O indiciamento da Polícia Federal (PF) contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais 36 pessoas por abolição violenta do Estado democrático de Direito, golpe de Estado e organização criminosa, nesta quinta-feira (21), é o terceiro do ex-mandatário. Juristas ouvidos pelo Congresso em Foco apontam que, dos três, este é o mais grave para Bolsonaro.
Antes, o ex-presidente havia sido indiciado por fraude no cartão de vacina e pelo caso das joias sauditas, quando a PF indiciou Bolsonaro e mais 11 pelos crimes de peculato, associação criminosa e lavagem de dinheiro envolvendo os presentes recebidos em viagem oficial à Arábia Saudita.
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O indiciamento é uma fase inicial das investigações e não representa a garantia de punição. Até lá, há algumas etapas a serem cumpridas:
- O inquérito ainda deve ser encaminhado ao Ministério Público. Depois disso, o Procurador-Geral da República (PGR), Paulo Gonet, tem até 15 dias para oferecer denúncia ao Supremo Tribunal Federal (STF).
- O STF, em seguida, decide se aceita ou não a denúncia. Se sim, os indiciados tornam-se réus e podem ser considerados culpados pelas condutas.
“O indiciamento é um passo inicial e fundamental para que tais condutas sejam avaliadas pela Procuradoria-Geral da República e pelo Supremo Tribunal Federal, com a seriedade que a Constituição exige. Destaco também que este inquérito marca um ponto de inflexão histórico ao implicar integrantes do generalato em crimes não abrangidos pela Justiça Militar, resultando, pela primeira vez, em prisões de alto escalão por crimes contra a ordem civil e democrática”, explica o advogado Cláudio Castello de Campos Pereira.
Os crimes atribuídos a Bolsonaro podem ter penas somadas de até 28 anos, conforme o Código Penal. O crime de abolição violenta do Estado Democrático de Direito (art. 359-L do Código Penal) tem pena prevista de quatro a oito anos de prisão; golpe de Estado (art. 359-M), de quatro a 12 anos, e a prática de organização criminosa (art. 1º da Lei 12.850/2013) varia de três a oito anos de reclusão.
O advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, avalia que Bolsonaro e os demais indiciados, como os ex-ministros Augusto Heleno, Braga Netto e o deputado Alexandre Ramagem (PL-RJ), devem receber uma pena próxima da máxima prevista em lei. Ele acrescenta que, dada a gravidade do ato, o ex-presidente pode ser condenado a 24 ou 25 anos, tendo em vista que os envolvidos nos atos antidemocráticos de 8 de janeiro foram condenados a penas de até 17 anos.
“Esse indiciamento agora, sob diversos aspectos, tem maior densidade, é mais grave do que os outros. Os outros envolvem crimes gravíssimos — qualquer crime é grave, principalmente partindo de um presidente da República — mas esse envolve um atentado contra o Estado, contra a democracia. Então, realmente tem um potencial de condenação de penas altíssimas. Como é um crime que tem realmente a capacidade de movimentar muito o Poder Judiciário, porque atenta inclusive contra um dos ministros do Supremo, é um crime que pode surtir até mesmo uma prisão preventiva”, argumenta.
A visão também é compartilhada pelo advogado Aldemario Araújo Castro, que classifica as novas acusações como “extremamente graves”. Ele aponta que a ruptura institucional planejada pelo golpe “afeta a espinha dorsal da democracia brasileira e afronta gravemente os direitos e garantias fundamentais” e que, por isso, a Constituição estabelece o crime como inafiançável. “Parece fora de dúvida que a prisão do ex-presidente Bolsonaro se apresenta como mais factível, especialmente na forma de uma decisão final na pertinente ação penal”, acrescenta.
Para Kakay, Paulo Gonet deve apresentar a denúncia em pouco tempo, apesar do relatório longo da Polícia Federal, porque “a procuradoria está acompanhando esse relatório ao longo do tempo”. Ele também acredita que o Supremo acolha a denúncia da PGR para tornar os indiciados réus. Se as autoridades decidirem por prisão preventiva dos alvos, o advogado também crê na celeridade deste processo.
Esta é a primeira vez que um ex-presidente é indiciado por tentativa de golpe de Estado desde a redemocratização. Cláudio Castello avalia que, nesse sentido, “a história recente tem mostrado abalos e fragilidades das democracias liberais diante de ondas de autoritarismo, autocracia e ataques coordenados ao Estado de Direito”. Ele aponta ainda que esta é uma oportunidade do país reafirmar a defesa da democracia.
“O caso brasileiro, nesse sentido, reforça a capacidade das instituições republicanas de preservar os valores democráticos e punir os responsáveis por ações que desafiam o ordenamento constitucional. Este episódio deve servir como exemplo de que o Estado Democrático de Direito é capaz de enfrentar crises e reafirmar os princípios fundamentais de liberdade, justiça e igualdade”, diz o jurista.