Associações de docentes de universidades estaduais e federais em diversos estados denunciam uma série de ações da Polícia Federal, algumas delas realizadas nessa quinta-feira (25), para coibir supostas infrações à legislação eleitoral a três dias da votação de segundo turno, no próximo domingo (28). A reportagem reuniu fotos, manifestos, notas e mandados judiciais apresentados por agentes federais nas instituições de ensino, a maioria com o objetivo de recolher materiais considerados indevidos em período de eleições e de proibir aulas públicas e manifestações no ambiente acadêmico.
Em cumprimento às determinações da Justiça Eleitoral, o objetivo da corporação seria recolher panfletos, manifestos e outros materiais confeccionados pela comunidade acadêmica, que reclama de ameaça à liberdade de expressão. O Congresso em Foco tentou contato com a assessoria da PF, por telefone e e-mail, mas não conseguiu resposta. Também atuaram nas ações policiais militares e agentes da Justiça eleitoral.
A lista atualizada na noite desta quinta-feira (25) somava 28 universidades federais e estaduais (veja lista abaixo). Associações de professores passaram a emitir notas de repúdio para denunciar supostos excessos da PF e ameaça à liberdade de expressão e manifestação.
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Em um dos mandados judiciais, o juiz eleitoral Horácio Ferreira de Melo Júnior, da 17ª Zona Eleitoral de Campina Grande (PB), determina ação policial na Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande (ADUFCG) “com vistas a busca e apreensão de panfletos intitulados MANIFESTO EM DEFESA DA DEMOCRACIA E DA UNIVERSIDADE PÚBLICA, bem como de outros materiais de campanha eleitoral em favor do candidato a Presidente da República Fernando Haddad, número 13, do PT, conforme despacho anexo”.
Já o juiz eleitoral Rubens Witzel Filho, da 18ª Zona Eleitoral de Dourados (MS), expediu ordem judicial para proibir uma palestra sobre fascismo na Universidade Federal de Grande Dourados (UFGD). A “aula pública”, como classifica o magistrado, deveria ter sido realizada às 10h de hoje (quinta, 25) e tem como tema “Esmagar o fascismo – O perigo da candidatura Bolsonaro”. Uma óbvia referência ao candidato do PSL, Jair Bolsonaro.
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“Pra quem tem dúvidas que a liberdade de expressão está já ameaçada: Polícia Federal nesse exato momento fazendo busca na Associação dos Docentes da UFCG [Universidade Federal de Campina Grande], aparentemente motivada por um panfleto que a Associação lançou no dia 18 a favor da democracia. Temos exatamente 60 horas para salvar o que resta da nossa democracia”, diz mensagem compartilhada em um grupo de docentes a que este site teve acesso na noite desta quinta-feira (25).
“Pessoal, é com muita tristeza que informo que a ADUFCG acabou de ser invadida pela Polícia Federal. Eles estão com um mandado de apreensão e busca daquele nosso manifesto em defesa da democracia e da universidade”, relata outra mensagem.
Em um fórum aberto no Facebook para discutir o assunto, um internauta fez o seguinte relato nesta noite: “A Polícia Militar e o Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro estão, neste momento, exigindo a retirada das faixas ‘Marielle Vive’ e ‘Ditadura Nunca Mais’. Nas faixas não há referências a partidos. O TRE não tem autoridade para tal”.
“Amigos da pós-graduação, peço solidariedade de vocês, porque meu irmão, Wilson Madeira Filho, diretor da Faculdade de Direito da UFF [Universidade Federal Fluminense], acaba de receber um mandado de prisão. Tudo é arbitrário: entraram na UFF dois dias atrás, tiraram uma bandeira antifascista. Ontem [quarta, 24] teve um ato, eu estava lá. Hoje [quinta, 25], quando ele foi à OAB denunciar tudo o que estava acontecendo, na volta, indo para a faculdade, soube que havia um mandado de prisão para ele”, relatou Luiza Madeira.
Na verdade, a determinação judicial expedida ontem (quinta, 25) pela juíza eleitoral Maria Aparecida da Costa Barros, do Tribunal Regional Eleitoral do Rio de Janeiro (TRE-RJ), deu prazo para a retirada de uma faixa em que se lia “Direito UFF AntiFascista”. Do contrário, Wilson deveria ser preso. Em seu perfil no Facebook, ele comentou o assunto por volta das 23h.
“Decisão judicial do TRE nesta data (25/10) entendeu ser a bandeira e os eventos promovidos na Faculdade de Direito sob a expressão Anti-Fascismo alusivas enquanto campanha negativa ao presidenciável Jair Bolsonaro. Nesse sentido, determinei a retirada da bandeira e a ausência de novas manifestações”, comunicou o diretor da UFF.
O que diz a lei
Com alcance federal, a legislação eleitoral tem sido aplicada segundo características de cada região. No caso de Dourados, por exemplo, uma denúncia foi feita por meio do aplicativo “Pardal”, desenvolvido pela Justiça Eleitoral do Mato Grosso do Sul para que eleitores fiscalizem e denunciem eventuais infrações neste período de campanha. Em resumo, o alvo são atos e eventos que se destinam a fazer propaganda partidária por meio de estrutura pública.
O denunciante argumentou que a aula pública contra Bolsonaro é conduta vedada pela legislação eleitoral nesta época. O dispositivo a que se refere a denúncia proíbe agentes públicos, servidor ou não, de usar a máquina pública administrativa a serviço de determinada candidatura – no caso, a de Fernando Haddad (PT), adversário de Bolsonaro em segundo turno.
O propósito do dispositivo legal é preservar o caráter de isonomia entre candidatos, nos termos do artigo 77, I da Resolução 23.551 do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que define punição a quem atentar contra a normalidade do processo eleitoral. A legislação também veda o uso de equipamentos e locais públicos, materiais ou serviços públicos como comitê de campanha.
Reação
Mas nada disso convence a comunidade acadêmica, que vê ação de censura nas determinações judiciais. Diversas entidades de professores estão se manifestando durante toda a quinta-feira (25). Por meio de nota, a Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) lamenta que, nas duas últimas semanas, “ao menos seis universidades federais sofreram com o cerceamento à liberdade de expressão, à liberdade de cátedra e ações arbitrárias relacionadas ao acirramento eleitoral”.
“Professores vêm sendo constrangidos por exercer a profissão e os sindicatos criminalizados. Estudantes que se manifestaram ‘contra o fascismo’ também foram retaliados. A Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB) repudia a repressão às liberdades democráticas que tem ocorrido nas universidades públicas. Na Universidade de Brasília, uma pessoa não identificada interrompeu uma aula de Antropologia sobre o conceito de fascismo, intimidando a professora, que encerrou a aula por medo de sofrer agressão física”, reclama a entidade.
Ainda segundo a associação da UnB, outro grave episódio foi registrado na Universidade do Estado do Pará (Uepa), onde um professor “foi coagido por policiais”, no próprio campus da instituição, a prestar depoimento em uma delegacia sobre o comentário que teria feito sobre fake news durante uma aula. A Associação dos Docentes da Universidade do Estado de Mato Grosso (Adunemat), por sua vez, relatou casos de assédio e ameaças sofridas por professores e alunos. “O sindicato divulgou uma nota contra as ações fascistas no espaço acadêmico”, registra a ADUnB.
Houve relatos de excessos da fiscalização eleitoral também na Associação dos Docentes da Universidade Federal de Campina Grande. “O material apresentado pela associação não tem qualquer referência a partido ou a candidato. E, além desse material, eles [agentes da PF] apreenderam HD’s da associação de docentes. O negócio é pesado”, disse a coordenadora do Instituto Soma Brasil, Karine Oliveira, ao Congresso em Foco, lembrando que ontem (25) foi o Dia Nacional da Democracia.
“Em outra situação, uma professora estava exibindo um filme para debate e recebeu a visita de três agentes da Policia Federal em sala de aula perguntando o nome dela, qual o filme etc. Está bem complicado”, acrescentou.
Também por meio de nota (íntegra abaixo), a Ordem dos Advogados do Brasil, secional Rio de Janeiro (OAB-RJ), repudiou a “tentativa de censura nas universidades”. “A manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral”, diz trecho da mensagem.
Confira a lista de universidades:
Universidade Federal de Campina Grande (UFCG)
Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD)
Universidade do Estado do Pará (Uepa)
Universidade Federal de Campina Grande (UFCC)
Universidade Federal Fluminense (UFF)
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Universidade Federal de Minas (UFMG)
Unidade Acadêmica dos Palmares (Unilab-CE)
Centro Estadual de Estatísticas, Pesquisas e Formação de Servidores Públicos do Rio de Janeiro (Cepe-RJ)
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab-Fortaleza)
Universidade do Estado da Bahia (Uneb-Serrinha)
Universidade Federal de Uberlândia (UFU)
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)
Universidade Católica de Petrópolis (UCP)
Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ-MG)
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Universidade Federal Rural do Semi-Árido (Ufersa-RN)
Universidade Federal do Amazonas (Ufam)
Universidade Federal da Fronteira Sul (UFFS-SC)
Universidade Estadual Paulista (Unesp-Bauru/SP)
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)
Instituo Federal de Brasília (IFB)
Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (UENF)
Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT)
Universidade Federal de Itajubá (MG)
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS)
Universidade Federal da Paraíba (UFPB)
Universidade do Estado da Bahia (Uneb)
Leia a nota da OAB:
NOTA DA OAB/RJ SOBRE TENTATIVA DE CENSURA NAS UNIVERSIDADES
A OAB/RJ manifesta o seu repúdio diante de recentes decisões da Justiça Eleitoral que tentam censurar a liberdade de expressão de estudantes e professores das faculdades de Direito, que, como todos os cidadãos, têm o direito constitucional de se manifestar politicamente.
A manifestação livre, não alinhada a candidatos e partidos, não pode ser confundida com propaganda eleitoral.
Quaisquer restrições nesse sentido, levadas a efeito, sobretudo, por agentes da lei, sob o manto, como anunciado, de “mandados verbais”, constituem precedentes preocupantes e perigosos para a nossa democracia, além de indevida invasão na autonomia universitária garantida por nossa Constituição.
Rio de Janeiro, 25 de outubro de 2018.
Ronaldo Cramer
Presidente em exercício da OAB/RJ
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