A decisão do ministro substituto do TSE Raul Araujo de proibir manifestações político-eleitorais no Lollapalooza agitou o domingo dos advogados eleitorais. Na contramão da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, ela é criticada por violar o direito constitucional à liberdade de expressão e por demonstrar um rigor que não se viu em relação a manifestações de apoio ao presidente Jair Bolsonaro (PL), como as motociatas e os outdoors de exaltação ao presidente.
Raul Araujo acatou pedido do PL, partido do presidente Jair Bolsonaro, para que fossem proibidas manifestações a favor de pré-candidatos depois que a cantora Pabllo Vittar mostrou uma bandeira com a imagem de Lula e gritou – assim como a cantora britânica Marina – #ForaBolsonaro. O ministro estabeleceu uma multa de R$ 50 mil contra os organizadores do evento no caso de ocorrência de ato de “propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea em favor de qualquer candidato ou partido político por parte dos músicos e grupos musicais que se apresentem no festival”.
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Íntegra da decisão de Raul Araujo:
Para o jurista e advogado Márlon Reis, “o que está em questão vai muito além do Lollapalooza”: “Trata-se de uma inibição do direito de manifestação de todos os eleitores brasileiros durante todo o processo eleitoral. Daqui para frente os eleitores devem ter medo de falar em quem votam ou deixam de votar. É uma afronta à liberdade de expressão de todos os brasileiros”.
Danielle Marques de Souza, advogada eleitoral e coordenadora institucional da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), ressalta que a decisão vai contra a jurisprudência do próprio Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Em 2018, por unanimidade, o TSE considerou improcedente ação proposta por Bolsonaro e por sua coligação com o objetivo de investigar possível conduta criminosa do cantor Roger Waters por projetar na tela, durante show em São Paulo, a hashtag #EleNão após mostrar Bolsonaro como um dos nomes associados à emergência global do “neofascismo”.
PublicidadeTSE agiu diferente em 2018 no caso Roger Waters. Veja a decisão:
“Creio que a decisão será revista pelo plenário do TSE porque foi um caso muito semelhante ao atual. É, portanto, uma jurisprudência muito recente”, afirma a advogada. Ela enfatiza ainda não ter visto qualquer manifestação de propaganda eleitoral antecipada. “Não houve participação de candidatos ou pré-candidatos, nem vi outros elementos que pudessem caracterizar propaganda antecipada. Houve sim o exercício do direito de crítica, ainda que ácida”.
Michel Bertoni, membro da Comissão de Direito Eleitoral da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo, completa: “Quando a legislação veda a propaganda eleitoral antecipada, ela se refere a pedido de voto. Mas a lei não proíbe ninguém de manifestar sua opinião a favor ou contra um candidato. É natural ainda que quem ocupa o poder se submeta a crítica. Impedir isso é empobrecer o debate”.
“Se a regra é proibir que as pessoas manifestem suas preferências partidárias ou eleitorais, como você vai aplicar isso nas redes sociais, onde as pessoas estão o tempo todo se posicionando?”, questiona Márlon Reis. “Cidadãos são livres para manifestar o seu pensamento, na rede social ou em um evento público. A Constituição não estabelece que a liberdade de expressão só vale para um número determinado de pessoas. Se você priva um artista de se manifestar, vai ter que fazer o mesmo com todo mundo”.
Um detalhe curioso: o autor da ação do PL é o ex-ministro do TSE Tarcísio Vieira de Carvalho Neto, que foi contratado pelo partido para cuidar da campanha de Bolsonaro.
Veja aqui a íntegra da ação do PL:
Nota divulgada há pouco pela seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) diz que a decisão confunde “livre expressão de opinião com propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea”. Segue a íntegra da nota:
“A liberdade de expressão, por meio da manifestação espontânea e gratuita de ideias, é essencial para assegurar a continuidade democrática e fomentar o debate público sobre eleições. Os artigos 36 e 36-A da Lei das Eleições tratam da matéria trazendo regras bastante específicas quanto ao pedido de votos em período da pré-campanha eleitoral, que não se confundem com a manifestação pública de cidadão sobre suas preferências políticas.
Silenciar a voz de cidadãos com multa em valor superior à pena no caso da ocorrência da conduta, pode tolher o exercício da cidadania, limitar a difusão de ideias e empobrecer a qualidade e a variedade do debate público nas mais diversas arenas da sociedade civil.
A contraposição de teses, argumentos e opiniões é essencial ao processo eleitoral e a Advocacia, como profissão historicamente relacionada à Democracia, respeita a atividade dos egrégios Tribunais do país e espera que as normas sejam aplicadas em consonância com princípios constitucionais e os valores da República e do Estado Democrático de Direito.
São Paulo, 27 de março de 2022
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – SECCIONAL DE SÃO PAULO
Comissão de Direito Eleitoral
Observatório Eleitoral da OAB-SP”