciativas já servem para mostrar como a diversificação, a integração dos modais, a redução da dependência dos transportes individuais e dos tempos de percursos ajudam a reduzir custos sociais e melhoram a qualidade de vida, inclusive ambiental e de saúde pública. São gestões públicas articuladas por alguns governantes, mas que precisam se transformar em políticas de estado. Essas escolhas urbanas conciliam a promoção de mais conforto e a redução do tempo nas viagens diárias, das emissões de gases de efeito atmosférico e com um maior compromisso com a prevenção e efetiva redução de acidentes de trânsito, e, portanto, se transformaram numa das grandes prioridades para as gestões municipais.
Uso como exemplo minha cidade natal, Fortaleza, que tive a oportunidade de administrar entre 2013 e 2020, e hoje segue com outro governante, na execução de um plano de mobilidade urbana. Para estabelecer o plano foi necessário compreender profundamente como a cidade se movimenta. A principal premissa foi criar uma política de mobilidade baseada nas pessoas e no interesse da maioria, dando prioridade a pedestres, ciclistas e usuários do transporte público. Fortaleza não poderia mais seguir apenas focada em prover mais espaço rodoviário para os carros. Seria insustentável.
Foi necessário estruturar a integração entre modais de transporte existentes, fazer forte investimento em infraestrutura e estímulos ao transporte público, incentivos significativos a novos modais mais sustentáveis, como o cicloviário, e, por fim, um robusto investimento em ações estruturais, de fiscalização, de comunicação e de educação para a segurança. Foram criados 113 quilômetros de corredores exclusivos de ônibus, uma malha cicloviária ampliada de 68 quilômetros para 347 quilômetros _ o que fez a participação das bicicletas como modal saltar da média nacional, de 3%, para 5,5.
O resultado tem sido positivo para o meio ambiente, pois reduzimos a emissão de gases de efeitos atmosféricos, mas o mais impressionante ocorreu na saúde pública. O diversificado conjunto de ações municipais salvou vidas, preveniu graves lesões e economizou recursos do SUS. Houve uma redução de 50% do número absoluto de mortes no trânsito e uma redução de 52% da taxa de mortalidade do trânsito, em seis anos de quedas consecutivas. Acidentes de trânsito deixaram de ser a 6ª. principal causa de morte em Fortaleza e hoje ocupam a 16ª. colocação.
Muitas dessas ações viraram leis municipais com metas e prazos definidos, ano a ano, como, por exemplo no Plano Diretor Cicloviário Integrado. Ele ajuda na institucionalização das políticas que tiveram, inclusive, reconhecimento internacional com uma premiação do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP), recebendo o Sustainable Transportation Award (Prêmio Transporte Sustentável).
Na atual gestão de Fortaleza, as ações de mobilidade ganharam não só continuidade, como têm sido aceleradas e também aprimoradas. É essa ação o que, de fato, se caracteriza como política de estado. É com base nessa experiência em uma área metropolitana que podemos afirmar: é possível, com boas políticas, melhorar e humanizar cada cidade do Brasil. O ir e vir não é apenas um direito do cidadão. É a possibilidade de progresso sustentável e melhoria econômica para todos.
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