Um dos cientistas brasileiros mais respeitados em todo o mundo, o climatologista Carlos Nobre faz um alerta importante: desastres provocados pelas mudanças climáticas, como o que deixou o Rio Grande do Sul debaixo d’água, serão cada vez mais frequentes e fazem parte de um fenômeno que não tem mais volta. Em entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Nobre afirma que o negacionismo climático, sobretudo dos políticos brasileiros, favorece a ocorrência desse tipo evento.
“Não podemos aceitar mais o negacionismo climático. A população brasileira é muito pouco negacionista, mas quando a gente vai na classe política aumenta muito. O nível de políticos que não querem aprovar orçamentos que vão nessas medidas de aumentar muito a resiliência dos brasileiros com relação aos extremos climáticos é alto. Então, nós temos realmente muito a mudar essa postura política”, defendeu.
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As fortes chuvas que caem sobre o Rio Grande do Sul há uma semana já vitimaram 90 pessoas e desabrigaram cerca de 204,3 mil gaúchos, segundo boletim da Defesa Civil do estado dessa terça-feira (7). O órgão ainda aponta que 131 estão desaparecidos, 362 feridos e quatro mortes estão sob investigação. Para o climatologista, o estado deveria estar mais preparado para enfrentar os desastres, uma vez que em setembro de 2023 também sofreu com chuvas e inundações no Vale do Taquari.
Carlos Nobre, que foi pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) em 2015, também adverte que o país terá de aprender a lidar com esse tipo de desastre que acontece no Rio Grande do Sul, reduzindo o desmatamento, investindo em prevenção, com a retirada de famílias de áreas de risco, e na educação da população.
“As mudanças climáticas estão indicando que esses eventos extremos já estão acontecendo no mundo todo e não tem mais jeito de voltar. Todo mundo tem que se preparar muito para esses eventos extremos. O Rio Grande do Sul devia estar muito preparado que aquele tipo de evento ia acontecer de novo e aconteceu muito rápido, oito meses depois. Tem que se esperar, isso vai passar a acontecer em todo o mundo e no Brasil também.”
O Congresso Nacional e o governo federal têm acelerado o repasse de recursos para as cidades impactadas com o reconhecimento do estado de calamidade pública em todo o estado. Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, que em 2007 dividiu o Prêmio Nobel da Paz com o ex-vice presidente dos EUA Al Gore, Carlos Nobre acrescenta que, após o aumento de 1,5 grau na Terra, em 2023, tais eventos extremos estão acontecendo no mundo todo.
Publicidade“A curtíssimo prazo, tem que se desenhar em todos os municípios com áreas de muito risco de deslizamentos, de inundações, de secas, tem que se preparar as populações. As populações precisam estar muito mais preparadas. Isso é para ontem. Dá para fazer com rapidez educação das populações. Todas as cidades têm que ter as áreas para onde as populações têm que se deslocar, tem que ter um sistema de abastecimento de água, de alimentos, de remédios, de atendimento médico. Tudo isso tem que estar pré-programado.
Confira a íntegra da entrevista:
Congresso em Foco – Em que medida esse desastre no Rio Grande do Sul pode ser apontado como falha humana ou efeito da natureza?
Carlos Nobre – Esses extremos climáticos, recordes sendo batidos, como foi a maior chuva do registro histórico de todo estado do Rio Grande do Sul, não são algo que você podia dizer: “Olha, completamente inesperado um extremo natural meteorológico. Nunca aconteceu”. Não, tudo isso está acontecendo em todo mundo, todos os extremos climáticos. Secas, ondas de calor, chuvas intensas, fogo na vegetação, tudo isso está acontecendo com mais frequência devido ao aquecimento global, nós estamos mudando o clima do planeta. O ano passado e este ano são os recordes de temperatura do planeta, já aqueceu 1,5 grau.
Isso pra gente ver quando o planeta estava 1,5 grau mais quente, tem que ir no último período interglacial 125.000 anos atrás, os humanos ainda estavam lá na África Tropical Equatorial. É só para fazer uma comparação, os eventos extremos desse período vão se modificando em dezenas de milhares de anos. As coisas vão acontecendo muito devagar. Agora não. Agora, em décadas, você já está aquecendo o planeta demais.
Então, não é algo que alguém podia falar: “Olha, que falta de sorte”. Lógico, bateu o recorde, sim, mas isso está acontecendo no mundo inteiro. Em setembro do ano passado, tinha batido o recorde de chuva na bacia do Rio Taquari, no Rio Grande do Sul. E agora bateu o recorde de chuvas em todo o estado. As mudanças climáticas estão indicando que esses eventos extremos já estão acontecendo no mundo todo e não tem mais jeito de voltar. Todo mundo tem que se preparar muito para esses eventos extremos. O Rio Grande do Sul devia estar muito preparado que aquele tipo de evento ia acontecer de novo e aconteceu muito rápido, oito meses depois. Tem que se esperar, isso vai passar a acontecer em todo o mundo e no Brasil também.
Quais medidas poderiam ter sido tomadas, tanto pelo governo estadual quanto municipal, para minimizar os efeitos dessas chuvas?
Desafios que têm que ser enfrentados. Por exemplo, um aspecto que a gente já viu uma melhora foi o Cemaden. Naquele evento do ano passado, indicou à Defesa Civil que havia uma previsão de muita chuva e o Rio Taquari começou a subir, alagar a área ciliar, as várzeas. E só depois que o evento explodiu que a Defesa Civil começou a atuar. Ali se viu que a Defesa Civil deveria atuar com mais antecipação.
Neste evento, novamente o Cemaden fez o alerta, só que desta vez as defesas civis começaram a atuar na hora que as chuvas começaram e isso, de fato, impediu certamente impactar dezenas de milhares de pessoas. Realmente, se não fosse essa ação de tirar as pessoas das áreas de risco, o número de mortos seria maior. Já foi uma melhor resposta agora.
Reduzir o risco tem duas ações: a curtíssimo prazo, tem que se desenhar em todos os municípios com áreas de muito risco de deslizamentos, de inundações, de secas, tem que se preparar as populações. As populações precisam estar muito mais preparadas. Isso é para ontem. Dá para fazer com rapidez educação das populações. Todas as cidades têm que ter as áreas para onde as populações têm que se deslocar, tem que ter um sistema de abastecimento de água, de alimentos, de remédios, de atendimento médico. Tudo isso tem que estar pré-programado.
Por exemplo, na Região Serrana do Rio de Janeiro já tem desastres de deslizamentos e inundações há muitas décadas, teve aquele famoso 2011 com 930 mortes. Toda aquela região tem sirenes quando tem desastres, quando vão acontecer, a sirene dispara e todas as pessoas sabem pra onde correr, os lugares protegidos. Então tudo isso pode ser feito, a gente tem poucos municípios no Brasil que têm sirenes, por exemplo.
Agora, o maior desafio, que não dá para fazer imediatamente, pode levar uma década e tem que ter muito dinheiro, é que de fato milhões de brasileiros não podem continuar vivendo em áreas de altíssimo risco, por exemplo aquelas aquelas cidades que estão na beira daqueles rios no Rio Grande do Sul. Ali não tem mais condição porque esses eventos vão acontecer mais vezes. O Cemaden está fazendo um estudo agora, mais de 1900 municípios estão sendo analisados com altíssimos riscos de deslizamentos e inundações. E aí, infelizmente, nós estamos falando talvez de achar novas residências para uns três milhões de brasileiros.
A meteorologia e a climatologia, por meio das pesquisas científicas possuem um certo grau de previsibilidade dos fenômenos da natureza. Neste sentido, quais outras regiões do país também devem ligar o alerta para a iminência de uma catástrofe climática?Eventos de chuvas extremas têm acontecido em todo o Brasil. É um país tropical, que tem em grande parte do Brasil, com exceção do Nordeste, volumes altos de chuva. Nas estações chuvosas, em todo o Brasil, tem muita chuva. Então, isso vai acontecer no Brasil inteiro. Um dos lugares mais afetados por eventos extremos nós tivemos em maio, no grande Recife, 140 pessoas morreram, foi um recorde de chuvas. Nós tivemos em fevereiro do ano passado, no litoral norte de São Paulo, município de São Sebastião, 64 mortes, deslizamentos e encostas e tivemos desde 2021 grandes eventos de chuvas no sul da Bahia e em grande parte de Minas.
Isso já houve também na Amazônia. Lá tem muita vegetação, segura mais a água, mas também já houve. Às vezes, populações ali na Amazônia que moram na beira dos rios grandes rios como Solimões, o Amazonas também enfrentam os eventos. E aí choveu muito, o rio ficou muito veloz, muita correnteza e carregou um monte de casas que estavam nessas comunidades. Chegou até morrer gente, mas a maioria das pessoas saíram das casas antes que o rio começou a destruir.
É o aquecimento global que está fazendo os eventos de chuva acontecerem. Eles acontecem de forma muito extrema. Normalmente, até em vez de ser uma chuva leve, por muitos dias, é uma super chuva. Como aquela que aconteceu em 2022, 15 de fevereiro, em Petrópolis. Matou 240 pessoas, foram 230 mm de chuva em duas horas. Então, é tanta chuva que aquilo faz um deslizamento. Isso tudo está acontecendo no mundo todo e no Brasil.
O que o desastre do Rio Grande do Sul pode representar na conscientização do poder público, não só do estado do Rio Grande do Sul, mas como nos outros estados do país, da necessidade de investimentos na prevenção de catástrofes?
Eu espero que esse desastre, que bateu o recorde no Rio Grande do Sul da história, faça uma uma ação de todo o Brasil, da população brasileira. Nós temos que, por exemplo, não aceitar mais o negacionismo climático. A população brasileira é muito pouco negacionista, mas quando a gente vai na classe política aumenta muito. O nível de políticos que não querem aprovar orçamentos que vão nessas medidas de aumentar muito a resiliência dos brasileiros com relação aos extremos climáticos é alto. Então, nós temos realmente muito a mudar essa postura política.
É ridícula a quantidade de investimentos. Por exemplo, é até muito difícil de acreditar depois do evento de setembro do ano passado na bacia do Rio Taquari. Em oito meses, aconteceu um evento muito mais forte, então é essa é uma mudança que nós temos que implementar no mundo político, porque a maioria dessa de proteção são infraestruturas que vem muito da responsabilidade pública. Toda a infraestrutura tem que se tornar muito mais sustentável, as estradas, aquelas pontes que caíram lá no Rio Grande do Sul. Tem que construir pontes como uma estrutura para resistir a novas inundações daquele tamanho.
Centenas de milhares de pessoas que moram nessa área ciliar dos rios têm que ser removidas. Centenas de bilhões de reais de investimentos que o Brasil precisa colocar para realmente atuar. Vamos torcer, temos a eleição em novembro de prefeitos e vereadores, que os brasileiros abram os olhos, e não elejam políticos que não se preocupam com isso ou que são negacionistas de mudanças climáticas.