Com os cinco anos da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e todas as mudanças políticas e sociais que foram cenário para a implementação da legislação, o Brasil vive hoje um “momento muito perigoso” no qual a legislação protege quem já detém poder e instiga um cenário ainda mais desigual. Essa é a avaliação do pesquisador Fabiano Angélico, doutor em Ciências da Comunicação pela Universidade de Lugano (USI), na Suíça. Especialista na área de transparência, Fabiano é um defensor da lei – que agora completa meia década de sanção -, mas um crítico da forma com que ela tem sido usada no Brasil.
“A impressão que eu tenho é que muita gente poderosa da política e do setor empresarial acabou se protegendo com a LGPD, muita informação como dados de filiação partidária, que, em minha percepção, não são dados sensíveis, não estão mais disponíveis para acesso”, afirma o pesquisador da Universidade de Lugano.
Para o pesquisador, as discussões sobre dados pessoais suscitadas pela LGPD foram usadas pelo governo Bolsonaro para distorcer outra importante norma de transparência do país, a Lei de Acesso à Informação (LAI). Segundo ele, o ex-presidente Jair Bolsonaro fez uso desse expediente para se blindar politicamente, ao determinar, por exemplo, sigilo de cem anos ao seu cartão de vacinação.
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Segundo o pesquisador, além de questões políticas, há também o aspecto da exclusão social causada pela forma em que os dados são coletados. O mundo, cada vez mais globalizado, ainda não consegue ser inclusivo e a coleta de informações está ligada diretamente ao acesso às tecnologias que servem de canal para isso. “Então, por exemplo, vocês têm muitos dados a respeito de certas populações e populações mais marginalizadas não se tem, não tem um recorte de gênero. A própria forma de produzir dados não é muito fidedigna. Quando as aplicações de inteligência artificial recolhem esses dados de forma tendenciosa acaba que pode gerar outputs também tendenciosas”, explica Fabiano.
Polêmica mesmo sendo ainda pouco conhecida, a legislação acompanhou uma pandemia, um Brasil completamente polarizado, a troca de governo e o avanço da tecnologia de Inteligência Artificial, que altera a forma com que a sociedade produz e enxerga conteúdos. A norma, sancionada em 14 de agosto de 2018, entrou em vigência aos poucos, primeiramente em dezembro daquele mesmo ano, com a criação do Conselho Nacional de Proteção de Dados Pessoais e da Privacidade e da Autoridade Nacional de Criação de Dados (ANPD), que fiscaliza o cumprimento da lei e só foi devidamente estruturada em 2020, transformada em autarquia federal dois anos depois, em 2022.
Com a pandemia de covid-19, o governo tentou adiar o início da vigência do restante da lei, que foi determinado pelo Senado para setembro de 2020. Em meio a um mercado desestabilizado, uma população assustada e uma imprensa dominada por informações sobre o vírus, uma lei que afetava a todos entrou discretamente em vigor.
Três anos depois do início de sua vigência, a população apenas aceita os usos de cookies e concorda com os termos de uso sem mesmo ler. O assunto, pouco abordado nos jornais, escolas e nas conversas de almoço de família, acabou sendo dominado por quem tem poder, muitas vezes protegidos pela etiqueta de “dados sensíveis”.
Publicidade“Eu não sou muito otimista nesse sentido, acho que quem detém poder político e econômico acaba ditando a agenda e consegue colocar suas demandas de maneira mais forte”, conta. Segundo o pesquisador, é preciso que a aplicação da lei seja aperfeiçoada e que se leve em conta o seu possível uso por autoridades em desfavor do cidadão comum. “Toda vez que você fica só na letra da lei, no juridiquês, você não percebe o jogo de poder. A LGPD foi pensada para proteger o cidadão comum dos poderosos, agora no Brasil e talvez em outros países, a LGPD está sendo usada para proteger os poderosos. É uma inversão da função da lei”, explica o pesquisador.
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