Assista à íntegra da live:
São remotas as chances de o ex-presidente Jair Bolsonaro obter sucesso e reverter a inelegibilidade que lhe foi imposta em julgamento histórico pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) na semana passada. Essa é a avaliação de dois importantes especialistas em direito eleitoral, o ex-ministro substituto do TSE Joelson Dias e o advogado e ex-juiz eleitoral Márlon Reis, idealizador da Lei da Ficha Limpa.
Em entrevista ao Congresso em Foco na live “Bolsonaro Inelegível. E agora?”, nesta segunda-feira (3), os dois classificaram como justo o julgamento que levou à inelegibilidade do ex-presidente por oito anos. Para eles, há pouco espaço para a defesa derrubar os argumentos que embasaram a decisão, seja no TSE, onde devem ser apresentados os primeiros recursos, seja no Supremo Tribunal Federal (STF), para onde devem ser levadas as últimas tentativas. As discussões foram mediadas pelo diretor de redação do Congresso em Foco, Edson Sardinha, e pelo repórter do site Caio Luiz (assista à íntegra no vídeo acima).
Leia também
“Facada nas costas”
Questionado sobre o termo utilizado por Bolsonaro para se referir à decisão do TSE – “facada nas costas” -, Joelson Dias lembrou que é natural que a parte derrotada saia insatisfeita de um julgamento, mas descartou haver motivos para qualquer crítica à forma com que o processo, nesse caso, foi conduzido pelo tribunal.
Publicidade“É muito natural a insurgência, mas o julgamento foi justo, ainda que haja quem não concorde com o resultado”, afirmou.
Para Márlon Reis, Jair Bolsonaro “joga para a plateia” ao comparar a decisão do TSE pela inelegibilidade com a facada que levou na barriga em Juiz de Fora (MG), durante a campanha de 2018. “Quando ele fala em facada, é uma alusão à traição, o que não houve porque o TSE foi totalmente isento. O que houve foi aplicação da lei. Se alguém deu alguma facada nas costas de Jair Bolsonaro foi a coordenação de campanha dele, que ignorou as orientações dadas pelo TSE”, afirmou.
Recursos
Márlon e Joelson consideram “remotas” as possibilidades de reversão da inelegibilidade de Bolsonaro na Justiça.
“Será muito natural um primeiro recurso junto ao Tribunal Superior Eleitoral, com algumas questões pontuais, mas claro, se prevalecer a tradição, é muito natural que a defesa leve o julgamento ao Supremo Tribunal Federal, que tem a última palavra”, afirmou Joelson Dias.
A inclusão da minuta do golpe no processo, alvo de contestação por parte da defesa de Bolsonaro, também foi tratada pelos especialistas na live. Segundo Márlon Reis, o argumento será utilizado pela defesa na apresentação dos recursos. Para ele, no entanto, o questionamento é improcedente, porque não teve papel central no julgamento, e, por isso, não deve prosperar.
“A minuta não serviu de base para a decretação da inelegibilidade. O que serviu de base foi o conteúdo da reunião, o uso do aparato governamental, a disseminação de notícias falsas de fatos ilícitos, ilegais, isso tudo junto serviu para sustentar a inelegibilidade”, afirmou Márlon Reis.
Diversidade derruba elegibilidade
Os especialistas também fizeram uma análise da postura da ministra Cármen Lúcia, responsável pelo voto que garantiu a maioria para a inelegibilidade de Jair Bolsonaro. “Simbolicamente, de forma muito administrativa, a diversidade derrubou a legibilidade de Bolsonaro”, analisou Márlon Reis. Ele lembrou que o relator do processo, Benedito Gonçalves, é negro e coube a Cármen Lúcia formar maioria pela inelegibilidade. Mulheres e negros foram alvos de declarações discriminatórias de Bolsonaro durante o seu governo.
Outro tema tratado pelos entrevistados foi a absolvição do candidato à vice de Bolsonaro, Braga Netto. Para Joelson Dias, o TSE se manteve nos exatos limites da sua competência institucional. Segundo ele, era necessário que Braga Netto compusesse a ação no polo passivo. Mas, para a inelegibilidade propriamente dita, era necessária a análise individualizada, o que ocorreu. De forma unânime, os ministros entenderam que Braga Netto não teve participação no episódio analisado e, por isso, não deveria ser punido. O general, no entanto, corroborou, seja em omissão, seja em ação, ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral.
“Foi isso que o TSE não constatou, e por isso houve o afastamento de qualquer condenação do candidato a vice na chapa da Presidente da República”, disse Joelson Dias.
Problemas no caminho
Bolsonaro ainda responde a 15 ações no TSE e a mais de uma centena de processos no Supremo Tribunal Federal e outras instâncias da Justiça. Para Márlon, o relatório do ministro Benedito Gonçalves, que será encaminhado a outros órgão jurídicos, como o Tribunal de Contas da União, poderá resultar em outras condenações. “E aí nós poderemos ter outra inelegibilidade”, afirmou ele.
“Eu não teria razão para ser otimista se fosse alguém que atua do lado do presidente. É altíssima a probabilidade de que não sejam apenas oito anos [de inelegibilidade], de modo algum”, afirmou Márlon Reis.
De acordo com o ex-juiz, há ações mais imediatas contra Jair Bolsonaro que ainda aguardam desfechos e que podem resultar em uma condenação criminal e possível prisão do ex-presidente. “Haverá um nível de risco alto no mundo criminal contra o ex-presidente, e com a Lei da Ficha Limpa, tudo que acontece contra os administradores acaba resultando em uma nova inelegibilidade”, afirmou Márlon Reis.
“Vitimização”
Joelson Dias salientou a necessidade de que os sistemas se mantenham firmes, a fim de evitar uma “vitimização de Bolsonaro”, que pode ser usada pela sua defesa caso haja excessos nos julgamentos.
“Se comprovada a sua culpa, que sejam aplicadas as devidas sanções, mas que isso possa transcorrer dentro da normalidade, sem que qualquer das Cortes ultrapasse sua competência e sem nenhum tipo de ativismo”, defendeu Joelson Dias.
Os especialistas falaram sobre a diferença entre inelegibilidade e perda de direitos políticos, uma das questões que muitos leitores questionaram durante a semana. Márlon Reis explicou que a inelegibilidade inibe a possibilidade de alguém obter o registro da candidatura. “Ela é uma condição jurídica negativa que impede a apresentação de uma candidatura”. Já a perda dos direitos políticos atinge o “vínculo da cidadania”. “A perda dos direitos políticos atinge até a capacidade eleitoral ativa, o que faz que não se possa atuar nem mesmo como eleitor, não se possa votar”, explicou.