A primeira vez que ouvi falar em abuso de autoridade foi quando, ainda menino, o porteiro do prédio em que morávamos me ameaçou com uns cascudos se eu continuasse a bater bola no muro.
Meu pai tinha onze filhos e vivíamos em um conjunto residencial do IAPC, no Irajá, subúrbio do Rio de Janeiro. Corri para casa para não ser agredido, e meu pai, então síndico do prédio, desceu para falar com a autoridade a ele subordinada; disse-lhe que ninguém poderia bater em filho dele e que o fato não se repetisse.
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No decorrer das minhas muitas décadas de vida, assisti inúmeras vezes os abusos de pequenas autoridades apelidadas de “guarda da esquina”. Algumas vezes interferia para que o abuso não chegasse à agressão física, e acabava também sendo alvo da ira do agressor.
É público e notório, no dia a dia dos advogados, a violação das prerrogativas dos imprescindíveis participantes da Justiça ao serem admoestados nos corredores e em audiências nos tribunais por seguranças e, até mesmo, por funcionários do Poder Judiciário. Quando é perpetrada a ilegalidade, a OAB se manifesta e aplica desagravo publicamente.
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O povo conhece bem os abusos que sofre diariamente e com pouca possibilidade de ter os seus direitos de cidadão respeitados e assegurados pela Constituição Federal. Nas ruas, no trabalho, nos locais de entretenimento, não há um dia que não se assista agressões, prisões e condenações que mantêm, atrás das grades, pessoas acusadas de algum delito e que ficam sem julgamento por anos.
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A constatação é óbvia. É só observar que, quando há rebeliões em presídios, o que se vê é que a maioria dos detentos é formada por jovens negros e pobres em prisão preventiva sem assistência jurídica e sem qualquer atenção do poder constituído, em claro abuso de autoridade. Quem os salvará da desgraça da prisão e da reintegração social?
Nesta semana, a Câmara dos Deputados aprovou, em votação simbólica, a “Lei do Abuso de Autoridade” que teve origem na época da ditadura em 1965. A discussão sobre a matéria, de autoria do senador Randolfe Rodrigues, dormitava nas comissões desde 2017 e, segundo o senador, buscava aprimorar a legislação sobre o assunto.
O texto aprovado pelo Senado Federal e pela Câmara dos Deputados seguiu para a Presidência da República que poderá vetá-lo total ou parcialmente.
E o que de estranho há na lei aprovada? Uma série de artigos com fundamentação subjetiva e voltada para, em geral, amordaçar a ação policial, do Ministério Público e do Poder Judiciário.
Na área de segurança pública quem comanda a ação é policial. Ele é quem conhece os meandros do crime e só ele pode avaliar o uso da força necessária ao cumprimento da lei.
Que há abusos ninguém desconhece; no entanto, é dever do superior hierárquico indicar a forma de agir em cada situação e punir os excessos, como aconteceu na prisão do ex-presidente Michel Temer, abordado em via pública em evidente abuso de quem determinou a ação policial. É também, o caso do ex-governador do Rio de Janeiro que, sem oferecer grandes riscos, teve as mãos e os pés algemados em evidente abuso da autoridade policial.
A lei atingirá o Ministério Público que ficará sujeito a avaliações subjetivas, correndo o risco de seus membros responderem a processos criminais em suas atividades de repressão ao crime organizado. Os corruptos que estão próximo de serem descobertos agem nos bastidores para que a “Lava Jato” seja interrompida.
Desde o início da operação que desmontou a organização criminosa, sabia-se que logo surgiriam leis destinadas a acabar com a limpeza da corrupção institucionalizada. Foi assim na operação “Mãos Limpas”, na Itália, onde legislação e atentados a autoridades intimidaram a polícia, o Ministério Público e o Poder Judiciário.
Pode ser que o presidente Bolsonaro vete pontos da lei; afinal, é dele a promessa de manter o combate ao crime e à corrupção. O povo que o elegeu espera, assustado, que, pelo menos no cotidiano, se sinta mais seguro.
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