Não tenho por hábito apresentar cenários alarmistas em busca de atenção para minhas ideias, mas este é um caso que realmente deve chamar a nossa atenção.
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Com a desculpa de tornar possível a canalização dos recursos destinados ao Fundo Especial de Financiamento de Campanhas (jocosamente apelidado de “Fundão”) para o enfrentamento do covid-19, setores atrasados do Parlamento, liderados por ninguém menos que Aécio Neves, decidiram apresentar uma proposta absurda: a unificação de todas as eleições a partir de 2022.
São muitos os erros em que incidem os defensores dessa ideia. O primeiro consiste em tirar proveito desse momento de crise humanitária para a condução dessa ideia oportunista. A defesa de uma mudança dessa magnitude em plena pandemia é de um descaramento atroz.
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Mas a unificação dos pleitos possui – em si – muitas outras contraindicações. A primeira diz respeito à Constituição Federal. O mandato de prefeitos e vereadores tem duração certa de quatro anos segundo previsão expressa contida no inciso I do art. 29 da CF. Isso significa que, para que haja ampliação do mandato para tais cargos, é preciso que se aprove Proposta de Emenda à Constituição, com todos os rigores exigidos para tanto. O principal deles diz respeito às cláusulas de barreira. O art. 60, § 4º, II, estipula que não será objeto de deliberação pelo Congresso Nacional a proposta tendente a abolir, dentre outras instituições democráticas, a periodicidade do voto.
Veja-se: a Constituição não impede apenas a aprovação de proposta que efetivamente fulmine o voto periódico, bastando apenas que a iniciativa seja tendente a propiciar tal efeito. Uma proposta que amplia em cinquenta porcento a duração de um mandato abre precedente para que depois se decida pela sua dobra. Ou permite até que este seja encurtado por uma maioria congressual descontente com o exercente transitório de um determinado cargo eletivo.
À vista disso, posso afirmar que a periodicidade a que alude a Constituição é exatamente aquela já definida no próprio texto da Lei Fundamental. Essa é a única forma de evitar casuísmos como aquele que no momento se engendra.
A Constituição – sabiamente – separou as eleições municipais das eleições estaduais e federais. Com efeito, a unificação dos processos eleitorais diminuiria ainda mais a qualidade do debate político, forçando os eleitores a terem que refletir sobre o preenchimento de até sete cargos distintos. Imagine como seria a propaganda no rádio e na televisão! O prejuízo para o esclarecimento do eleitor seria evidente.
O debate político nas eleições municipais, por outro lado, é essencialmente distinto daquele travado nas eleições gerais. É importante manter separadas eleições que, por natureza, provocam reflexões políticas distintas. No âmbito do município prevalecem as questões de grande relevância local. O preenchimento dos demais mandatos se prende a questões bem diversas, de envergadura muito mais abrangente e por vezes mais abstratas, tais como os rumos da economia.
A periodicidade das eleições – como definida na Constituição – convida os eleitores a voltarem às urnas com uma frequência adequada e plenamente justificável. A ideia de realizar eleições apenas de quarto em quatro anos, como alguns defendem, produziria uma sociedade pouco acostumada às urnas e, por conseguinte, à participação cívica. E há quem sugere que isso ocorra apenas de cinco em cinco anos.
As eleições municipais constituem um mecanismo de controle que permite aos eleitores aprovarem ou rejeitarem apoio nas urnas às políticas propostas por presidentes e governadores. Elas fazem parte do sistema de freios e contrapesos próprios da democracia.
Além de tudo isso, caso fosse definido que se passaria tanto tempo sem eleições, o passo seguinte muito provavelmente seria a extinção da Justiça Eleitoral. As ações eleitorais por compra de votos ou por caixa 2, por exemplo, cairiam na vala comum do Judiciário, gerando uma grande onda de impunidade.
Penso que, se houver necessidade do adiamento do pleito previsto para este ano, as novas datas devem ser definidas ainda para novembro ou dezembro deste ano. Essa mudança episódica não abalaria a duração dos mandatos já definida na Lei Fundamental.
Tudo isso deve nos levar a nos opormos com todas as nossas energias a essa iniciativa estapafúrdia.
*Marlon Reis é advogado, ex-Juiz Auxiliar da Presidência do TSE, Doutor em Sociologia Jurídica e Instituições Políticas pela Universidad de Zaragoza (Espanha) e um dos redatores da Lei da Ficha Limpa.
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