Dois repórteres da revista Veja foram detidos pela Polícia Militar enquanto investigavam a morte de Adriano de Nóbrega, o miliciano ligado a Flávio Bolsonaro que foi executado durante uma operação policial na Bahia. A revista publicou ontem uma matéria especial com as fotos da perícia do corpo de Adriano, as imagens, segundo dois médicos legistas ouvidos pela Veja, deixam em dúvida a versão da polícia de que teria havido troca de tiros.
> Fotos fortalecem suspeita de queima de arquivo de miliciano ligado a Flávio Bolsonaro
Segundo publicou a revista em seu site, o repórter Hugo Marques e o repórter fotográfico Cristiano Mariz, estavam nesta sexta-feira (14) tentando localizar o fazendeiro Leandro Abreu Guimarães, que é o fazendeiro que abrigou Adriano e foi uma das últimas pessoas a vê-lo com vida. Enquanto procuravam a testemunha, duas viaturas da Polícia Militar da Bahia cercaram o veículo em que estavam e com armas em punho, os policiais deram ordem para que eles descessem do carro.
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Mesmo após se identificarem e exibirem os crachás de imprensa, os jornalistas foram obrigados a saírem do carro e foram revistados. Um dos policiais perguntou diversas vezes aos jornalistas como eles tinham descoberto o endereço da testemunha. Os policiais apreenderam o gravador que continha áudios de diversas entrevistas sobre a operação que matou Adriano..
Mesmo após fazer a revista e identificar os profissionais de imprensa, a polícia os ordenou que seguissem as viaturas até a delegacia. Chegando lá, os repórteres voltaram a ser questionados sobre o motivo de estarem na cidade.
O gravador foi devolvido e os jornalistas foram obrigados a ficarem mais 20 minutos dentro da delegacia, até que foram liberados. Ainda segundo a matéria da revista Veja, a polícia argumentou que os jornalistas foram levados até a delegacia por estarem “parados em frente à residência de uma testemunha desse caso aí”.
PublicidadeO que é “esse caso aí”
A revista Veja obteve as imagens de autópsia do corpo de Adriano de Nóbrega e levou até o médico legista Malthus Fonseca Galvão, professor da Universidade de Brasília (UnB) e ex-diretor do Instituto Médico Legal do Distrito Federal. “Pode ter sido uma troca de tiros? Pode. Pode ter sido uma execução? Pode. Qual é o mais provável? Com esse disparo tão próximo, o mais provável é que tenha sido uma execução”, disse o médico a revista.
A reportagem questiona se foi troca de tiros ou queima de arquivo. “Participaram cerca de setenta homens equipados com fuzis, carabinas, pistolas, revólveres, espingardas, bombas de gás, drones, coletes e escudos à prova de bala — aparato que conseguiu cercar o ex-capitão em seu esconderijo, sozinho, seminu, supostamente armado apenas com uma pistola e, ainda assim, foi incapaz de prendê-lo. Incompetência ou queima de arquivo?”, questiona a revista.
No corpo de Adriano foram encontradas marcas vermelhas próximas da região do peito que indicariam um tiro a curta distância. “O que é a curta distância? Depende da arma e da munição. Seriam 40 centímetros, no máximo, imaginando um revólver ou uma pistola. Mais que isso, não”, disse o médico legista à Veja.
O médico levantou a possibilidade de o tiro no pescoço de Adriano ter sido um tiro “confere”, que é o chamado tiro de misericórdia.
Uma das fotos demonstram uma marca cilíndrica vermelha no peito de Adriano, segundo o professor, a marca vermelha seria uma reação química, o que demonstra que ele ainda estava vivo no momento em que o cano da arma de grosso calibre encostou em seu peito com força.
O corpo de Adriano Nóbrega está ainda com uma marca na cabeça, que segundo o legista é o provável resultado de uma coronhada. Segundo a reportagem, “pessoas próximas a Adriano da Nóbrega dizem que ele foi torturado”.
A reportagem da Veja procurou outro médico legista que pediu para não ser identificado, que reforçou as suspeitas levantadas por Malthus Fonseca.
Miliciano e Bolsonaro pai e filho
O senador Flávio Bolsonaro (sem partido – RJ) se manifestou pela primeira vez sobre a morte do ex-policial militar Adriano da Nóbrega que foi encontrado morto no último domingo (9). O senador escreveu, em sua conta do Twitter, que recebeu na tarde de hoje (12) informações de que há pessoas “acelerando” a cremação do corpo de Nóbrega para “sumir com evidências de que ele foi brutalmente assassinado”. Ele ainda pede para que as autoridades”elucidem” o que “de fato” ocorreu.
O ex-policial militar é suspeito de participar de um grupo de assassinos por aluguel no estado do Rio de Janeiro e é citado na investigação que apura o acúmulo de salários quando Flávio Bolsonaro era deputado estadual.
O Ministério Público também afirma que as contas bancárias de Adriano foram usadas em favor de Fabrício Queiroz, que era assessor de Flávio e amigo do presidente Bolsonaro. Na investigação sobre o esquema de rachadinha no gabinete do filho do presidente, Adriano aparece em uma ligação discutindo a exoneração da mulher, Danielle de Nóbrega.
Nóbrega é investigado por participar do assassinato da vereadora Marielle Franco (Psol-RJ) e estava foragido há mais de um ano.
O presidente Jair Bolsonaro defendeu acusações contra Nóbrega em discurso na Câmara quando era deputado federal em 2005. “Um dos coronéis mais antigos do Rio de Janeiro compareceu fardado, ao lado da Promotoria, e disse o que quis e o que não quis contra o tenente [Adriano], acusando-o de tudo que foi possível, esquecendo-se até do fato de ele [Adriano] sempre ter sido um brilhante oficial e, se não me engano, o primeiro da Academia da Polícia Militar”, afirmou o então deputado segundo notas taquigráficas Câmara.
O miliciano também foi homenageado em 2005 pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. O então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro o agraciou com a medalha Tiradentes, mais alta honraria do Legislativo estadual.
Decisão da Justiça
A Justiça do Rio (TJRJ) negou o pedido de cremação feito pela mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, e por duas irmãs dele, Daniela e Tatiana Magalhães da Nóbrega. De acordo com a decisão da juíza Maria Izabel Pena Pieranti, a morte de Nóbrega não se deu por causas naturais e, por isso, caso autorizasse a cremação poderia acabar inviabilizando a possibilidade de realização de futuros exames pelas autoridades policiais, capazes de “elucidar a ocorrência”. Na decisão, a Juíza também cita que no pedido não consta a cópia da Guia de Remoção de Cadáver e nem do Registro de Ocorrência.