Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, a única intenção da coligação que apoia a reeleição de Jair Bolsonaro, candidato do PL, ao fazer uma denúncia de suposto prejuízo na inserção de conteúdo de propaganda eleitoral em emissoras de rádio foi “tumultuar” o processo eleitoral.
Faltam provas consistentes à denúncia. As alegações do presidente não são corroboradas pelos próprios personagens envolvidos. As conclusões da denúncia não se sustentam pelos fatos. Nomes que se juntam ao episódio já se envolveram em outras polêmicas e fatos controversos.
Para ajudar no entendimento do factoide tentado pela campanha de Bolsonaro, o Congresso em Foco reúne abaixo suas principais inconsistências.
RELATO SOBRE HORAS A MENOS DE INSERÇÕES NÃO BATEM
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A denúncia toma por base um monitoramento feito em oito rádios da região Nordeste, da Bahia e de Pernambuco, pela empresa Audiency, para concluir que mais de 100 horas de inserções de propaganda de Jair Bolsonaro, do PL, candidato à reeleição, não teriam sido incluídas.
Todas as inserções no segundo turno somam 9 horas e 35 minutos para os dois candidatos. Assim, a conclusão a que chega a denúncia parece ser uma projeção ampliada a partir da amostragem, muito acima, porém, do razoável.
PublicidadeAlém disso, três das oito rádios que são alvo da apuração afirmam ter como provar que, ao contrário do que foi dito, foram feitas as inserções. O relatório, assim, teria erros e inconsistências.
RÁDIO APRESENTADA COMO PROVA AFIRMA QUE ERRO FOI DO PARTIDO DE BOLSONARO
Na sequência da denúncia, apresentou-se como nova prova o caso da rádio JM FM, de Minas Gerais, que teria encaminhado ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) um documento em que comprovaria não ter inserido programas da campanha de Bolsonaro.
De saída, o caso chamou a atenção pela aparente falta de sentido. A dona da rádio, Lidia Prata Ciabotti, é bolsonarista. Em suas redes sociais, ela aparece em foto ao lado da mulher de Bolsonaro, Michelle. Por que ela iria deixar de colocar inserções de propaganda de Bolsonaro e prejudicar sua campanha, então?
A própria rádio esclareceu, então, que não foi a emissora quem deliberadamente deixou de inserir propaganda. Foi o PL, partido de Bolsonaro, quem não enviou o material de propaganda. “No início do segundo turno das eleições presidenciais, os mapas e materiais de uma das campanhas deixaram de ser enviados”, diz a rádio. O que a rádio na verdade fez foi pedir orientação à Justiça Eleitoral sobre como deveria proceder diante da falha do envio dos programas.
SERVIDOR DO TSE QUE FEZ DENÚNCIA COMETIA ASSÉDIO
O servidor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Alexandre Gomes Machado transforma, então, o documento da rádio em denúncia a corroborar a suspeita de prejuízo nas inserções de propaganda de Bolsonaro. Alexandre faz a denúncia à Polícia Federal. No dia em que é exonerado do cargo que exercia no tribunal.
Na verdade, Alexandre não foi exonerado por ter feito a denúncia, como fez parecer. Mas, segundo o TSE, porque, bolsonarista, vinha cometendo assédio moral na repartição em que trabalhava por fazer pressão política contra outros servidores. Segundo informações do TSE, há suspeitas, inclusive, de que Alexandre manteria contato com a campanha de Bolsonaro, trocando informações.
O TSE nega ainda que Alexandre tenha feito denúncias de irregularidades em 2018. “As alegações feitas pelo servidor em depoimento perante a Polícia Federal são falsas e criminosas, e, igualmente, serão responsabilizadas”, diz o TSE em nota.
NÃO É A PRIMEIRA VEZ QUE SERVIDOR DO TSE SE ENVOLVE EM EPISÓDIO CONTROVERSO
Não é a primeira vez que Alexandre Gomes Machado se envolve em um episódio controverso. Jornalista, em 2000, ele trabalhava no jornal Correio Braziliense quando publicou matéria que apontava envolvimento de Eduardo Jorge Caldas Pereira, ex-secretário geral da Presidência no governo Fernando Henrique Cardoso, em um contrato milionário do Banco do Brasil com uma empresa chamada na matéria de DBO Direct. Segundo a matéria, por trás dessa empresa estaria outra, de nome DTC, da qual Eduardo Jorge seria sócio.
A matéria era uma sucessão de erros. A empresa que tinha contrato com o Banco do Brasil chamava-se BDO Direct, e não DBO. Não ficava em Curitiba, como dizia o texto, mas em São Paulo. Ela nunca teve qualquer vínculo com a DTC. A única informação correta era que Eduardo Jorge tinha sido, sim, sócio da DTC. Mas, diante da falta de vínculo da empresa de que era sócio com a DBO e o Banco do Brasil, a matéria não se justificava.
Diante da constatação da imensa quantidade de erros, o Correio Braziliense tomou a decisão inédita de publicar como manchete do jornal: “O Correio errou”, admitindo a sucessão de erros cometidos.
Na época, a jornalista Renata Lo Prete, que era então a ombudsman do jornal Folha de S. Paulo, escreveu que Alexandre reconheceu que confiara unicamente nas informações que obtivera de uma única fonte, sem qualquer documento que comprovasse o que dizia e sem ter checado se as informações eram mesmo verídicas.
Pela forma como reconheceu o erro, o Correio Braziliense recebeu, à época, o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa.
NÃO É FUNÇÃO DO TSE DISTRIBUIR AS PROPAGANDAS DE CAMPANHA
Ao fazer a denúncia, o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e a campanha de Bolsonaro insinuaram que haveria responsabilidade da Justiça Eleitoral pela suposta falha na publicação das inserções de campanha.
Na verdade, não é a Justiça Eleitoral quem distribui o material de campanha. O que a Justiça Eleitoral faz é determinar as regras segundo as quais fica calculado o tempo destinado a cada partido ou coligação. Isso está estabelecido na Resolução 23.610, do TSE. São as próprias emissoras que, diante do que está determinado na resolução, devem se organizar para ter acesso aos conteúdos e divulgá-los. E cabe aos partidos fazer essa fiscalização.
Na verdade, deveria caber à coligação de Bolsonaro acompanhar isso e fazer uma reclamação em tempo. Se alguma falha é constatada, a responsabilização é da emissora.
NÃO HÁ COMO APONTAR CONLUIO DA JUSTIÇA ELEITORAL PARA PREJUDICAR BOLSONARO
Assim, se não é responsabilidade da Justiça Eleitoral fazer a distribuição do material de campanha, também não cabe imaginar alguma ação deliberada da Justiça Eleitoral nesse caso para prejudicar a campanha de Bolsonaro.
TAMBÉM NÃO HÁ COMO APONTAR CONLUIO DA JUSTIÇA ELEITORAL E DA COLIGAÇÃO DE LULA
Bolsonaro chegou a dizer que haveria “dedo do PT” no episódio. Se um eventual problema é de responsabilidade da própria emissora, se não é a Justiça Eleitoral que distribui o material, fica muito difícil apontar para uma responsabilidade direta do PT ou da coligação de Lula no suposto episódio.
POR QUE O AUTOR DA DENÚNCIA É O MINISTRO DAS COMUNICAÇÕES?
Chamou a atenção o fato de a denúncia inicial ter sido feita pelo ministro das Comunicações, Fábio Faria. Tal tarefa de fiscalização não é do Ministério das Comunicações. É, como se mostrou acima, dos próprios partidos.
MORAES BARROU A DENÚNCIA POR INCONSISTÊNCIA
É diante, portanto, de todas essas inconsistências, que o presidente do TSE, Alexandre de Moraes, não deu seguimento à denúncia. “O mais grave, porém, diz respeito à metodologia adotada pela empresa contratada pelos autores que, lamentavelmente, não se coaduna com os meios necessários para a comprovação do que alegado na petição inicial”, diz Moraes.
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