Com o título “Mulheres que pintam o país com a cor da esperança“, o Congresso em Foco anunciava com entusiasmo, em 1º de outubro de 2020, o lançamento da coluna Olhares Negros, um espaço de reflexão e resistência conduzido por oito ativistas e intelectuais negras. A ideia deu tão certo que, nesse sábado (30), o Olhares Negros foi lançado como livro digital, reunindo os 49 artigos publicados ao longo do primeiro ano da coluna no site.
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O lançamento presencial foi feito no Dida Bar e Restaurante, um empreendimento de mulher negra e cardápio africano e afro-brasileiro, cidade da maioria das autoras do livro e da coluna. O livro aborda assuntos relacionados à história e cultura afro-brasileira, racismo, legado das religiões de matriz africana, violência política, democracia e participação política, comunicação, educação, fotografia, produção audiovisual, literatura, racismo ambiental, entre muitos outros temas sobre as vivências de mulheres e homens negros no Brasil no passado e no presente.
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Os textos são assinados por Wania Sant’Anna, Helena Theodoro, Vanda Machado, Dulce Pereira, Roberta Eugênio, Kelly Tiburcio, Iara Brandão e Mariana Maiara. O livro tem apresentação de duas afro-americanas que são referências mundiais do movimento negro, movimento de mulheres negras e direitos humanos, a escritora e ativista Angela Davis, e a advogada criminalista internacional Patricia Sellers. O fundador do Congresso em Foco, Sylvio Costa, e a sócia da Daniel Advogados Isabella Cardozo também apresentam a obra.
“Ao invés de se basearem em ideias e abordagens patriarcais, homofóbicas e racistas, seus artigos são inclusivos, compassivos e, ao discutir questões nacionais e internacionais, dão expressão ao profundo conhecimento ancestral das mulheres afro-brasileiras”, observa Angela Davis, da University of California.
Patricia Viseur Sellers destaca a relevância do livro: “Os artigos do Olhares Negros escancaram verdades imperativas da ainda existente negociação acerca da existência ontológica dos afro-brasileiros”.
Sylvio Costa conta, na apresentação do livro, como a coluna nasceu e como esse espaço se tornou um dos mais nobres do Congresso em Foco. “Mais impressionante ainda foi perceber, pouco depois, como elas se complementavam e construíam uma narrativa coletiva coerente, apesar das grandes diferenças entre si – na idade, no campo profissional e na realidade de vida. Desde então aprendo muito com elas”, diz o jornalista.
Autora da primeira coluna do Olhares Negros, a historiadora Wania Sant’Anna ressalta que os artigos produzidos pelo coletivo servem de fonte de inspiração às gerações futuras. “Nós mulheres negras temos entregado, desde sempre, o melhor de nós a esse país e não somos reconhecidas em nossa dignidade e humanidade. O que escrevemos é para os nossos e nossas ao futuro para que eles sempre se lembrem dessa verdade: entregamos o nosso melhor.”
Para Roberta Eugênio, integrante da diretoria do Instituto Alziras, Olhares Negros não é mais que uma coluna. “É um espaço moderno e estratégico de aquilombamento. Nos ouvimos, nos reconhecemos, celebramos, dividimos angústias e alegrias. Nem tudo que debatemos se torna artigo. Mas tudo que se torna artigo, reverberou em todas. Intergeracional, político e espiritual.”
A cineasta Kelly Tiburcio, outra coautora, destaca que durante muito tempo a mídia foi um espaço dedicado exclusivamente à branquitude. “Tudo o que víamos, ouvíamos e líamos não era sobre nós, com exceção das páginas policiais. Num contexto de reação política tão conservadora, que busca desacreditar toda a contribuição intelectual e cultural do legado negro-africano no país, termos um espaço dedicado a uma escrita que se contrapõe a toda essa estrutura é fundamental para a construção de uma sociedade antirracista”.
“Ter a liberdade de entender a minha fala como sendo eu do lado de fora, além de receber outras falas que ampliam e colorem o meu universo de vida é uma experiência única e privilegiada. ‘Olhares Negros‘ me possibilitou liberdade de existir com todas as minhas histórias, com minha ancestralidade e com a esperança num futuro pelo contato com as mais jovens que me permitiram renovação, encontros e muita energia boa”, diz a pesquisadora da história e da cultura afro-brasileira Helena Theodoro.
Esse sentimento intergeracional também é compartilhado pela historiadora Iara Brandão, a mais jovem do grupo, “Por ser um coletivo composto por mulheres negras de diferentes idades e contextos, nossa produção coletiva, além de dar voz a experiências historicamente silenciadas, se constitui através de um espaço de troca de experiências, escuta e acolhimento. Espaço no qual compartilhamos não apenas estratégias de combate ao racismo, as estruturas de poder da branquitude que segue violentando nossos corpos e apagando nossas culturas.”
A professora Vanda Machado destaca a importância de Olhares Negros para resgatar importantes fatos da história do país ignorados pela maioria dos brasileiros, mas que são fundamentais para se compreender o Brasil de hoje.
“Buscamos aspectos pouco conhecidos da história que nos enriquece, fortalece e nos mantem acessas. Como girassóis nos iluminamos mutuamente em tempos nebulosos. Coletivamente construímos história de lugares e de personagens negras apagadas pelo tempo. Não temos dúvida que estamos em luta. A luta é também toca outras mulheres negras para que se tornem conscientes da força que somos quando nos levantamos juntas”, declarou.
Ainda sobre o tema, Dulce Pereira, arquiteta, professora e uma das autoras, ressaltou que são raras as colunas de escrita coletiva por mulheres, feitas com autonomia a partir de um coletivo auto-organizado.
“Silenciamento, controle das pautas sobre racismo, definição de temas e abordagens, no caso de sites jornalísticos, compõem realidade universal. Colunas patrocinadas ou financiadas por instituições também têm temas e abordagens definidas. Olhares Negros traz outra mirada. Resume e expande a experiência única de reflexões de mulheres negras que atuam em diferentes áreas profissionais, militantes e ativistas intelectuais, com percepção geopolítica, formuladoras de conceitos e de estratégias para desmantelar o racismo, articular processos de poder compartilhado e planejar políticas públicas para justiça socioambiental”, afirma Dulce.
Mariana Maiara, articulista do Olhares Negros e fotografa da maioria das fotos publicadas no livro dedicou vários artigos a essa forma particular de retratar as mulheres negras e suas comunidades, “Escrever por si só é um desafio. Mas quando esse desafio vem acompanhado de um convite para escrever com mais sete mulheres negras de diferentes gerações, o desafio cede lugar à ancestralidade. Como colunistas desejamos, sobretudo, que todas as mulheres negras ocupem espaços de poder, usem suas vozes em todos os canais de comunicação e produzam memórias visuais que as contemplem.”
A edição do livro teve a colaboração da Daniel Advogados e faz parte das ações previstas em seu programa de diversidade e inclusão sob a liderança da sócia e advogada Isabella Cardozo, “Olhares Negros vem para apresentar uma soma de saberes, é um livro visceral que gera uma reflexão profunda de que precisamos forjar uma nova e verdadeira alma brasileira, que reconheça e celebre a ancestralidade e intelectualidade africana como nascedouro e sustentação de nosso país.”
Ao lançamento também se somam organizações comprometidas com a luta antirracista no Brasil e empoderamento das mulheres como o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), Fundo Elas+ e Instituto Alziras, sediadas no Rio de Janeiro.