O texto mais recente do PL 10.887/2018, que altera a Lei de Improbidade Administrativa (LIA) avança na discussão do tema no Brasil, mas “há mais proposições delicadas do que avanços” no substitutivo em discussão pelo Congresso.
A legislação em vigor não possui grandes pontos cegos que demandem uma alteração ampla do texto – e a jurisprudência de quase três décadas poderia ser desprezada com uma nova lei.
A análise é da Associação de Juízes Federais (Ajufe), que apresentou nesta sexta-feira (26) nota técnica com ponderações e diversas críticas à proposta que tramita na Câmara dos Deputados. Para o juiz Tiago do Carmo Martins, coordenador o estudo (íntegra abaixo), a lei atual demanda correções apenas pontuais.
“Não parece urgente atualizar o texto da Lei de Improbidade”, explicou Tiago ao Congresso em Foco. “Nós temos construído sobre essa lei, uma tradição jurídica já de cerca de 30 anos e nesse tempo muitas ações foram propostas, muitos julgamentos foram feitos e isso levou a uma construção jurisdicional muito grande, especialmente pelo Superior Tribunal de Justiça, que aclarou pontos duvidosos da Lei.”
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O grupo de trabalho, formado por sete juízes federais, conclui que o texto hoje em discussão tem “contornos bem definidos pela jurisprudência e representa um importante marco para proteção do patrimônio público e da moralidade administrativa”.
Há também elogios a medidas mais céleres, como para a previsão da pena de cassação de aposentadoria como forma de punição.
As 23 conclusões do estudo também indicam falhas graves na lei atual. Atualmente, se discute um substitutivo oferecido pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP).
Um dos problemas apontados é o trecho em vigor que distingue, dentro da Lei de Improbidade Administrativa, os agentes políticos.
“Há retrocesso no redimensionamento das penas, uma vez que houve a redução da pena mínima de suspensão dos direitos políticos para 4 anos, o que pode facilitar a reeleição de agentes ímprobos”, escrevem os autores da nota.
“De fato, ainda que o PL aumente a pena máxima, a diminuição da pena mínima abranda injustificadamente a sanção para o ato de improbidade.”
O ponto considerado mais sensível no texto, para a Ajufe, é a remoção do artigo 11, que na prática, segundo os magistrados, exclui dos atos de improbidade os violadores de princípios da administração pública.
Os danos, lista a nota técnica, poderiam ser muitos: “Não haverá mais incidência da LIA a diversas condutas altamente reprováveis e que afetam gravemente o princípio da moralidade, a exemplo da tortura praticada por policial no exercício da função; utilização de viatura da polícia federal para frequentar uma festa, com o disparo de tiros a esmo que culmina na morte de uma criança; a prática de nepotismo”, citam.
Mesmo o caso de políticos que furem a fila de vacinação da covid-19 poderiam ficar de fora do escopo da lei.
“Com a proposição em exame no Congresso, em especial o texto substitutivo apresentado, esse artigo 11 seria extinto. Nesse caso, para que houvesse improbidade teria que se comprovar ou dano efetivo ao erário, prejuízo ao patrimônio público, ou o enriquecimento ilícito do agente”, lamentou o juiz federal. “O simples fato de violar os princípios, como moralidade ou legalidade, deixaria de ser improbidade.”
Zarattini disse que não teve acesso ao texto, mas considera que é “necessidade pública e notória” a alteração da Lei.
“Todo mundo que atua na área pública sabe que a Lei está causando um apagão das canetas”, rebateu. “Prefeitos, secretários, comissões de licitação, tem medo de tomar decisões – pois quaisquer decisões que o Ministério Público local divirja pode gerar uma ação por improbidade, que gera bloqueio de bens, em processos que demoram dez anos. É um terror, e é evidente que é necessária uma atualização da lei.”
A conclusão da Ajufe é que mudanças podem ocorrer ao texto, mas não de maneira brusca. “[É] recomendável que essa experiência seja preservada e que eventuais alterações sejam feitas de modo pontual, em temas carentes de previsão no texto em vigor, ainda não aclarados pelos Tribunais e precedidas de ampla discussão pública”, escrevem os juízes.
O texto, apresentado em 2018 pelo deputado Roberto de Lucena (Podemos-SP), com o objetivo de alterar e atualizar a Lei de 1.992 que define quais são os atos de improbidade administrativa. A proposta foi encaminhada em agosto de 2019 para uma comissão especial, onde o deputado Zarattini foi designado relator do texto.
Zarattini buscou ressaltar que a proposta sob sua relatoria não é de inspiração do Legislativo, mas sim de membros do Judiciário, incluindo o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Mauro Campbell Marques. Segundo o deputado, o substitutivo mais recente passará por alterações e estará pronto para ser apreciado assim que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), pautar um requerimento de urgência na votação do texto.
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