A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep), ligada ao Ministério da Saúde, acionou nesta quarta-feira (8) o Ministério Público Federal (MPF) contra uma pesquisa de tratamento contra a covid-19 com indícios de irregularidades em sua condução, entre eles o fato de que não houve consentimento dos participantes. O experimento, realizado em Porto Alegre, envolveu o remédio Proxalutamida, um dos comprimidos cujo uso não tem comprovação científica no combate ao coronavírus – mas que passou a ser o aventado como “milgaroso” por parte dos apoiadores do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo o Conep, que é responsável por avaliar o andamento destes testes, houve alto número de mortes – que teriam sido, no entanto, maquiados pelo autor da pesquisa. “. Inicialmente, o pesquisador reportou a ocorrência de 170 óbitos, em sua maior parte no grupo controle. Posteriormente, em uma segunda versão, reportou-se como dado correto a ocorrência de 178 óbitos”, enumera o Conep na denúncia. “Ocorre que, em uma terceira versão, reportou-se que houve, na verdade, a ocorrência de 200 EAG [eventos adversos graves], com desfecho morte ocorridos durante a condução do estudo.”
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Veja a íntegra da denúncia:
Seriam ao menos sete irregularidades, segundo o Conep: a pesquisa não apresentou os termos de consentimento; não houve treinamento da equipe em boas práticas clínicas; não houve delegação de estudo; não houve descrição detalhada do ciclo de dispensação do medicamento experimental; os documentos do comitê de monitoramento de dados estariam inconsistentes; o teste aconteceu ao mesmo tempo que um processo analisava sua nulidade.
O estudo foi conduzido por um endocrinologista, Flávio Adsuara Cadegiani. Ele apresentou o estudo “The Proxa-Rescue AndroCoV Trial”, com a Proxalutamida, em janeiro de 2021. Em abril, ele pediu que o estudo fosse aumentado, dobrando o número de participantes de 294 para 588. O pedido de aumento foi negado pelo Conep mas, apesar disso, um documento onde os médicos apresentam os resultados da pesquisa indicam “mais de 600” participantes.
Segundo o Conep, a falta de transparência nos dados da pesquisa tornam difícil até mesmo associar o alto número de óbitos ao uso do remédio. Em 26 de agosto, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) advertiu que não havia autorização nenhuma aos testes. “A gravidade da pandemia de covid-19 não justifica transgredir os princípios éticos da pesquisa, sendo mandatório respeitar os participantes de pesquisa em sua dignidade e vulnerabilidade. Não há qualquer argumento plausível e justificável para que o ser humano seja tomado por cobaia em nome de necessidade sanitária ou da Ciência”, escreveu o CNS na ocasião.
PublicidadeIsso não impediu que o senador Luis Carlos Heinze (PP-RS), que compõe a base governista de Jair Bolsonaro na CPI da Covid, exaltasse o medicamento e o autor da pesquisa, que atuou junto a médicos norte-americanos. “Este médico tem sofrido perseguições de cunho político e ideológico. Várias agências regulatórias e comitês têm questionado seus trabalhos, enquanto, em outros países, esse medicamento obtém registros e patentes para uso ao combate ao covid-19”, disse o senador sobre Flávio Cadegiani, em reunião no dia 1 º de setembro, quando se ouviu o motoboy Ivanildo Gonçalves da Silva.
O Congresso em Foco buscou o dr. Flávio Cadegiani e sua defesa. Sua assessoria de imprensa indicou que havia sim a autorização do Conep para a pesquisa, e que o projeto ficou plenamente autorizado para execução, “nos termos do inciso 10 do item X da Resolução CNS 466/2012: ‘consideram-se autorizados para execução os projetos aprovados pelos CEP, ou pela Conep, nas hipóteses em que atua originariamente como CEP ou no exercício de suas competências.”
“A pesquisa foi aprovada para ser realizada com pacientes acometidos de covid–19, hospitalizados, em centros de pesquisas, ou seja, em hospitais, no Brasil, mas não especificados, não havendo no Parecer nenhuma condicionante, nem qualquer exigência de registro, nem de nova autorização para a realização da pesquisa em qualquer hospital”, escreveu sua assessoria.
Apesar de ressaltar que Flávio não teria vínculo nenhum com partidos políticos e seria movido “pela ciência”, a assessoria do médico ainda buscou insinuar que Jorge Venâncio, coordenador do Conep, teria interesses escusos com a não aprovação do uso do medicamento.
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