Dois anos depois, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT) ainda mexe com o PSDB. Para o secretário-geral do partido, o deputado Marcus Pestana (MG), o protagonismo exercido pelos tucanos no afastamento da petista “ressuscitou” o PT e, na esteira das delações de Joesley Batista, abriu caminho para que Jair Bolsonaro (PSL) “roubasse” da sigla a bandeira antipetista.
“Tinha gente graúda no PSDB, caciques, que era contra o impeachment por causa da quebra da dinâmica democrática e por analisar que iríamos salvar o PT A realidade deu razão a eles”, diz o deputado em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco. “O impeachment ironicamente ressuscitou o PT. O PT estava lá embaixo, a Dilma com 70% de rejeição, Lula com intenção de votos lá embaixo. Tiramos a crise do colo da Dilma e a Dilma do colo do Lula”, acrescenta.
Segundo ele, o apoio dado pelo partido ao presidente Michel Temer, o mais impopular da história recente do país, e as delações da JBS, que atingiram em cheio o emedebista e o então presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), comprometeram o partido. “Naquele momento [do impeachment] nós éramos anti-PT. Não existia Bolsonaro. Só ver as sessões do impeachment, do final de 2015 e 2016. Os bate-bocas eram entre líderes do PT e do PSDB. Bolsonaro estava longe dessa história”, ressalta.
Leia também
“Evento Joesley”
O deputado lembra que Bolsonaro aparecia com 8% nas pesquisas de intenção de voto em agosto de 2016, quando Dilma sofreu o impeachment. “Ele [Bolsonaro] começa a crescer em junho de 2017, com 14%. Joesley foi quando? Maio de 2017. O evento Joesley mudou o curso da história”, observa.
Em busca do seu terceiro mandato na Câmara neste domingo (7), Pestana entende que as acusações de Joesley contra Aécio são apenas um dos “vetores” que impediram a candidatura de Geraldo Alckmin (PSDB) decolar. Alckmin na quarta colocação com menos de 10% nas pesquisas Datafolha e Ibope divulgadas nesse sábado (6). Ele admite que hoje seria uma “surpresa” o colega de partido avançar para o segundo turno. “Essa eleição não era uma eleição boa para o PSDB, independentemente do candidato”, diz.
Teatro do absurdo
Na entrevista abaixo, o secretário-geral do PSDB diz que lideranças tucanas abandonaram, por oportunismo, a candidatura de Geraldo Alckmin. O deputado critica o senador Tasso Jereissati (CE), ex-presidente do partido, por fazer “DR” (discussão de relacionamento) em público ao apontar uma série de erros do PSDB. “Devia ir para o Ceará ajudar. Um dos problemas do Geraldo [Alckmin] foi a solidão que ele ficou, por oportunismo de grandes líderes dentro do próprio PSDB.”
Para o secretário-geral do partido, Alckmin foi prejudicado em São Paulo, onde tem palanque duplo com João Doria (PSDB) e Márcio França (PSB). Nas últimas semanas cresceram rumores de que Doria estava apoiando, por baixo dos panos, a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL).
Marcus Pestana recorre ao mundo das artes para descrever a atual disputa eleitoral: “Essas eleições são non-sense, uma mistura de tragédia grega com teatro do absurdo. É como se fosse um jogo, em que Marina, Alckmin, Ciro, Alvaro, Amoedo e Meirelles estão dentro do campo e olham para o lado, e os dois líderes não estão no campo: um está na cadeia e outro no hospital. Parece realismo fantástico.”
Congresso em Foco – Pela primeira vez, desde 1994, o PSDB chega ao dia da eleição sem polarizar a disputa com o PT nas pesquisas. Por que isso acontece? O senhor ainda acredita na candidatura de Alckmin?
Marcus Pestana – Alckmin teria chance na reta final se, no Datafolha do fim de semana passado, tivesse apontado com 16% ou 17%, mesmo Haddad e Bolsonaro estando entre 22% e 30%. Daria aquela sensação de sprint final de corredor. Como ficamos patinando o tempo todo, isso revela que há um problema mais profundo. As coisas não acontecem à toa. Há vários fenômenos da opinião pública. O esvaziamento do Ciro e da Marina é inversamente proporcional ao crescimento do Haddad. Isso era esperado, assim como o crescimento do Haddad carregar a rejeição do Lula. Tem ônus e bônus. Bolsonaro é um fenômeno de opinião pública que tem de ser estudado. Outro fenômeno foi a paralisia da candidatura Alckmin, que é o candidato mais preparado, que até em São Paulo está perdendo e não saiu dessa faixa de 8%, 9%, 10%.
Por que ele não decolou?
O buraco é muito mais embaixo. Não é Alckmin, não é a campanha que está sendo derrotada. Isso começou em 2015. Não há um fator só. O impeachment ironicamente ressuscitou o PT. O PT estava lá embaixo, a Dilma com 70% de rejeição, Lula com intenção de votos lá embaixo. Tiramos a crise do colo da Dilma e a Dilma do colo do Lula. Eles cinicamente suprimem os seis anos de Dilma.
O PSDB errou ao apoiar o governo Temer?
A participação no apoio do governo Temer é decorrência obrigatória do impeachment. Nossa obrigação era apoiar Temer. Assim como ocorreu com Itamar Franco lá atrás. Derrubamos Collor e imediatamente demos apoio ao Itamar. Senão é irresponsabilidade. Senão seria fazer joguinho político do país. Era obrigação.
Mas o senhor avalia que houve erro de estratégia no apoio ao impeachment e consequentemente a Temer?
Tem um erro de metodologia que os historiadores chamam de anacronismo. É você julgar o passado com as informações do presente. Tentar analisar os fatos lá de atrás com as informações de hoje. É o engenheiro de obra pronta. Uma coisa era a hora do impeachment. Naquela hora não havia Joesley Batista. Hoje a gente sabe que aconteceu Joesley. E começa a julgar aquela atitude lá atrás à luz de hoje. É um equívoco metodológico de análise histórica. Temos de julgar aquilo com as informações que estavam disponíveis na época. Ao fazermos o impeachment, não tínhamos outra escolha.
Que peso as revelações de Joesley Batista tiveram sobre o PSDB?
O PSDB foi envolvido naquele momento. Foi uma bomba com alta repercussão, não foi só o fato e si. Foi a intensidade de mídia que o assunto mereceu. Não foram oito horas. Foram oito, dez meses. Envolveu também o PSDB. Ali a sociedade está rejeitando os partidos tradicionais, o establishment da nova República, o PSDB, o PT, o MDB. O PT tem uma diferença, ele tem nicho orgânico. Lula tem 30% da população que o segue. Pode cair o mundo, pode roubar, assaltar, falar a besteira que for, eles estarão lá com ele. O PSDB e o MDB não têm essa solidez. É fruto do modelo de partido. O PSDB sempre foi um partido de quadros, nunca apostou na democratização interna, envolvimento das bases efetivamente, uma coisa mais orgânica, militante. Aí vem fenômeno do Bolsonaro e varre tudo. Fica como um castelo de cartas.
Esse resultado seria diferente, na sua avaliação, se o candidato tucano fosse outro?
Poderia ter uma variação aqui ou ali. Essa eleição não era uma eleição boa para o PSDB, independentemente do candidato.
O senhor concorda com o ex-presidente do seu partido Tasso Jereissati de que o PSDB cometeu uma série de erros, a começar por contestar a eleição de Dilma?
Não concordo. Não concordo que ele venha a público fazer uma D.R. [discussão de relacionamento]. Devia ir para o Ceará ajudar. Um dos problemas do Geraldo foi a solidão que ele ficou, por oportunismo de grandes líderes dentro do próprio PSDB.
A quais líderes o senhor se refere?
Não vou citar nomes. A entrevista do Tasso foi como se, numa disputa difícil, suando a camisa, você levasse um gol contra quando o time está começando a tentar reagir.
Doria abandonou Alckmin? Ele está com Bolsonaro?
Não tenho informação sobre isso. Mas não foi uma coisa só. O problema da nossa campanha é mais histórico e estrutural. É Joesley, é ter tirado da população que a crise econômica é do PT, que o Temer é do PT, não é nosso. Não se explicam as coisas com um vetor só. Tancredo dizia que mineiro que queria ganhar a presidência tinha como tarefa unificar Minas. Por isso foi atrás de Francelino Pereira e de Aurelino Chaves para fazer a frente democrática. Palanque duplo não funciona. Já não estava boa a situação geral. É mais um elemento. O palanque duplo Márcio França e Doria atrapalhou. Ali era a retaguarda dele, a fortaleza dele. Nós tínhamos de estar com a retaguarda organizada. Temos de fazer nossa parte. Precisávamos ter negociado uma solução que tivesse palanque único em São Paulo. Não quer dizer que isso ia mudar nossa situação, mas é um elemento que atrapalhou. Poderia ter havido palanque único e não ter dado certo por outros fatores.
O senhor disse que considera Alckmin o candidato mais qualificado. Ele foi o candidato certo na hora errada?
Era o candidato natural do PSDB. O Brasil está enfrentando a maior crise de sua história. Quando você está em crise, ameaçado, quando as pessoas estão inseguras, com medo, elas procuram terreno firme, sólido. Alckmin é experiente, sereno, testado, competente. Fomos pela via tradicional. Achamos que, com o tempo de TV, ao falar isso, íamos ganhar as pessoas. Isso não aconteceu. Essas eleições são non-sense, uma mistura de tragédia grega com teatro do absurdo. É como se fosse um jogo, em que Marina, Alckmin, Ciro, Alvaro, Amoedo e Meirelles estão dentro do campo e olham para o lado, e os dois líderes não estão no campo: um está na cadeia e outro no hospital. Parece realismo fantástico.
O PSDB perdeu para o Bolsonaro a bandeira anti-PT?
Não foi só por causa do Joesley. Mas não há dúvida que perdemos. A polarização desde 1994 sempre foi PT x PSDB. Óbvio que Bolsonaro nos roubou o antipetismo. Nós lideramos o impeachment. As pessoas às vezes não fazem analise histórica. É só olhar. O impeachment da Dilma foi em agosto de 2016. Bolsonaro tinha 8% nas pesquisas. Quem começou o impeachment foi o PSDB, com Carlos Sampaio e Nilson Leitão. Tinha gente graúda no PSDB, caciques, que era contra o impeachment por causa da quebra da dinâmica democrática e por analisar que iríamos salvar o PT.
Eles estavam certos?
A realidade deu razão a eles. Quem fez o impeachment inicialmente foi Carlos Sampaio, Nilson Leitão, Mendonça Filho e Rubens Bueno. O Senado tinha resistência. Carlos Sampaio, que era nosso líder, atropelou líderes maiores que tinham dúvidas sobre a tática. Naquele momento nós éramos anti-PT. Não existia Bolsonaro. Só ver as sessões do impeachment, do final de 2015 e 2016. Os bate-bocas eram entre líderes do PT e do PSDB. Bolsonaro estava longe dessa história. Ele começa a crescer em junho de 2017, com 14%. Joesley foi quando? Maio de 2017. O evento Joesley mudou o curso da história. A história é também feita de fatos episódicos, acidentais. A facada em Bolsonaro também foi decisiva. Naquele momento Bolsonaro estava começando a cair. Os trackings das campanhas indicavam que naquele momento a rejeição dele estava subindo, a intenção de voto começava a cair. A facada estancou esse movimento. Deu baque nas outras campanhas, que ficaram desnorteadas, tanto que suspenderam a campanha.
O PSDB se arrepende do fato de ter liderado o impeachment de Dilma?
A história não é feita do “se”. A história é a história. Não existe arrependimento. Isso é análise. Naquele momento o governo Dilma não tinha menor condição de governar, tinha cometido crimes e a economia estava indo para o abismo. Era responsabilidade histórica nossa. Tinha elementos que davam consistência constitucional ao impeachment, não era golpe, mas taticamente e politicamente muita gente graúda dentro do PSDB tinha resistência. Não é questão de arrependimento. Não é processo de confessionário, é inútil. Arrepender-se agora é inútil.
O PSDB não perdeu parte do eleitorado ao não ter retirado Aécio da presidência do partido quando as denúncias contra ele, no caso Joesley, vieram a público?
Não é só Aécio. Tivemos muitas lideranças citadas, o problema é a dinâmica, como a opinião pública assimilou a Lava Jato. Você ser citado, investigado, réu e ser condenado virou uma coisa só. Um bandido confesso fala o seu nome e você já está condenado.
Mas o PSDB e seus parceiros na oposição ao PT não faziam isso também em relação aos petistas?
O mensalão só pegou gás depois que o Duda Mendonça contou a verdade. Ali tinha fato substantivo. Na Lava Jato um diretor de empreiteira fala que deu dinheiro. Cadê a prova? Houve outros casos de injustiça, era o preço a pagar para combater a corrupção em escala industrial que o PT patrocinou. Não é só questão de Aécio. Teve operação em pleno ambiente eleitoral contra Beto Richa e Marconi Perillo. Temos seis governadores, dois foram objetos no mês da eleição. Até que ponto isso não teve inspiração política partidária? O Brasil está muito confuso. Vamos ver aonde a gente chega?
O senhor ainda tem esperança em relação à candidatura de Alckmin?
Acho muito difícil. Agora a dinâmica está dada. Seria uma surpresa. Mas surpresas sempre existiram. Em 1985, Maria Luíza Fontenele, do PT, estava em quarto lugar e ganhou a prefeitura de Fortaleza. Existem ondas. Em 2014 Aécio passou a Marina em velocidade incrível nos últimos quatro dias de campanha. Eu era coordenador em 2008 da campanha de Márcio Lacerda (PSB) à prefeitura de Belo Horizonte. Havia aliança PSDB e PT apoiando o PSB. O Márcio ficou o tempo todo com 41% das intenções de voto, com apoio do Aécio e do Pimentel. Leonardo Quintão (MDB) ficou com 14% o tempo todo. Na hora da votação, os 35% de indecisos se deslocaram para o Quintão e quase perdemos no primeiro turno depois de uma campanha monótona.
Que posição o senhor defende que o PSDB assuma caso haja um segundo turno entre Bolsonaro e Haddad?
Isso a gente discute depois. Essa hipótese não está em pauta, é contraprodutiva e desrespeitosa com o Alckmin.