Representantes de seis entidades constituídas por membros da advocacia pública abriram, na noite dessa segunda-feira (9), o seminário “As instituições jurídicas e a defesa da democracia”, que vai se estender até próxima sexta-feira (13), com 23 mesas de discussão abrangendo diferentes temáticas.
O evento é organizado pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais (Anafe), que representa as quatro carreiras que compõem a AGU: procuradores da Fazenda Nacional, advogados da União, Procuradoria-Geral Federal e procuradores do Banco Central. O seminário é promovido em parceria com a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe); a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR); a Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do DF (Anape); a Associação Nacional dos Procuradores Municipais (ANPM); a Associação Nacional das Defensoras e Defensores Públicos (Anadep) e a Associação Nacional dos Defensores Públicos Federais (Anadef), além da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
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O atual contexto político, de crise institucional entre os poderes, permeou a fala de todos os representantes na mesa inicial, intitulada justamente de “Os desafios das associações”. Sob a sombra da celebração do dia do Advogado, que ocorre em 11 de Agosto, todos os representantes apontaram que, para além da missão de fortalecer a classe, é imprescindível a reafirmação do regime democrático.
“Queremos colocar essa seminário, com essa temática e os temas que circundam essa discussão no calendário nacional por conta da importância de dizer algumas coisas óbvias e outras nem tão obvias. Reiterando sempre o valor da democracia institucional.”, afirmou Dr. Lademir Rocha, presidente da Anafe, que abriu o evento e a mesa.
Todos os presentes tangenciaram o tema, abordando o debate seguindo as realidades e missões de suas instituições. Nesse contexto, Rivana Ricarte, da Anadep, avaliou que, como as associações tendem a ser espaços mais progressistas que as instituições, é necessário abraçar o desafio de diversificar o corpo destas para ampliar a democratização do poder para fazer frente à novos desafios.
Respondendo à colega posteriormente, Eduardo Kassuga, da Anadef, apontou que essa é uma autocrítica necessária a todas as associações ali presentes. “Em termos democráticos a defensoria pública representa aqueles que dificilmente tem representação nos espaços de poder. Mas quantos integrantes desses estão nas nossas fileiras?”
Um exemplo dessa mudança de paradigma veio da própria Anadep, a qual Rivana preside de forma inédita junto a outra colega mulher a associação. A experiência ajudou, segundo ela, a mostrar que democracia não é a arte do consenso. “A democracia é a arte do dissenso e da construção coletiva”.
Essa construção coletiva pode ser vista na fala do representante da ANPM, que representa os procuradores da menor entidade federativa: os municípios. Gustavo Machado trouxe à tona reavaliar a própria identidade da classe e a discussão de uma das ameaças mais recentes, simbolizada pela PEC 32. A medida propõe grandes mudanças nos regimes de contratação, estabilidade e benefícios dos servidores públicos e é vista de forma negativa por muitos especialistas.
“Ela esvazia a projeção do serviço público e vai muito além de alterar nossas prerrogativas, que poderíamos contornar a longo prazo. Ela vai no seio dos direitos fundamentais, esvaziando a projeção do serviço público” opinou Machado, comentando que durante a atual pandemia de Covid-19 pode-se observar a importância do trabalho descentralizado. Nesse sentido, para ele, o Supremo Tribunal Federal (STF), com uma decisão legítima e acertada que conferiu aos estados e municípios autonomia na gestão da crise, permitiu que a situação não ficasse ainda pior.
Na instância estadual, logo acima, a preocupação era tão presente quanto. Os procuradores estaduais foram essenciais para proteção dos direitos coletivos contra casos de corrupção, principalmente na área da saúde. O representante da Anape, Vicente Braga, disse que, com o trabalho da classe, evitou-se desvios. “Nós permitimos que o gestor democraticamente eleito possa fazer sua gestão de acordo com o que determina a legislação. O povo não elege apenas o gestor, mas suas políticas também. Tudo isso passa por uma advocacia pública fortalecida”, apontou, lembrando sempre que a independência destes para os governos. “Somos advogados de Estado, não de governo”.
Dados repassados pelo representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) expuseram esse quadro de forma quantitativa. Marcelo Terto, que substituía o presidente Felipe Santa Cruz, afirmou que foram julgados, segundo dados do Anuário da Justiça, mais de 7 mil processos relacionados à crise sanitária. “Isso chamou ainda mais o poder judiciários a interferir não nas políticas públicas, mas nos limites dos responsáveis pela execução dessas políticas”.
Essa atuação ajudou a fortalecer a tensão entre os poderes. Não à toa, os recentes atritos provocados pelo Presidente da República Jair Bolsonaro (sem partido) contra o STF e juízes das cortes superiores também foram pautados como desafios. “Muito preocupa essa nova mania – se é que se pode chamar assim – de fazer agressões pessoais a juízes em redes sociais, jornais, colunas, só porque se deu decisão contrária a seus interesses”, avalia o juiz Eduardo André de Brito, presidente da Ajufe.
“Não podemos normalizar coisas que não podem ser normalizadas”, pontuou Ubiratan Cazzeta, da ANPR, seguindo a preocupação do colega. Para o procurador, de um conjunto de entidades fracas não é possível sair um Estado de direito forte e que garanta direitos a todos, especialmente em um país com uma democracia tão jovem. “Nesse contexto eu lembro de uma fala do [então vice-presidente] Pedro Aleixo [no contexto da decretação do AI-5]: que se preocupava não com a interpretação da mais alta autoridade, mas do guarda da esquina”.
Ao fim da rodada, todos indicaram que há esperança na solidez da estrutura institucional do judiciário brasileiro, ainda que sob ameaças do que Rivana chamou de uma ação proposital de “dividir para conquistar”. Nesse sentido, a união, respeitando as diferenças, é avaliada como essencial. “A democracia começa em todos nós”, complementou o representante da Ajufe.
O presidente da Anafe, Lademir Rocha, finalizou a mesa pedindo o resgate do amor pelo que é público. “Não há cidadania e democracia possível sem serviços públicos universais que cumpram os requisitos de integralidade, equidade e universalidade”.
Você poderá acompanhar a transmissão do seminário até a próxima sexta-feira pelo Congresso em Foco ou pelo canal da TV Anafe no Youtube. A participação no evento é gratuita. Participantes receberão certificado de presença ao final do seminário.
Veja a programação de toda a semana:
9 de agosto
18h – Solenidade de Abertura, seguido pela live “Os desafios das Associações” com a presença de Lademir Rocha (Anafe); Eduardo Fernandes (Ajufe); Ubiratan Cazetta (ANPR); Vicente Braga (Anape); Gustavo Machado (ANPM); Rivana Ricarte (Anadep); Eduardo Kassuga (Anadef); Felipe Santa Cruz (OAB).
10 de agosto
9h30 – Eduardo André Brandão de Brito Fernandes – juiz federal – presidente da Ajufe: Ações Judiciais e Medidas de Isolamento Judicialização dos Decretos de Lockdown e o Princípio Federativo;
11h – Cláudia Maria Dadico – juíza federal: Criminalização da Disseminação de Fake News em Saúde
Ricardo Wey Rodrigues – advogado da União: Medicina Baseada em Evidências;
13h30 – André Carneiro Leão – defensor público: Defensoria Pública como expressão e instrumento do Regime Democrático;
14h30 – Silma Dias Ribeiro de Lavigne – defensora pública: Acesso à Saúde e Crise Sanitária
16h – Márcio Commarosano – procurador do Município: O Cliente da Advocacia Pública no Regime Republicano: Orientação Jurídico-Democrática de Autoridades;
18h – Nelson Jobim – ex-ministro da Justiça e ministro aposentado do Supremo Tribunal Federal: Sistema Eleitoral.
11 de agosto
9h – Cleso da Fonseca Filho – procurador federal: O Estado Regulador Policêntrico no Contexto da Pandemia;
10h – Gilmar Mendes – ministro do Supremo Tribunal Federal: Jurisdição Constitucional e Federalismo em tempos de pandemia;
15h – Vicente Martins Prata Braga – procurador do Estado – presidente da Anape: Advocacia Pública no Combate à Corrupção;
17h – Daniel Menezes – procurador da Fazenda Nacional – Anelize Lenzi Ruas de Almeida – procuradora da Fazenda Nacional: Equilíbrio Fiscal e Exigência de Créditos Tributários em meio à Pandemia: Transação e Pec Emergencial;
18h – Galdino José Dias Filho – procurador federal: Advocacia Pública no Estado Ditatorial e no Estado Democrático Aldemário Araújo Castro – procurador da Fazenda Nacional: Atividade Correicional sobre Manifestações Políticas.
12 de agosto
9h – Roger Raupp Rios – desembargador federal: Estado Democrático de Direito e Discurso de Ódio;
10h30 – Enrico Rodrigues de Freitas – procurador da República; Lívia Maria Santana e Sant’Anna Vaz – promotora de Justiça; Samuel Vida – advogado e professor universitário: Racismo Como Causa de Instabilidade Política;
13h30 – Domingos Sávio Dresch da Silveira – procurador da República: Liberdade de Expressão e Democracia;
15h – Ubiratan Cazetta – procurador da República – presidente da ANPR – Há Democracia Possível na Polarização?;
17h – Luiza Frischeisen – subprocuradora-geral da República: Lei Antiterrorismo e Lei de Segurança Nacional: Riscos para a Democracia.
13 de agosto
10h – Cármen Lúcia – ministra do Supremo Tribunal Federal: O controle de Fake News nas Eleições: Liberdade de Expressão em Conflito com a Democracia?;
13h30 – Rafael Bezerra Ximenes de Vasconcelos – procurador do Banco Central: Autonomia do Banco Central: Importância e Riscos;
15h30 – Silvana Batini César Góes – procuradora regional da República: Competência da Justiça Eleitoral para Crimes Conexos aos Eleitorais: Impasses e Desafios;
17h30min – Eugênio José Guilherme de Aragão – ex-ministro da Justiça: Lawfare e Condições de Elegibilidade;
19h – Lademir Gomes da Rocha – procurador do Banco Central – presidente da Anafe: As Instituições Jurídicas em Tempos de Contrarreformas: Riscos para o Estado Democrático de Direito.
Gilmar Mendes e Cármen Lúcia participam de seminário sobre defesa da democracia