Muita gente vem se indignando pelo fato de Bolsonaro ainda não ter sido preso. Até porque é fácil dizer que ele já devia estar preso. E devia mesmo. O problema é que, no caso dele, a prisão é muito mais complicada do que as dos demais envolvidos na trama golpista identificada pela Polícia Federal. Situação bem diferente da prisão imposta ao presidente Lula em 2018. Vejamos.
As explicações para Bolsonaro ter escapado da prisão até agora são, em primeiro lugar, de natureza jurídica. A prisão se justificaria, por exemplo, se ele, por algum gesto ou postagem, pusesse em risco o andamento do processo que, aliás, ainda nem foi aberto. O que se tem até aqui é um relatório da Polícia Federal com detalhes do plano sinistro que envolveria até o assassinato do presidente Lula e do vice Alckmin recém-eleitos, além do ministro Alexandre de Moraes, então presidente do TSE, para a “entronização” de Bolsonaro na presidência da República. Na marra. Na condição de ditador.
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O relatório é tão consistente em relação aos outros 36 indiciados que a possibilidade de interferência deles para brecar o prosseguimento da ação justificou algumas prisões. Mas o relatório da PF agora é que foi encaminhado ao procurador-geral da República, Paulo Gonet, que só deve exarar seu parecer com pedido de abertura de processo lá pra janeiro, e olhe lá.
Alguns analistas lembram que Bolsonaro chegou perto de ser preso quando se escondeu numa embaixada algum tempo atrás. Mas, se der algum indicativo de fuga das malhas da justiça brasileira, aí sim, a prisão se justifica plenamente. O que ainda não ocorreu. Nem há indícios de que isso possa acontecer. Portanto, a prisão ainda não tem motivação para ser determinada. Agora, como lembra o advogado Renato Vieira, sócio do Kehdi Vieira Advogados, “se ele der indicativos de fuga da Justiça brasileira, coação de testemunhas, desaparecimento de provas ou se o delator noticiar que Bolsonaro o está ameaçando, ele pode ser preso, como qualquer pessoa em qualquer processo”.
No caso da prisão de Lula em 2018 a situação foi bem diferente. Mesmo excluindo as intenções oportunistas do ex-juiz Sérgio Moro – que as revelou abertamente ao aceitar ser ministro da justiça no governo Bolsonaro (o maior beneficiário da prisão de Lula), a situação é outra. Lula chegou a ser condenado em dois processos na Lava Jato. E por causa delas ficou 580 dias preso e teve a candidatura barrada naquelas eleições. Voltaria na condição de inocentado em 2021, depois que o Supremo Tribunal Federal anulou as condenações, baseado no entendimento de que Sérgio Moro havia sido parcial, fato que até os paralelepípedos da rua ali em frente sabem muito bem. E que essa parcialidade comprometeu o direito de Lula a um julgamento justo. Além do fato de que os processos contra Lula teriam sido abertos na jurisdição errada. “A imparcialidade do juízo é um pressuposto básico e irrenunciável de tudo que se faz num processo. E foi essa imparcialidade que foi derrubada. (…) e o envolvimento político do juiz Moro acabaram tornando essa narrativa quase que indissociável de tudo que aconteceu”, afirma a professora da FGV-Rio e procuradora regional da República Silvana Batini”, em entrevista concedida ao Uol.
Lula foi condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. No caso do tríplex do Guarujá, Moro entendeu que o ex-presidente recebeu o imóvel de uma empreiteira, o que caracteriza corrupção. Na segunda, Lula teria sido o beneficiário de obras num sítio que ele frequentava em Atibaia, interior paulista. Condenado em segunda instância no caso do tríplex, Lula terminou se entregando à Superintendência da PF em Curitiba, onde cumpriu a prisão.
No caso de Bolsonaro o quadro é outro. Existe um componente mais pesado para justificar o fato de ele ainda não ter sido preso. No caso de Lula, os magistrados sabiam perfeitamente que seus apoiadores, mesmo os mais radicais da esquerda, guardam respeito às determinações judiciais. Tanto que o máximo que fizeram foi uma vigília em frente à prisão onde o então ex-presidente cumpriu pena. Já no caso de Bolsonaro, a conversa é bem diferente. Seus apoiadores, desde o tempo em que foi presidente, passando pela tentativa de invasão da sede da Polícia Federal em 2022, pelo abortamento da tentativa de explodir o aeroporto de Brasília no mesmo ano, chegando à depredação das sedes dos Três Poderes no fatídico 8 de janeiro de 2023 até a tentativa de assassinato contra o ministro Alexandre de Moraes pelo homem-bomba que se auto explodiu nas proximidades do STF e, por último, com a descoberta da trama golpista em curso, as autoridades preferem, por enquanto, pôr as barbas de molho.
Claro que a vontade geral é a de ver Bolsonaro pagando um xilindró, até mesmo para que pague por toda sorte de atrocidades que cometeu antes, durante e depois de seu mandato. Mas a prudência recomenda o máximo cuidado porque já ficou bem claro que seus apoiadores – com realce para o segmento militar que o aclama, mesmo sabendo que ele deixou as Forças Armadas pela porta dos fundos – são capazes de tudo, tudo mesmo, inclusive assassinatos a bala ou por envenenamento, como as investigações da PF comprovaram. Mas, se sobram provas contra os militares que cumprem prisão preventiva, contra Bolsonaro o que há mesmo são indícios fortes, além de depoimentos como o do ex-ajudante de ordens Mauro Cid que o incriminam. Mas não a ponto de justificarem uma ordem de prisão. Ainda não apareceu a própria digital dele. O que existe são indícios fortes. E é claro que a possibilidade de um levante popular de bolsonaristas ensandecidos está no radar das autoridades diretamente envolvidas. Ninguém é bobo de imaginar que basta mandar prender Bolsonaro que está tudo resolvido e a nação democrata terá lavado a honra.
As consequências, como bem ensinava o conselheiro Acácio, sempre vêm depois. Portanto, devagar com o andor. A hora certa chegará. E, ao que tudo indica, essa prisão não é pra já. Na dúvida, as digníssimas autoridades preferem, por enquanto, reter o passaporte do golpista-mor para que ele não fuja do país.
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