De janeiro a 16 de setembro, pelo menos 126 mulheres foram vítimas de violência política, incluindo candidatas ou aquelas que já possuem mandato. Os dados são do Observatório de Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio) e fazem parte de um levantamento que mostra que foram registrados 455 casos de violência política nesse período. As mulheres totalizam 27,6% das vítimas.
O levantamento não engloba episódios recentes de violência política. Por exemplo, não foi contabilizada a tentativa de homicídio que a candidata à prefeitura do Guarujá (SP) Thaís Margarido (União) sofreu no último domingo (22). Thaís estava acompanhada de uma assessora e duas crianças quando o carro em que o grupo estava foi alvejado por quatro tiros, após uma agenda da campanha. Ninguém ficou ferido.
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Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 52% do eleitorado brasileiro é composto por mulheres, mas elas representam somente 33% das candidaturas. Isto é, das 456.310 candidaturas registradas 155 mil são mulheres. Este é um cenário estável. Para se ter uma ideia, em 2022, nas eleições gerais, das 29.262 candidaturas, apenas 9.890 eram femininas, ou seja 34%.
A cientista política Beatriz Carvalho, pesquisadora do Grupo de Investigação Eleitoral da Unirio (Giel/Unirio), responsável pelo Observatório, avalia que a equidade de gênero na política é um desafio que ainda está longe de ser resolvido.
“A maior ocorrência de violência contra homens no levantamento deste ano até agora não é um indicativo de que mulheres estão sendo mais ‘aceitas’. Existe uma série de possibilidades que explicam esses números, desde a subnotificação de casos de violência contra mulheres na política, até uma dificuldade de compreensão que as pessoas, e às vezes até as próprias vitimas, têm de entender que determinado ato é classificado como violência”, comenta a pesquisadora.
Imagens falsas
A Agência Lupa divulgou, na terça-feira (24), que são falsas as imagens das candidatas à prefeitura de São Paulo Tabata Amaral (PSB) e Marina Helena (Novo) nuas ou seminuas. Fotos verdadeiras das candidatas estão sendo usadas para criar falsos nudes e deepfakes (uma técnica que permite alterar um vídeo ou foto com ajuda de inteligência artificial). Marina Helena teve imagens adulteradas veiculadas, inclusive, em sites pornográficos.
“Sou candidata à Prefeitura de São Paulo e sou agredida por ser mulher. Em uma das campanhas eleitorais mais violentas que o país já viu, já tentaram me desqualificar citando a minha idade, o meu tamanho e com deepfakes. É inadmissível que as duas candidatas mulheres sejam alvo de ataques desse tipo. A Lei 14.192/2021 considera violência política contra a mulher ‘toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir, obstaculizar ou restringir os direitos políticos da mulher’”, respondeu Tabata.
Beatriz Carvalho avalia que o avanço rápido das tecnologias de IA tornou as violências digitais contra mulheres na política ainda mais preocupantes. “Não temos um ponto de referência muito concreto de como lidar com deepfakes contra mulheres, por exemplo. Para além da denúncia, que precisa ser feita, como podemos impedir que essas imagens e vídeos sejam ainda mais compartilhados? Qual o tamanho do impacto que isso pode ter na carreira política de uma mulher? Estamos acompanhando e vamos incorporar essas análises nos próximos levantamentos”, antecipou.
Sexualização
Além da violência psicológica e sexual, a cientista política chama atenção para o que categoriza como violência semiótica. “Entendemos essa última forma de violência como o uso de imagens, palavras, linguagem corporal, etc. para ridicularizar e inferiorizar a vítima, desqualificá-la como representante. Essa forma de violência está ligada à manutenção de poder de um grupo sobre o outro, então faz sentido que mulheres sejam muito afetadas”, detalha.
Um exemplo é o da candidata a vereadora em São Caetano do Sul (SP) Bruna Biondi (Psol), que, em maio, foi chamada pelo prefeito da cidade, José Auricchio Júnior (PSDB), de “tchutchuca” e de “agressiva”. Ele ainda disse que a parlamentar “gosta de mentir”. Bruna fez uma denúncia ao Ministério Público Eleitoral contra o prefeito por violência política de gênero.
“O termo ‘tchutchuca’ é socialmente utilizado para se referir, de forma humilhante, à condição agradável, dócil e domada da mulher em relação a um homem poderoso. Tendo muitas das vezes até mesmo conotação sexual, como referência de submissão sexual da mulher em relação a um homem”, diz a queixa.
“Seja qual for o contexto de utilização do termo ‘tchutchuca’, em nenhum deles haverá conotação positiva, já que este carrega necessariamente um teor de humilhação e de constrangimento que fazem parte do significante da palavra”, complementa.
“Falta apoio”
Conforme o Congresso em Foco mostrou, das 26 capitais estaduais, oito não têm nenhuma candidata à prefeitura. São elas: Florianópolis (SC), Teresina (PI), Fortaleza (CE), João Pessoa (PB), Cuiabá (MT), Manaus (AM) e Rio Branco (AC). Entre os 171 candidatos a prefeito nas capitais, só 36 (21%) são mulheres.
“Falta muito apoio às candidatas e às mulheres eleitas, inclusive dentro de seus próprios partidos. A partir de um maior esforço coletivo, novas políticas podem ser pensadas para garantir a entrada e permanência de mulheres”, avalia Beatriz Carvalho.
Para a pesquisadora, a violência contra as mulheres na política é reflexo da discriminação por gênero.
“A misoginia é o que impede mulheres de participarem plenamente da vida pública, de se candidatarem para cargos de liderança, de exercerem seus direitos políticos. Nos últimos anos temos observado melhorias no sentido de mais candidaturas femininas e mais políticas eleitas. Nesse novo cenário, é assim que a violência contra mulheres na política atua com mais força: uma vez que mulheres conseguem entrar nesses espaços, elas são forçadas a sair. O objetivo é remover mulheres da arena política porque, pelas regras do patriarcado, elas nem deveriam estar lá. Consequentemente, isso pode acabar levando outras possíveis candidatas a terem medo de participar da política”, explica ela.
Ao todo, os casos de episódios violentos envolvendo candidatos aumentam à medida que a eleição se aproxima. No primeiro trimestre do ano, foram 68 casos; no segundo, 155; no terceiro, 232. O Observatório da Violência Política e Eleitoral aponta que foram 94 episódios de violência física, dos quais resultaram em 15 homicídios, 49 de violência psicológica, 19 de violência econômica e 11 de violência simbólica. De acordo com o levantamento, até o momento, São Paulo lidera o ranking de violência no país, com 29 casos, seguido por Rio de Janeiro, com 20, e Piauí, com 14.