Criada em 2011, a lei de acesso à informação (LAI) prevê que é dever do Estado garantir o direito à informação ao cidadão, e que os dados devem ser disponibilizados de forma transparente, clara e em linguagem de fácil compreensão. Entretanto, o caminho para obter informações através da LAI sobre a Presidência da República tem sido pedregoso e barrado pelo muro do sigilo com uma frequência maior que em governos anteriores.
De acordo com dados do Painel de Acesso a Informação, mantido pela Controladoria Geral da União (CGU), a alegação de sigilo como negativa às solicitações de informações através do portal Fala.BR, aumentou 663,08% durante o governo de Jair Bolsonaro (PL) em relação ao governo da ex-presidenta Dilma Rousseff (PT). Se durante o período petista apenas 2,6% dos acessos à informação foram negados sob a justificativa de sigilo, sob Bolsonaro o percentual saltou para 19,84%. O governo Temer também usou o mesmo argumento para negar 18,57% dos pedidos de informação durante a sua gestão.
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“É preocupante quando você tem quase 20% de acessos negados sob alegação de sigilo de um conjunto de pedidos de informação via LAI. É um subterfúgio para driblar a transparência”, alerta o pesquisador e consultor internacional em temas de transparência e combate à corrupção e à lavagem de dinheiro (Banco Mundial, UNODC, PNUD, Transparency International), Fabiano Angélico. “Por princípio, a informação é de domínio público, o sigilo é que é a exceção. É como quando usam a lei geral de proteção de dados (LGPD) para negar um pedido de informação via LAI. A lógica, no caso, é proteger os dados pessoais do cidadão comum. O que está acontecendo é o contrário, é o poderoso sendo protegido do cidadão. O que eles têm tanto a esconder?”
Bruno Morassutti, advogado e cofundador da agência de dados Fiquem Sabendo, especializada na lei de acesso à informação, faz coro com Angélico sobre o uso indiscriminado da negativa por sigilo.
“A percepção geral é que a aplicação da LAI está mais restrita e pedir informação sobre a cúpula do governo está mais difícil”, analisa Morassutti. “Porém, o sigilo serve para proteger o Estado e a pessoa comum. O servidor público não é uma pessoa comum, portanto, seus atos devem ter transparência.”
Publicidade100 anos de sigilo
Da carteira de vacinação a registro de acesso dos filhos ao Palácio do Planalto, o presidente Jair Bolsonaro levantou o véu do sigilo às informações por 100 anos. No mais recente caso, o Gabinete de Segurança (GSI) negou acesso ao jornal O Globo, via LAI, às informações sobre as visitas dos pastores lobistas envolvidos no escândalo do Ministério da Educação (MEC) que só poderão vir à luz em 2122. A alegação: informação não pode ser divulgada porque coloca em risco a vida do presidente e de seus familiares.
Para justificar o sigilo de um século, Bolsonaro alega que a informação pública conteria informações pessoais para se enquadrar no artigo 31 da lei 12527/2011 (LAI), que prevê que “informações pessoais, relativas à intimidade, vida privada, honra e imagem […]terão seu acesso restrito, independentemente de classificação de sigilo e pelo prazo máximo de 100 (cem) anos a contar da sua data de produção.”
“Esse é um tipo de sigilo que não está submetido à Comissão Mista de Reavaliação de Informações que atua como última instância recursal administrativa na análise de negativas de acesso à informação”, explica Bruno Morassutti sobre a CMRI cujas atribuições também estão ligadas ao tratamento e à classificação de informações sigilosas.
Em reação à manobra do presidente Jair Bolsonaro para restringir informações solicitadas via LAI, o líder da minoria no Senado, o senador Jean Paul Prates (PT-RN) declarou ao Congresso em Foco que governos sérios e comprometidos com a transparência e com o eleitor não têm o que esconder da população.
“O Brasil é governado por um presidente pródigo em escândalos de corrupção. Para evitar que as suas falcatruas venham à público, ele decreta sigilo para abafar a realidade dos fatos”, declara o parlamentar potiguar. “Não há em nossa história recente nenhum presidente que se compare a ele no uso desse recurso. Bolsonaro vai passar para a história como um dos piores e mais mentirosos políticos de nossa geração.”