por Mônica Andreis* e Mariana Pinho**
A venda de cigarros eletrônicos e produtos de tabaco aquecido é proibida no Brasil desde 2009 pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária. A norma foi revista este ano, num processo envolvendo especialistas da sociedade civil e da própria indústria, e a agência optou por não apenas manter as proibições vigentes, mas ampliá-las.
Embora a indústria do tabaco sempre tenha distorcido informações para tentar burlar a opinião pública e aumentar a venda de seus produtos, agora ela repete a tática apoiada em argumentos econômicos, alegando que a proibição dos cigarros eletrônicos supostamente fomentaria o comércio ilícito, não geraria empregos e faria o país perder arrecadação.
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Uma pesquisa da Universidade de São Paulo que vem sendo citada pelas empresas estima que a arrecadação tributária com a venda de cigarros eletrônicos seria de R$ 7,7 bilhões. O estudo foi financiado pela Philip Morris e, portanto, apresenta conflito de interesse. Mesmo que a venda de produtos de tabaco gere alguma receita em impostos, a carga do tabagismo para o sistema de saúde é exponencialmente maior. Os impostos federais arrecadados não chegam a R$ 9 bilhões, enquanto os gastos para tratar doenças causadas pelo tabagismo e as perdas econômicas devido a doenças e mortes prematuras somam mais de R$ 112 bilhões por ano, valor que poderia ser ainda maior se a venda dos cigarros eletrônicos fosse liberada, visto que eles também causam doenças e mortes.
O argumento da geração de empregos para agricultura familiar tampouco é amparado pelos fatos. Na verdade, documentos obtidos pela organização Truth Tobacco Industry Documents mostram uma realidade bem diferente: a Juul, uma das principais fabricantes de cigarros eletrônicos, previa a perda de quase 2,6 milhões de empregos na fumicultura mundial até 2045, enquanto os novos produtos gerariam apenas 23 mil novos empregos no período.
Com relação ao contrabando, um parecer emitido pela Polícia Federal para a Anvisa reconhece que não haveria redução se o cigarro eletrônico for liberado no Brasil. É provável até que o resultado seja o oposto: a liberação causaria um aumento de consumo e, como consequência, de procura por esses produtos, inclusive por meios ilícitos, como acontece com os cigarros convencionais.
Além disso, é no mínimo ingênuo — e, dado o histórico da indústria, provavelmente enganoso — afirmar que a liberação seria uma forma de enfrentar o contrabando, considerando que os cigarros tradicionais não são proibidos e mesmo assim 38,6% do mercado é de cigarros ilegais. Nos Estados Unidos, o mercado está inundado de produtos contrabandeados; uma força tarefa recente apreendeu US$ 76 milhões em cigarros eletrônicos ilícitos, o que mostra que a permissão de venda não é uma solução para o mercado ilegal.
E existe um outro fator muito importante: o uso por jovens e o fato de que eles servem como porta de entrada para os cigarros convencionais. A prevalência de uso diário e de cigarros eletrônicos e convencionais entre pessoas de 18 a 24 anos foi quase dez vezes a verificada em faixas etárias superiores. Pouco ou nada é comentado sobre esse fato pelas empresas fabricantes, nem a respeito de casos já documentados em que adolescentes morreram devido a problemas pulmonares, desenvolveram uma dependência avassaladora, necessitaram de transplantes de pulmão e até mesmo se feriram com explosões de baterias desses produtos.
Devido a esses inúmeros casos e evidências, mais de 80 entidades médicas brasileiras subscreveram uma nota repudiando uma possível liberação dos cigarros eletrônicos. Ao ignorar os danos causados à juventude e continuar tentando emplacar suas alegações falsas a respeito de supostos benefícios financeiros, a indústria do tabaco mostra que continua sendo o que sempre foi: um setor preocupado apenas em aumentar seus lucros por meio do contínuo desenvolvimento de novos produtos e estratégias para vendê-los, independentemente dos males que eles causam para a sociedade, tanto na área da saúde quanto na economia.
* Mônica Andreis é diretora geral da ACT Promoção da Saúde
** Mariana Pinho é coordenadora do projeto de controle do tabaco da ACT Promoção da Saúde
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