Como estávamos em 2019? A radicalização ideológica atingiu grau máximo. Manifestações pela volta do AI-5 e pelo fechamento do Congresso Nacional e do STF reafirmaram a divisão do país, na reprodução modificada do nefasto nós contra eles, que já vigia na era petista. O presidente se pronunciava diariamente em temas polêmicos estimulando o bolsão mais radical do bolsonarismo. A recuperação econômica após a grande recessão do governo Dilma era tímida e lenta. O desemprego permanecia em níveis elevados.
A base parlamentar do governo era frágil para sustentar as inadiáveis reformas. O desgaste na imagem do país foi enorme nos campos ambiental, educacional, dos direitos humanos e diplomático. De bom houve a reforma da previdência, graças à lucidez das lideranças congressuais. Mas municípios e estados ficaram de fora. Resultado: inflação baixa, PIB crescendo insuficientes 1,1%, desemprego alto, queda na aprovação do governo federal e tensão institucional inédita.
Veio a pandemia. Já são mais de 105 mil vidas brasileiras perdidas. O foco da sociedade e dos governos se voltou inteiramente para a saúde. O SUS e a saúde suplementar foram submetidos a um teste radical. Com o isolamento social, período para acúmulo de informações sobre o vírus e a preparação da retaguarda hospitalar, responderam satisfatoriamente. Infelizmente, o governo federal renunciou a seu papel coordenador. Ao contrário, patrocinou o confronto com governadores e prefeitos. As desigualdades profundas foram escancaradas. Os invisíveis tornaram-se visíveis. O Congresso Nacional assumiu o protagonismo aprovando o estado de calamidade pública, o auxílio emergencial, o “orçamento de guerra”, o apoio de crédito às empresas e o programa de manutenção dos empregos.
A nova realidade produziu mudanças significativas. O presidente mudou de atitude, eliminou seus polêmicos pronunciamentos diários, procurou o apoio do Centrão e assumiu a necessidade de distensionar o relacionamento com o parlamento e o poder judiciário. Moro, símbolo do lavajatismo, saiu do governo, tirando do presidente, segundo especialistas, 10% de aprovação na opinião pública, que foram substituídos por uma nova base social de apoio, os beneficiários do auxílio emergencial.
Graças ao teto dos gastos, à reforma da previdência e à expectativa de manutenção da agenda reformista, os juros básicos chegaram ao menor patamar da história. Mas a recessão em 2020 será gravíssima. Ao final da pandemia, o número de desempregados e desalentados chegará a níveis bem superiores aos do início do governo.
Há vários desafios pela frente. A polêmica – aumento de investimentos públicos versus teto dos gastos e responsabilidade fiscal – não pode ter desfecho inspirado por tentações populistas. A globalização enfrentará um inevitável recuo e o Brasil terá que mudar sua orientação diplomática.
Medidas como o novo marco do saneamento já aprovado podem também produzir resultados em áreas como gás e petróleo. As reformas tributária e administrativa são imprescindíveis e urgentes. O compromisso com as privatizações tem que ser retomado. Houve uma debandada na equipe econômica liberal. Há que se repensar o papel do Estado e o mundo digital na vida do Brasil pós-pandemia. Que não vença uma anacrônica visão populista-nacional-desenvolvimentista. Isso é o que esperamos.