A seleção brasileira de futebol entra em campo em seu jogo de estreia contra a Sérvia, nesta quinta-feira (24), na busca pelo hexacampeonato. A Copa do Mundo do Catar acontece num momento importante na política nacional, com a vitória do ex-presidente Lula (PT), que inicia um novo mandato a partir de janeiro de 2023, e manifestações pedindo golpe militar. Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco não acreditam em manifestações políticas por parte dos jogadores, mesmo aqueles como o atacante Neymar, que defendeu a reeleição do presidente Jair Bolsonaro (PL) neste segundo turno.
“Se a seleção for bem, começar a fazer gol, jogar bonito, ganhar, vai todo mundo para a rua de camisa amarela, com a camisa da seleção. A questão eleitoral ficará em segundo plano. Foi assim em 1970, numa situação muito pior do ponto de vista das liberdades e sublimou-se”, defende o jornalista Juca Kfouri, que está no Catar cobrindo o evento esportivo pelo portal UOL. “A alienação dos jogadores da seleção é de tal ordem que ninguém está falando nisso. Você pensa que Neymar está preocupado com o fato de que o candidato dele não se reelegeu?”, completou.
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Juca ressaltou ao Congresso em Foco que 90% dos jogadores da seleção masculina de futebol não transferiram os títulos de eleitor para os países em que trabalham no exterior. Ou seja, deixaram de votar. Ele cita, do ponto de vista político, os jogadores Richarlison, Marquinhos e o técnico Tite como alinhados ao presidente eleito Lula (PT). “A minha sensação é que na seleção a eleição é uma coisa vencida. [Neste momento] Eles estão preocupados com o próprio umbigo”. Mesmo sem essa previsão de manifestação política por parte dos jogadores, o uso da camisa da seleção ganhou conotações políticas bastante fortes, sobretudo entre os apoiadores do presidente Bolsonaro.
O historiador Victor de Leonardo Figols considera o uso de símbolos da seleção nacional dentro de movimentos de direita quase que natural. “A camisa do Brasil ou a seleção são símbolos nacionais, elas representam uma ideia – ou projeto – de país. Quando falamos de extrema-direita – ou fascismo – esse movimento de utilizar os símbolos nacionais é quase que natural, tanto a camisa da seleção, quanto a bandeira nacional acionam os mesmos discursos: nacionalismo e patriotismo”, disse o estudioso, que é doutor em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR), editor do Ludopédio e colunista no História da Ditadura.
“O fascismo mobiliza uma ideia de país, que é obviamente uma construção gloriosa da nação, e uma construção gloriosa do passado nacional. Se pegarmos o caso da Alemanha de Adolf Hitler, diversos símbolos nacionais foram acionados pelo ditador, com a bandeira alemã não foi diferente”, lembra o historiador. “Veremos isso em vários países que tiveram experiências fascistas, da Itália dos anos 1930, até o Brasil de 2022, em que grupos fascistas – que não reconhecem os resultados democráticos de uma eleição transparente – saem as ruas pedindo uma intervenção militar vestindo a camisa de seleção brasileira”, destaca Figols.
Uso político do futebol
O pesquisador relata que foi nos anos 1920 e 1930 que o Estado começou a perceber que era importante o uso político da seleção brasileira de futebol. “Estamos falando de um período em que observamos diversos a mobilização das massas – greves, manifestações políticas, por exemplo. Essa sociedade de massas coincidiu com o período em que o futebol se popularizou na Europa e na América do Sul. Não é por acaso que diversos governos viram no futebol uma forma de conter – ou domesticar – as massas”.
Na visão do historiador, os regimes fascistas dos anos 1930 e as ditaduras foram os mais bem sucedidos em utilizar o futebol como instrumento político, primeiro porque a partir do futebol conseguiam acionar o discurso nacionalista, e segundo, porque conseguiam – em parte – controlar as massas a partir do esporte.
“Há inúmeros exemplos de regimes que instrumentalizaram politicamente o futebol, por exemplo a Itália (com Benito Mussolini) e Espanha (com Francisco Franco) nos anos 1930 e 1940, ou no caso das ditaduras militares na América do Sul nas décadas de 1970 e 1980. A gente também precisa considerar que há exemplos na história no qual governos de esquerda utilizaram o futebol, ou até mesmo outros esportes, como instrumento político, talvez a URSS seja o maior exemplo”, completou.
Ditadura, FHC, Lula e Dilma
O historiador reforça que, no Brasil, a seleção de futebol foi usada politicamente pela ditadura militar (1964-1985). Ele cita, por exemplo, a campanha na Copa de 1970. Mas ele reforça que, as pessoas que regem a seleção, sobretudo os dirigentes, se aproximaram de setores mais à direita.
“A seleção em si não é nem de esquerda, nem de direita […] No período democrático, Fernando Henrique Cardoso (de centro direita) não se utilizou do futebol ou da seleção. Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (de esquerda ou centro-esquerda) utilizaram o futebol de outra forma, ou seja, aproveitaram o ótimo momento político e econômico que o país atravessava em seus governos para trazerem e realizaram a Copa do Mundo de Futebol Masculino da FIFA (em 2014)”, comentou.
“Já Jair Messias Bolsonaro (na extrema-direita, e portando fascista) tentou se utilizar da seleção em alguns momentos durante o seu governo, primeiro na realização da Copa América de 2019 – quando o próprio presidente da República entrou em campo para comemorar o título da seleção, e levantou a taça de campeão com o elenco –, depois em 2021, também na Copa América, quando o seu governo não mediu esforços para que a Conmebol trouxesse o a competição para o Brasil, mesmo o país vivendo o auge da pandemia de covid daquele ano”, observou.
Victor de Leonardo Figols diz que o engajamento dos jogadores é louvável e necessário. Ele diz que é preciso desconstruir a ideia de que futebol e política não se misturam. O jogador, segundo ele, pode falar de outra coisa que não seja o futebol. Ele cita, por exemplo, o engajamento de jogadores que estão no elenco neste mundial. “Vinícius Jr., Rodrygo, Richarlison e outros, são vozes importantes no combate ao racismo no futebol e na sociedade; Richarlison também fez doação de galões de oxigênio na crise sanitária causada pela pandemia de covid, em janeiro de 2021, no Amazonas”. Para ele, o importante é não permitir o discursos de ódio.