Especialistas ouvidos pelo Congresso em Foco avaliam que a ascensão da extrema direita em Israel gerou um contexto propício para os ataques realizados pelo grupo Hamas, que começaram no sábado (7). De acordo com Michel Gherman, historiador especializado no conflito palestino-israelense, o governo do primeiro ministro Benjamin Netanyahu contribuiu para que o ataque fosse organizado e feito como imaginado por conta “da falta de legitimidade gradual e da ameaça à democracia que ele próprio estava produzindo”.
O analista de relações internacionais Lúcio Reiner explica que Israel nasceu como um estado de centro-esquerda socialista guiado pelo Partido Trabalhista, em 1948, que dominou a política israelense por muitas décadas até a guerra de Yom Kippur, em 1973. Diante da falha de segurança que deu espaço para a guerra citada, governos mais à direita foram ganhando terreno até Netanyahu assumir como o primeiro-ministro mais longevo da história do pais: de 1996 a 1999, de 2009 a 2021 e reeleito em 2022.
Com o tempo, a ascensão da direita se converteu em extrema direita, o que evoluiu para um congelamento de relações com os países vizinhos. Desafetos regionais como Síria ou Líbano e a própria Palestina não tem condição de enfrentar a primazia militar de Israel devido ao investimento bélico do país.
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“Não há ameaça que se equipare aos armamentos de Israel, que não viu necessidade de ceder e cada vez foi mais à direita, ocupando com colônias a Cisjordânia. Além de ser contrário à resoluções da ONU, isso inviabiliza cada vez mais um estado palestino”, disse Reiner.
O analista relata que para se perpetuar no poder, à beira de ir para a cadeia por corrupção, Netanyahu se ressuscitou colocando gente de fora do espectro normal da política israelense de extrema direita no poder. O atual ministro de defesa do país estabeleceu como política de tratamento aos palestinos três opções inflexíveis: imigração, submissão ou morte.
Isto serviu na prática como arroxo no garrote no pescoço da população palestina e de mola propulsora não só para o fundamentalismo religioso islâmico, que surgiu a partir da Revolução Iraniana, que usa massa de manobra para sacrifícios, mas para os eventos deflagrados no fim de semana. A juventude palestina sem perspectiva que não pode evadir a região prefere morrer a virar escravo.
PublicidadeGaza é um gueto
“O novo gabinete de Israel salvou Netanyahu da cadeia, mas criou uma política fascista. Curioso que o povo judeu agora esteja fazendo um gueto para os outros [palestinos]. Gaza é um gueto em que tudo, até a água, é controlado. Os princípios do início, com organização social mais generosa, se perderam. Agora virou um estado de extremíssima direita que pensa que vai resolver a questão com a força e não é assim”, pontua Reiner.
Na avaliação do analista, o Hamas obteve sucesso de vida curta com a operação porque está fora de cogitação ganhar a guerra. O propósito é criar um fato que obrigue Israel a negociar, a conceder e a voltar ao diálogo para que uma entidade palestina viável seja construída e o fundamentalismo terrorista seja afastado.
“O objetivo principal do Hamas é criar insegurança e um abalo que leve à queda desse governo depois das operações militares, com novas eleições que prometam paz em troca de abandonar colônias ilegais na Cisjordânia ou pagamento pela terra e permissão para um território palestino na região.”
Atualmente, a Faixa de Gaza tem cerca de dois milhões de habitantes palestinos. O Hamas preencheu a região com reféns israelenses para evitar ataques do exército inimigo ao longo do fim de semana ao usá-los como escudo humano. O Hezbollah, grupo terrorista localizado no Líbano, anunciou apoio ao Hamas com ataques ao norte de Israel. Ambos são majoritariamente financiados pelo regime iraniano. A situação de Israel se complica porque os países desafetos não irão se mover para apoiar o país e nem para enfrentá-lo.
“A guerra israelense é contra grupos terroristas e não contra estados”, conclui Reiner.
3 perguntas
Acho que a relação do Hamas é uma relação relativamente nova com o Irã e com Hezbollah, uma relação tática. A necessidade de impedir o avanço da normalização de Israel com a Arábia Saudita produziu a perspectiva desses ataques muito preparados. Ataques que devem ter sido articulados por um ano, pelo menos. É o que mostra a falência e o despreparo da inteligência e da segurança de Israel. Além disso, é possível dizer que esse governo polarizado de extrema direita, altamente anti-palestino, justificava cada vez mais que os ataques fossem feitos. Agora, na minha avaliação, não foi o governo de Netanyahu que produziu esse ataque. Houve a utilização dessas perspectivas concretas do governo para justificar que fossem feitos nesse momento. O ataque tem muito pouco a ver com a questão Palestina e sim com a questão geopolítica, com uma tentativa do Hamas de se consolidar como alternativa forte dentro desse cenário.
Qual é o risco real dos dois países entrarem no maior conflito que já houve entre ambos desde a fundação de Israel?
Hoje, eu não acho possível que esse que esse conflito se transforme em um conflito de alta, de alto envolvimento com países. O governo está em uma situação terrível com uma carnificina produzida no seu território e com centenas de pessoas reféns. Então fico imaginando, como é que você pode ter uma intervenção terrestre em casa com reféns e quase mil mortos. Será que Bibi [apelido de Netanyahu], que está muito enfraquecido e muito sem legitimidade, vai assumir o risco de fazer uma invasão? Será que ele vai assumir o risco de produzir mais mortes e a morte de reféns dentro da Palestina? Eu acho pouco provável agora, se, efetivamente, Bibi ignorar tudo isso e produzir uma invasão por terra, me parece que há possibilidade concreta do Hezbollah, que é próximo do Irã entrar pelo norte fazendo uma guerra em duas frentes. Não acho possível que o Irã entre nesse momento na guerra. Eu acho que o Irã vai utilizar seus aliados próximos para isso.
Quais seriam os próximos passos adotados por ambos os países diante da oficialização de guerra de Israel contra o Hamas?
Imagino que vá continuar havendo enfrentamento por ar com bombardeios de foguetes do Hamas contra Israel e vice-versa. Israel vice uma situação inédita, que não tem desde 1973, e um governo sem legitimidade de extrema-direita, polarizado, com pouco apoio. O que devem tentar buscar, por incrível que pareça, é uma saída diplomática ou que vai produzir a queda de Bibi Netanyahu por conta dos reféns que estão dentro da Palestina. Imagine a situação de um governo que prometeu a destruição do Hamas, mas que não vai poder cumprir por conta da existência de uma quantidade que ainda não se sabe de reféns, entre eles mulheres, crianças e oficiais do exército.