De 2014 a agosto de 2018, a jornalista Christianne Machiavelli foi assessora de imprensa do juiz Sérgio Moro na Operação Lava Jato. Cabia a ela fazer a ponte entre o juiz, suas decisões judiciais, e os jornalistas que acompanhavam as investigações. Nesse período, avalia a profissional, grande parte da mídia cobriu de maneira acrítica a maior operação policial da história do país. Em entrevista ao site The Intercept, Christianne diz que “a imprensa comprava tudo” e nem se dava ao trabalho de checar os conteúdos divulgados pela equipe da força-tarefa.
“Não acho que houve estratégia, pelo menos por parte da Justiça Federal. Mas a responsabilidade da imprensa é tão importante quanto a da Polícia Federal, do Ministério Público e da Justiça. Talvez tenha faltado crítica da imprensa. Era tudo divulgado do jeito como era citado pelos órgãos da operação. A imprensa comprava tudo”, disse ela à repórter Amanda Audi.
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Melindres
A falta de questionamentos era tamanha que, quando havia alguma crítica, os integrantes da força-tarefa se sentiam “melindrados”, conta. “Não digo que o trabalho não foi correto, ela se serviu do que tinha de informação. Mas as críticas à operação só vieram de modo contundente nos últimos dois anos. Antes praticamente não existia. Algumas vezes, integrantes da PF e do MPF se sentiam até melindrados porque foram criticados pela imprensa”, relatou.
Christianne deu exemplos de quando isso ocorreu. “O Maurício Moscardi Grillo [delegado da Lava Jato em Curitiba] quando deu entrevista para a Veja dizendo que perderam o timing para prender o Lula foi muito criticado, e a polícia ficou melindrada. Mesma coisa quando o Carlos Fernando Santos Lima falou que o MPF lançou ‘um grande 171’ para conseguir delações. O powerpoint do Deltan Dallagnol sobre o Lula. Eles ficaram muito chateados quando a imprensa não concordou com eles. Todo mundo fica magoado, mas não se dá conta daquilo que fala.”
PublicidadeO próprio juiz Sérgio Moro também se sentia incomodado com questionamentos, relatou a ex-assessora. “Não posso dizer que ele [Sérgio Moro] não ficasse melindrado, mas uma única vez respondemos a um veículo. Foi um caso do Rodrigo Tacla Duran, num domingo de manhã. Ele me chamou para a gente responder à notícia que dizia que Carlos Zucolotto, amigo, padrinho de casamento e ex-sócio da esposa de Moro, fazia negociações paralelas sobre acordos com a força-tarefa da Lava Jato. Nesse caso ele se sentiu ofendido, mais pelo processo do que pessoalmente.”
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Lula e Dilma
A jornalista lembra de um momento delicado das investigações, o episódio em que Moro divulgou áudio em que a então presidente Dilma combinava detalhes da nomeação do ex-presidente Lula para a Casa Civil. O juiz concluiu que havia ali uma tentativa de obstrução à Justiça. A nomeação, segundo ele, tinha o propósito de garantir foro privilegiado ao petista e livrá-lo de suas garras.
A gravação, porém, foi considerada posteriormente irregular e invalidada. A conversa foi gravada depois do período autorizado das escutas. Moro foi severamente criticado pelo Supremo Tribunal Federal. Para ela, a imprensa também teve responsabilidade pelo caso, que acabou inviabilizando a efetivação de Lula no cargo e acelerou o processo de impeachment.
“Vou dar um exemplo. O áudio do Lula e da Dilma é delicado, polêmico, mas e o editor do jornal, telejornal, também não teve responsabilidade quando divulgou? Saíram áudios que não tinham nada a ver com o processo, conversas de casal, entre pais e filhos, e que estavam na interceptação. A gente erra a mão em nome de um suposto bem maior.
Nova visão
O trabalho na assessoria, diz Christianne, a fez repensar a forma como as pessoas investigadas pela Lava Jato foram tratadas pela operação e, em especial, pela imprensa. A jornalista admite que houve exageros. “Era tanto escândalo, um atrás do outro, que as pessoas não pensavam direito. As coisas eram simplesmente publicadas.”
Entre os equívocos da operação reverberados pela imprensa, ela cita a prisão equivocada de uma cunhada do ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto, confundida com outra pessoa.
“O caso da cunhada do [ex-tesoureiro do PT, João] Vaccari foi bem significativo. Os jornalistas foram na onda do MPF e da PF. Todo mundo divulgou a prisão, mas ela foi confundida com outra pessoa. Foi um erro da polícia. Quando perceberam o erro, Inês já era morta. O estrago já tinha sido feito. Acho que a gente vem de uma fase que remonta à ditadura, em que a imprensa foi violentamente cerceada. Na Lava Jato a imprensa tinha muita informação nas mãos, dos processos, e entendeu que era o momento de se impor.”
Christianne deixou a Justiça Federal em Curitiba, onde começou a trabalhar em 2012, para voltar a ter vida pessoal. Na comunicação da Lava Jato, não tinha mais fim de semana e madrugadas livres. Ela montou agora sua própria agência de comunicação. Mas ter trabalhado com o juiz mais famoso do país não é garantia de portas abertas no mercado, reconhece: “Ele é amado por uns e odiado por outros. Eu tenho que lidar com o ônus e o bônus disso”.