Ao ver seu pré-candidato ao governo de São Paulo embarcar para a Ucrânia, Sérgio Moro apostou fichas de que a iniciativa de Arthur do Val o ajudaria a construir uma narrativa interessante para, ao mesmo tempo, contrapor críticas à “neutralidade” de Bolsonaro frente à guerra, e angariar um eleitorado mais jovem e conectado, identificado com o Movimento Brasil Livre (MBL). Menos de uma semana depois, no entanto, o ex-juiz e atual presidenciável se vê às voltas para resolver o fim do palanque que tinha no principal colégio eleitoral do país.
No sábado (5), após vazarem falas sexistas de Arthur do Val sobre mulheres ucranianas, o deputado estadual desistiu da pré-candidatura. São Paulo era, até o momento, o único estado onde o Podemos de Sérgio Moro tinha firmado um nome na disputa ao governo. Agora a sigla deposita a esperança na janela partidária para consolidar um novo nome. Políticos próximos à campanha avaliam em reserva que, mais do que nunca, caso o ex-juiz pretenda levar adiante o projeto presidencial, precisará entrar no jogo político e construir alianças partidárias da forma tradicional, isto é, com legendas.
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A avaliação é compartilhada por analistas políticos.
Moro foi rápido em repudiar as declarações de Arthur do Val, mas preservou o MBL. “Sergio Moro precisa ter um palanque em São Paulo e ele não pode se dar ao luxo de romper uma aliança com o MBL porque senão fica órfão. Mas, apesar do MBL ter sido um ator estratégico no impeachment, acabou se perdendo de alguma forma, sobretudo no governo Bolsonaro”, observou o cientista político Leandro Gabiati, da Dominium Consultoria.
No início do ano, os principais líderes paulistas do MBL se filiaram ao Podemos em um ato comemorado por Moro. Na lista estavam o deputado federal Kim Kataguiri, o deputado estadual Arthur do Val, e o vereador pela capital Rubinho Nunes.
“Trouxemos o MBL para o Podemos e atraímos o apoio do Vem Pra Rua. A aglutinação da terceira via vai se dar entre um projeto e a sociedade civil. Isso está se dando em torno do meu projeto. O MBL tem uma comunidade enorme, uma comunidade jovem. Esses apoios, muitas vezes, são mais relevantes que os dos partidos políticos”, disse semanas depois o ex-juiz durante um evento para bancários.
PublicidadeConhecido como Mamãe Falei, Arthur do Val era youtuber e conseguiu converter o engajamento das redes em votos. Em 2018 foi eleito como o segundo deputado mais votado da Assembleia Legislativa de São Paulo, angariando 470.606 votos. Já em 2020, candidatou-se à prefeitura da capital paulista e ficou em quinto lugar, com 9,74% dos votos.
Ex-bolsonarista, se construiu com discursos permeados de frases de efeito de combate à corrupção e críticas à política tradicional, tal qual a maioria dos integrantes do Movimento Brasil Livre e como o próprio Sérgio Moro.
Falta tradição partidária
Para a cientista política e professora da FGV/EPPG, Graziella Testa, essa proximidade do ex-juiz com o MBL traduz uma dificuldade de construção de uma agenda político-partidária. Na avaliação dela, a própria ligação de Moro com o Podemos é “frágil” e isso se deve a uma ausência de tradição política por parte do pré-candidato, algo que se reflete, inclusive na dificuldade de construir alianças com outros partidos.
O União Brasil foi uma das legendas com as quais Sérgio Moro manteve flertes, mas a ala mais tradicional do DEM – partido que se fundiu com o PSL para criar a nova sigla – barrou a continuidade das tratativas. Outras frentes foram abertas com o Cidadania, porém a cúpula do partido se posicionou contra uma federação com o Podemos, enquanto avançou nas conversas com o PSDB, do também presidenciável Joao Dória.
Na avaliação de Gabiati, o histórico de Sergio Moro e a insistência em unicamente uma agenda anticorrupção precisam ser observados de forma mais estratégica. “Essa agenda [anticorrupção] pode ganhar mais peso ao longo da campanha, mas há diferenças entre campanhas e nesta questão econômica, o acesso à saúde pública e outros são preocupações para o eleitorado. Então, nessa linha, o Moro vai ter que ser muito inteligente: caso se restrinja ao MBL e fique atrelado a esta questão, perde força e relevância”.
Essa dificuldade programática também foi observada por Graziella Testa, que destacou o fator “guerra na Ucrânia” como uma tentativa da equipe de Moro se de distanciar de Bolsonaro e construir uma nova agenda.
“Moro tem dificuldade de se localizar ideologicamente e programaticamente. Entender a ideologia de Moro é difícil, assim como qual o programa dele para o Brasil. Ele tem uma pauta clara por combate à corrupção, mas isso só não elege presidente. Então a guerra da Ucrânia era interessante porque era um momento em que se esperava um posicionamento de Bolsonaro que não aconteceu. Ter o apoio do MBL junto a essa pauta era uma chance de ele expandir para um público mais jovem, o que é outro nó na campanha. Parecia tudo bem, mas ao atuar de forma partidária e com apoio de outros grupos e outras pessoas, esse candidato acaba sofrendo as consequências de tudo o que a outra pessoa fala também”.
Tropeços do MBL
O Movimento Brasil Livre ganhou notoriedade nos protestos promovidos entre os anos de 2014 e 2016, que resultaram no impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Nos anos seguintes, o MBL viu seus principais líderes enveredarem, com sucesso, para cargos políticos.
Postagem publicada por Sergio Moro em dezembro de 2021
Encontrei Arthur do Val (@arthurmoledoval). Eleito deputado estadual em 2018, ele tem se destacado na Assembleia. Estaremos juntos pelo Brasil e por São Paulo no próximo ano. O Brasil precisará da sua locomotiva econômica para sairmos do atoleiro que nos encontramos. pic.twitter.com/TPCcz1gEFY
— Sergio Moro (@SF_Moro) December 21, 2021
Postagem publicada por Sergio Moro em março de 2022
Lamento profundamente e repudio veementemente as graves declarações do deputado Arthur do Val divulgadas pela imprensa. O tratamento dispensado às mulheres ucranianas refugiadas e às policiais do país é inaceitável em qualquer contexto. ➡️
— Sergio Moro (@SF_Moro) March 4, 2022
Em 2018 o grupo apoiou a eleição de Jair Bolsonaro, rompendo após o primeiro ano de governo. Desde então o movimento trava batalhas internas para manter uma identidade coerente ante seu público, mas ao longo dos últimos meses protagonizou episódios que colocaram em xeque o movimento e a dimensão dele.
No ano passado, o MBL tentou repetir a articulação para protestos de rua e em setembro organizou atos contra o governo Bolsonaro, que, no entanto, tiveram uma baixa adesão. Números oficiais deram conta de seis mil pessoas na Avenida Paulista, em São Paulo, e menos de mil no ato na Esplanada dos Ministérios. Na ocasião, voltou a circular um vídeo no qual um dos dirigentes do movimento, Renan Santos, afirmava que se fosse impedido de entrar em um bar iria estuprar uma colega.
Renan participou da viagem à Ucrânia juntamente com Arthur do Val.
Este ano, novo episódio fez o movimento ter que dar explicações sobre falas controversas de um de seus integrantes.
Em entrevista ao Flow Podcast, em fevereiro, o deputado federal Kim Kataguri afirmou que “deveria existir um partido nazista legalizado no Brasil” e que “se o cara for anti-judeu ele tem direito de ser anti-judeu”. O parlamentar foi à público se desculpar, mas decidiu processar 17 pessoas que, de acordo com ele, o acusaram indevidamente de apologia ao nazismo.
“Eu tenho a impressão que o MBL não consegue se resolver de forma muito orgânica e quando tem uma perda de legitimidade externa, eles não têm para onde ir. O MBL está com essa dificuldade depois que o bolsonarismo começou a ter queda popular. Isso não é incomum, acontece com movimentos e com partidos, mas é um momento em que precisam mostrar qual a essência que faz eles estarem em conjunto”, comentou Graziella Testa.
Após o episódio envolvendo Arthur do Val, o Mamãe Falei, na volta da viagem à Ucrânia, o MBL divulgou uma nota na qual repudia as falas “machistas” do deputado e lamenta o “mal-estar que causamos às pessoas, especialmente mulheres, que se indignaram sinceramente com os áudios”. O texto termina com uma tentativa de se reafirmar politicamente e atribuir ataques a bolsonaristas ou lulistas.
“Aos aproveitadores, lulistas e bolsonaristas, que viram nessa ocasião apenas um motivo para nos atacar, devemos reiterar que nada impedirá o MBL de continuar com seu trabalho em prol da terceira via, de uma alternativa aos projetos políticos criminosos do PT e do Bolsonaro”, conclui a nota. O texto foi divulgado nas redes sociais Instagram e Twitter, mas ao contrário de outras postagens, a opção de comentários estava desativada em ambas.