José Rodrigues Filho *
A questão de votar como um direito ou um dever vem ganhando a atenção de cientistas políticos, dos próprios políticos e filósofos nestes tempos de crise do sistema democrático, principalmente em países desenvolvidos. Neste caso, enquanto alguns defendem que votar é um direito, outros defendem que é um dever. O que se observa, contudo, é que existe, por parte de alguns, a defesa de se aumentar o número de eleitores durante as eleições para se registrar a idéia da grande participação popular no processo democrático. Acontece que a democracia não deve ser vista apenas durante as eleições, mas depois delas. Democracia não é a ampla participação durante as eleições, mas a ampla participação depois das eleições.
Recentemente, o sindicato da união dos trabalhadores, no Reino Unido, foi contrário ao voto obrigatório, num país onde votar é um direito e não um dever – compulsório. Para aquele sindicato, a única forma de se melhorar e manter a legitimidade da democracia é através do amplo engajamento voluntário no processo político, através de uma ampla educação política da sociedade. Portanto, a melhoria da democracia e de nossa cidadania depende de um amplo engajamento da sociedade nas decisões políticas, sobretudo depois das eleições.
Leia também
Na maioria dos países, votar ou não votar é um direito adquirido pelo cidadão. Neste caso, não votar não implica punições severas ou sanções para o eleitor, como acontece no Brasil, onde o voto é obrigatório. O voto obrigatório existe em poucos países, mas o Brasil parece ser o único que adota punições severas para os que não justificam o ato de não votar.
Não vamos aqui entrar na discussão de votar como um direito ou dever, mas tentar mostrar que as punições sofridas pelos eleitores que não justificam o ato de não votar merece uma ampla discussão da sociedade. Em que pesem todos os argumentos favoráveis ao voto obrigatório, no Brasil são consistentes os argumentos para que o ato de votar seja um direito e não um dever. A compra de votos no país, por exemplo, depõe contra o voto obrigatório. Aliás, historicamente, a defesa do ato de votar como um dever sempre foi feita pela direita e não pela esquerda.
Mesmo que votar seja sempre visto no Brasil como um dever, algumas concessões precisam ser feitas, considerando-se principalmente a burocratização do ato de não votar. Ou seja, o voto obrigatório no Brasil deu origem a um processo de burocratização que serve apenas para reforçar o poder da Justiça Eleitoral, em detrimento da perda de alguns direitos humanos. A decisão de não votar é um direito na maioria dos países, mas no Brasil isso tende a tolher o direito de ir e vir e reduzir a cidadania.
Nos últimos dias, os meios de comunicação do país, incluindo a televisão, informavam que quem não justificasse sua ausência nas eleições passadas não poderia tirar passaporte, carteira de identidade, renovar matricula em estabelecimento de ensino oficial e obter empréstimo em instituições financeiras governamentais. Em alguns países, onde o voto é obrigatório, exige-se apenas o pagamento de uma multa dos eleitores que não justificam suas ausências durante as eleições. Por que no Brasil temos que ser submetidos a tantas punições? Será que no momento o voto é tão importante assim?
Por outro lado, não existe nenhuma punição para o voto de protesto. E o voto em branco ou nulo? E a compra e venda de votos? A soma dos percentuais de abstenções, votos em branco, nulos e de protesto, talvez seja maior do que o percentual dos que votam conscientemente. Por que é aceito o voto de protesto e não se aceitam candidaturas avulsas? Isto, por si só, merece uma discussão da deterioração da nossa democracia, do ato de votar como direito ou dever e das severas punições a que são submetidos os eleitores brasileiros.
A cada dia que passa, o cidadão brasileiro sofre com a perda de seus direitos e cidadania. Não tem mais sequer o direito de fiscalizar o seu voto durante as eleições, já que tudo é privatizado e terceirizado, através de urnas eletrônicas. O que se observa é um repasse de poder do eleitor para as instituições que controlam as eleições. Por conta disto, é necessária uma mudança organizacional do modelo de administração das eleições no Brasil, a cargo da Justiça Eleitoral. Ora, as eleições interessam ao Executivo, ao Legislativo e, principalmente, aos eleitores. Neste caso, o poder de administrá-las deve recair sobre as partes interessadas, a menos que haja um poder superior ou santo.
A fragilidade de nossa democracia no momento torna pública a falta de independência dos três poderes da nação, com cada um deles querendo poder mais. Desde a eleição do presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1994, criou-se, neste país, uma espécie de poder Executivo imperial, anulando a existência do poder Legislativo, que não parece mais representar o povo. A arrogância totalitária do Executivo tem resultado naquilo a que estamos assistindo hoje. O povo não tem poder de nada. Dele, querem apenas o voto para legitimar a arrogância totalitária existente no país. Se o poder emana do povo e em nome dele deve ser exercido, temos de repensar o ato de votar, as punições do ato de não votar, a administração das eleições neste país e o resgate do poder do povo.
* Professor da Universidade Federal da Paraíba. Foi pesquisador nas Universidades de Harvard e Johns Hopkins (EUA). http://jrodriguesfilho.blogspot.com.br.