“Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as resoluções públicas e de julgar os crimes ou as divergências dos indivíduos.”
*Montesquieu (1689-1755) ‘Do Espírito das Leis’, p.202.
A democracia se fundamenta em dois valores essenciais: liberdade e igualdade. É evidente que quando cotejados com a realidade social concreta, diversos problemas vêm à tona em relação aos princípios abstratos: como promover liberdade e igualdade entre desiguais?
Para operar esses princípios é preciso erguer um quadro institucional que evite o poder absoluto de qualquer ator político ou instituição, gerando freios e contrapesos que foram pensados por Montesquieu, a partir das reflexões de Aristóteles e John Locke.
Nas democracias avançadas temos duas grandes referências: o presidencialismo americano e o parlamentarismo europeu. No presidencialismo americano, o presidente tem posição forte, contrabalançada por uma Constituição enraizada, um Congresso também forte e costumes cristalizados historicamente. No parlamentarismo, há uma integração mais cooperativa entre os poderes executivo e legislativo, com vistas à formação da maioria parlamentar e do ambiente de governabilidade. Neste sentido, o presidencialismo é mais rígido e o parlamentarismo mais flexível. Mas não tem sido fácil formar maiorias na Europa.
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Já aqui, nessas terras tropicais, ainda perseguimos a estabilização de um modelo de funcionamento de nossa democracia, tão duramente conquistada a partir de 1985. Muitas vezes no Brasil o Judiciário quer legislar e investigar, o Ministério Público quer julgar, o Congresso Nacional quer governar sem a contrapartida de oferecer maioria sólida e estável ao projeto de governo e o Executivo quer legislar através de decretos e ações e interferir na dinâmica do sistema judiciário via pressões políticas. Temos um presidencialismo forte, com uma Constituição de espírito parlamentarista, o que torna central a formação de maioria parlamentar.
Sempre que temos uma crise iminente de governabilidade volta-se a falar de parlamentarismo e no voto distrital misto. Não foi à toa que produzimos dois impeachments em curto espaço de tempo. A rigidez do presidencialismo gera um impasse radical se o governo se descola das ruas e da maioria congressual.
Sou parlamentarista até a medula e defensor do distrital misto. Mas sou obrigado a reconhecer as dificuldades para transitarmos para um novo modelo político.
Primeiro, a cultura brasileira é fortemente presidencialista, o que levou a duas vitórias nos plebiscitos de 1962 e 1993. Segundo, não temos partidos fortes e majoritários e burocracia permanente sólida e prestigiada. Por último, a maioria dos partidos brasileiros é contra mesmo diante do evidente esgotamento do “presidencialismo de coalizão”.
Em relação ao sistema eleitoral distrital misto a maioria dos deputados não apoia por contrariar seus interesses imediatos. Compradores de voto, celebridades, representantes de categorias e segmentos religiosos e sociais não têm interesse na territorialização do voto.
Por tudo que foi dito, fica claro que temos um longo caminho a percorrer na construção de um modelo político democrático que assegure governabilidade, estabilidade e eficácia ao processo decisório.
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