Em artigo exclusivo para o Congresso em Foco, o general Santos Cruz alerta para a politização do desfie de Sete de Setembro. Na avaliação dele, isso jamais aconteceu antes da utilização feita pelo presidente Jair Bolsonaro no ano passado e que ele tenta novamente fazer este ano.
É claro: em um país que viveu 21 anos de ditadura militar, é muito discutível defender que as manifestações militaristas nunca tenham sido politizadas. Qualquer criança que tenha vivido durante os tempos do regime militar, lembra-se da infiltração de ideias da caserna nas capas dos cadernos, nas formaturas para cantar hinos todos os dias no pátio da escola, nos desfiles, etc.
O curioso do artigo de Santos Cruz é como, em diversos momentos, ele lembra o discurso do ex-deputado Márcio Moreira Alves que serviu de pretexto para que a ditadura militar instituísse o Ato Institucional nº 5 e mergulhasse o país em um tempo de treva absoluta.
Neste momento, o tradicional desfile de Sete de Setembro no centro do Rio de Janeiro não irá acontecer. Será substituído por uma pantomima de alguns militares em Copacabana, no mesmo lugar no qual militantes bolsonaristas prestigiarão o presidente.
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No fundo, é de certa forma vergonhoso para as Forças Armadas. Em vez do desfile tradicional, parte dos militares irá participar de uma manifestação política no mesmo lugar onde, em 1922, uma parte somente dos militares também se rebelou e marchou na direção do Forte de Copacabana. Ou seja: o cenário será o de uma revolta de um grupo contra a instituição militar. É essa mesma a mensagem que as Forças Armadas desejam reforçar?
“Em mais de 45 anos de Exército, participei de muitos desfiles. E nunca houve qualquer conotação ou ideia de significado político. Pura celebração!”, diz Santos Cruz em seu artigo. “Infelizmente, (…) o populismo e a politização infectaram o 7 de Setembro”, continua o general.
PublicidadeEm 1968, dizia Márcio Moreira Alves o seguinte em seu discurso: “Todos reconhecem, ou dizem reconhecer, que a maioria das Forças Armadas não compactua com a cúpula militarista, que perpetra violências e mantém este país sob regime de opressão”. Ou seja, assim como dizia o deputado de oposição em 1968, agora diz o general: na visão de ambos nos dois momentos, os excessos que levavam à politização não eram uma coisa institucional.
Em 1968, Márcio Moreira Alves partia desse argumento para propor um boicote ao desfile militar. Que as escolas não participassem do desfile. Que “as moças” não dançassem com “os cadetes”. “Seria preciso fazer hoje no Brasil com que as mulheres de 1968 repetissem as paulistas da Guerra dos Emboabas e recusassem a entrada à porta de sua casa aqueles que vilipendiam a Nação”, pregava.
Santos Cruz não prega semelhante boicote. Mas prega que se boicote, sim, o uso político da festa dos 200 anos da independência do Brasil. “A proximidade das eleições, exercício da democracia, com fortes marcas de fanatismo e, consequentemente, com a possibilidade de violência, pelo menos localizada, torna importante o alerta para que nenhum cidadão, qualquer que seja a sua opção política, embarque no estímulo irresponsável e inconsequente à violência”, escreve Santos Cruz. Ou seja, ele prega que se participe da festa da independência, mas não do seu uso político irresponsável.
“Para que se tenha um 7 de Setembro e eleições sem violência, com absoluta liberdade em todas as manifestações, é importante que os cidadãos, os órgãos de segurança, o Ministério Público e a Justiça tenham consciência da importância da aplicação da lei com a presteza necessária, para que a liberdade de todos seja exercida na sua totalidade”, prossegue o general.
“Discordar em silêncio pouco adianta. Necessário se torna agir contra os que abusam das Forças Armadas falando e agindo em seu nome”, dizia Márcio Moreira Alves em 1968.
Como se vê claramente, o discurso de Márcio Moreira Alves não era contra a instituição Forças Armadas. Era contra o uso político dessa instituição. O artigo agora de Santos Cruz é uma defesa da instituição Forçar Armadas. Contra o seu uso político.
Em 1968, o discurso de Marcito, como o deputado era chamado por seus amigos, ensejou o AI-5. Porque naquele momento estava claro que o desejo mesmo da instituição era se politizar. E agora? O desejo é o mesmo? Ou tudo não passa de eventual aventura solitária de um ou de alguns? Embarcará agora as Forças Armadas nessa aventura?