Mais de 50 entidades da sociedade civil assinaram uma carta pública ao Supremo Tribunal Federal criticando a redução do prazo para tramitação de medidas provisórias enquanto durar o estado de calamidade pública decretado em decorrência da pandemia de covid-19.
Pelas novas regras, a tramitação que antes era de até 120 dias passa para 16 dias. Nesse período, também será dispensada a primeira etapa de tramitação de uma MP no Congresso: a votação por uma comissão mista, formada por deputados e senadores.
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Na carta, promovida pelo grupo Pacto pela Democracia, argumenta-se que “toda e qualquer alteração nos processos que alicerçam a construção cotidiana da democracia brasileira deve garantir a viabilidade da participação da sociedade, conforme prevê a Constituição Federal”
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“O momento é, de fato, singular, porém, a possibilidade de interlocução e incidência da sociedade civil no processo legislativo – sobretudo em tempos de fragilidades – é uma exigência que não pode ser relevada. A participação social e a pluralidade são fundamentais ao regime democrático e não podem ser comprometidas sob pretexto algum”, sustentam os signatários.
Entre as entidades que apoiam o texto estão a Associação Brasileira de Imprensa, Greenpeace Brasil, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, Instituto Vladimir Herzog, Movimento Agora! e Transparência Brasil.
Leia a íntegra da carta:
Senhoras e senhores,
As entidades da sociedade civil abaixo subscritas receberam com significativa preocupação as alterações do rito legislativo das medidas provisórias durante o período em que vigora o estado de calamidade pública no Brasil em razão da pandemia de COVID-19, decretado até 31 de dezembro de 2020. Por meio da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 663, o Presidente da República ousou pedir ao Supremo Tribunal Federal suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, ação flagrantemente inconstitucional que, na prática, se atendida, significaria a revogação do princípio da separação dos Poderes da República e a retomada de uma herança amarga do regime ditatorial brasileiro, o decreto-lei. A resposta dada pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal a partir do Ato Conjunto nº 1 de 2020 (publicado a partir da decisão monocrática proferida na ADPF 663), ainda que valiosa, se mostrou insuficiente por ignorar o caráter fundamental da participação social no processo legislativo dentro de uma sociedade verdadeiramente democrática.
Compreendemos plenamente a excepcionalidade do momento e a premência em garantir celeridade e efetividade aos processos de tomada de decisão de todos os Poderes da República no combate à pandemia e suas graves consequências para o país. Entretanto, temos convicção de que toda e qualquer alteração nos processos que alicerçam a construção cotidiana da democracia brasileira deva garantir a viabilidade da participação da sociedade, conforme prevê a Constituição Federal. O momento é, de fato, singular, porém, a possibilidade de interlocução e incidência da sociedade civil no processo legislativo – sobretudo em tempos de fragilidades – é uma exigência que não pode ser relevada. A participação social e a pluralidade são fundamentais ao regime democrático e não podem ser comprometidas sob pretexto algum.
Conforme já demonstrado pela Câmara do Deputados e pelo Senado Federal, que prontamente criaram mecanismos que possibilitam o exame das medidas provisórias em novo rito, em vista da situação de emergência surgida com a pandemia do coronavírus, reiteramos não haver necessidade de suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, como pretendido pelo Senhor Presidente da República. Assim, as entidades signatárias entendem que deve ser mantido o indeferimento do pedido de suspensão do prazo de tramitação das medidas provisórias, feito pela União Federal.
Todavia, também avaliamos que, embora garanta o exercício legislativo por meio da tramitação remota, o rito proposto pelas Mesas da Câmara e do Senado carece de revisões e aperfeiçoamentos fundamentais. Isso porque há a supressão da análise das matérias por meio de Comissão Mista, espaço garantido pelo Artigo 62, parágrafo 9 da Constituição Federal e primordial para interlocução junto à sociedade, o que inclui a academia, especialistas, organizações da sociedade civil e todos aqueles que tenham interesse em debater e contribuir na construção e no processo legislativo.
Preocupa-nos também que o novo rito impôs prazos muito exíguos para apreciação das MPs, tornando infactível que a população disponha de tempo razoável e oportunidade para o adequado exame, discussão, e eventual apresentação de subsídios para aprimoramento do texto original por meio de emendas. Ou seja, na prática, a eliminação desse espaço de debate e deliberação propostos pelo Congresso Nacional inviabiliza a participação da sociedade civil no processo legislativo, tornando-o insuficiente sob as perspectivas democrática e constitucional.
A tramitação na Comissão Mista pode – e deve – ser adequada à necessidade de deliberação remota conforme as soluções tecnológicas já adotadas pelas Casas e os prazos podem ser ajustados excepcionalmente a fim de garantir a celeridade necessária diante da realidade de pandemia no Brasil.
Considerando que a matéria será objeto de deliberação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, as entidades signatárias vêm apresentar suas preocupações:
Com a chancela da atual liminar pela eliminação, por um ato do Poder Legislativo, de um dispositivo constitucional – a Comissão Mista – sob o entendimento de que o rito estabelecido para exame das medidas provisórias viola importante pilar da democracia, a participação social;
Com a importância da garantia constitucional de que o Poder Legislativo seguirá exercendo seu papel de controle político de atos do Poder Executivo, bem como sua prerrogativa de formulação de leis e ampla análise daquelas propostas pela presidência da República.
Dessa maneira, solicitamos que, de um lado, as Mesas Diretoras do Senado Federal e da Câmara dos Deputados façam as adaptações necessárias no rito já posto em prática para exame e deliberação das medidas provisórias, de acordo com o acima exposto. E que o Supremo Tribunal Federal, ao examinar a matéria, junto com o indeferimento dos pedidos formulados pela União Federal, garanta que a solução a ser dada ao caso assegure a ampla participação da sociedade civil no processo legislativo, como preconiza a Constituição Federal brasileira.
Respeitosamente,
15 de abril de 2020
Assinam:
ABI – Associação Brasileira de Imprensa
Ação Educativa
ACT Promoção da Saúde
Agenda Pública
Associação da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo
BrCidades
CENPEC Educação
Centro de Direitos Humanos e Cidadania do Imigrante
Coalizão Direitos na Rede
Conectas Direitos Humanos
Delibera Brasil
Departamento Jurídico XI de Agosto
Educafro – Educação e cidadania de afrodescendente e carentes
Frente Favela Brasil
Fundação Avina
Fundação Tide Setubal
GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra
GESTOS – Soropositividade, Comunicação e Gênero
Goianas na Urna
Greenpeace Brasil
Hivos – Instituto Humanista para Cooperação e Desenvolvimento
Iniciativa Negra Por Uma Nova Política sobre Drogas
inPACTO – Instituto Pacto Nacional pela Erradicação do Trabalho Escravo
Instituto Akatu
Instituto Alana
Instituto Alziras
Instituto Beta: Internet & Democracia
Instituto Clima e Sociedade
Idec – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor
IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa
Instituto de Estudos Socioeconômicos
Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social
IGA – Instituto de Governo Aberto
Instituto Nossa Ilhéus
Instituto Physis – Cultura & Ambiente
Instituto Pólis
Instituto Sou da Paz
Instituto Update
Instituto Vladimir Herzog
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Movimento Agora!
Oxfam Brasil
Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema Político
ponteAponte
Projeto Saúde e Alegria
Rede Conhecimento Social
Rede Feminista de Juristas
REDE GTA
Rede Nossa São Paulo
Transparência Brasil
Transparência Capixaba
UNEafro Brasil
WWF Brasil
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