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A ideia em um segundo
A semana foi marcada pela necessidade de um ponto final na novela do orçamento de 2021. A forma como o presidente Jair Bolsonaro sancionou o projeto concretiza uma postura de progressivo abandono dos parâmetros de responsabilidade fiscal estabelecidos desde o governo de Michel Temer, o principal deles, o teto dos gastos. A promessa de cumprimento está de pé, mas parece tão frágil quanto aquelas insustentáveis resoluções de fim de ano.
Por que importa?
Com a pandemia de covid-19 terrivelmente estabilizada na faixa de 3 mil mortes diárias, parece sem sentido tratar de qualquer outra coisa. Contudo, viver se impõe e os quase 215 milhões de brasileiros seguem em ação tendo que lidar com seu cotidiano, da melhor forma possível. Nas últimas semanas, fora todas as crises possíveis, o governo teve de lidar com o imbróglio criado por ele próprio e o Congresso Nacional em torno da lei orçamentária deste ano. Para agradar a interesses paroquiais de parlamentares, faltou dinheiro para despesas obrigatórias com Previdência e outros benefícios pagos aos trabalhadores.
A forma como a questão foi resolvida não terá grandes impactos sobre a economia, o projeto de reeleição de Bolsonaro e a configuração dos arranjos políticos parlamentares. Mas, de uma decisão aparentemente técnica e distante do cidadão comum, podem advir consequências diretas para o seu já conturbado dia-a-dia.
O que está em jogo?
O orçamento aprovado foi flagrantemente distorcido para comportar despesas adicionais – assinadas por parlamentares. A via escolhida foi a subestimação grosseira das despesas obrigatórias. O fato foi apontado pela imprensa no dia seguinte à aprovação, tendo se seguido um jogo de troca de acusações envolvendo Executivo e Legislativo.O fato é que o orçamento, tal como aprovado, era inexequível e sua manutenção poderia acarretar a responsabilização do Executivo. Para o Tribunal de Contas da União, em uma interpretação restritiva, a própria sanção configuraria crime de responsabilidade.
O presidente Jair Bolsonaro foi advertido sobre a relevância do assunto. Diversas vezes em que foi colocado diante de temas orçamentários, citou logo a necessidade de cumprir as regras para evitar um impeachment. Afinal, o processo que retirou Dilma do poder foi calcado em questões orçamentárias.
PublicidadeMalabarismos …
No fim de semana, circulou a notícia de que o Poder Executivo negociava a aposentadoria precoce de um dos ministros do TCU, que ganharia uma embaixada importante na Europa, de modo a que o governo Bolsonaro pudesse fazer a indicação de um novo membro ao tribunal, supostamente mais amistoso ao governo e sereno com relação ao orçamento.
A própria ideia é reveladora do nível de arcaísmo do sistema político brasileiro – patrimonialismo e coronelismo ainda são traços característicos de nossa nação. Diante de fatos como esse, ainda que não concretizados, percebe-se como a Constituição tem muito mesmo de tigre de papel, ou, para ficarmos nas espécies nacionais, de onça pintada.
… ou tecnicismos?
Outra frente daria conta de resolver a questão pelo caminho técnico. Revisão das emendas do relator (oferecida pelo próprio); aprovação de novo PLN; vetos parciais. Entidades especializadas, como a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado Federal, apontaram caminhos possíveis, apesar de nenhum representar a solução ideal. Sintomaticamente, o ministro da Economia Paulo Guedes resolveu disparar um ataque “pessoal” à IFI, desqualificando suas análises.Finalmente, no último minuto, o presidente da República sancionou uma versão que trabalha com cortes (vetos parciais) de R$ 19,8 bilhões e um bloqueio de R$ 9 bilhões. Combinado com a possibilidade de que despesas com a pandemia fiquem como extrateto (consolidado com a aprovação do PLN 2 pelo Congresso Nacional), o orçamento busca respeitar, formalmente, o teto de gastos (análises como a da Instituição Fiscal Independente indicam que mesmo com tudo isso ainda faltará algo para que o teto possa ser cumprido). O fato é que, na forma como ficou, o orçamento está parecendo promessa de dieta no réveillon.
O posto Ipiranga
O Centrão cresceu o olho para o vistoso posto Ipiranga. A superconcentração de ministérios e assuntos nas mãos de Paulo Guedes poderia ter sido um impulso grande às iniciativas do Executivo – dilemas clássicos na história política brasileira, como conflitos entre o Ministério do Planejamento e o Ministério da Fazenda, por exemplo, foram automaticamente eliminados. Entretanto, o que se viu até aqui foi um posto Ipiranga que tem um pouco de tudo, sim, mas um pouco é de todos os problemas que afetam a nação.O desmembramento do ministério entrou na pauta definitivamente. Paulo Guedes ainda reúne capital reputacional junto ao presidente Jair Bolsonaro para se manter, mesmo que em uma versão reduzida do posto, sem loja de conveniência nem nada. Mas há também quem aponte para uma degradação da imagem do ministro junto ao presidente, único elemento que, de fato, conta.
Os efeitos
Câmbio, risco-país e juros futuros permanecem em patamares negativos não condizentes com o que se poderia esperar diante da realidade econômica do país, diagnóstico praticamente unânime entre analistas do mercado. Quando se passa ao prognóstico, entretanto, o dissenso retorna, com os otimistas enxergando uma rápida revisão de expectativas com as possíveis soluções técnicas para a questão do orçamento – que no fundo sinalizam para o equacionamento da situação fiscal –, e os pessimistas projetando mais desvalorização cambial, mas inflação e mais descontrole da dívida pública, uma espécie de retorno do recalcado econômico – a sombria lembrança da década de 1980, com seu coquetel de hiperinflação, moratórias, planos econômicos fracassados etc.
E o Congresso?
Para não ficarmos restritos à culpabilização do Executivo, o Congresso Nacional não parece dar mostras de querer fazer parte da solução. Os presidentes das duas casas comentaram a aprovação do orçamento na linha de que houve acordo com o Executivo: se o acordo é inexequível, o problema é só de um dos acordantes – que ofereceu a mais do que podia. Ocorre que não estamos diante de uma negociação privada, em que vale a máxima pacta sunt servanda, mas sim da definição dos rumos e das condições do país.
O movimento (de muitos anos, diga-se de passagem) de tomada de controle do orçamento pelo Legislativo deveria sinalizar, republicanamente, mais controle e fiscalização. No momento, parece apontar para a irresponsabilização e ingresso do país em novo ciclo de descontrole das contas públicas.
Finalmente, parecemos estar em um mundo parecido ao do último filme da Mulher-Maravilha: cada um deseja alguma coisa, e se ninguém renunciar ao seu desejo o mundo será conflagrado pela convivência impossível de desejos antagônicos.
Termômetro
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Geladeira
O ministro Ricardo Salles está cada vez mais isolado. No plano internacional, ganhou notoriedade como o antiministro do Meio Ambiente de Bolsonaro. No Brasil, deflagrou nas redes sociais esta semana a campanha #ForaSalles, com direito a bate-boca com a cantora Anitta. Mas o que tira o sono do ministro é a artilharia que pode vir do Tribunal de Contas da União, da Polícia Federal e do STF. Acusado de tentar atrapalhar uma megaoperação da PF no Amazonas contra o desmatamento, em dezembro, Salles é alvo de duas ações no Supremo e de um pedido de afastamento do cargo no TCU. Com a saída de Ernesto Araújo, lidera sozinho o ranking de ministro pior avaliado pelos parlamentares, conforme o Painel do Poder.
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Chapa quente
O ex-presidente Lula ganhou nesta semana a última batalha no Supremo Tribunal Federal contra o ex-juiz e ex-ministro da Justiça Sergio Moro. Pela segunda vez, os ministros confirmaram a suspeição de Moro para julgar o petista, reafirmando a anulação de suas condenações e a sua elegibilidade. O julgamento ainda não foi concluído, mas já há maioria nesse sentido. Mais candidato que nunca, Lula terá seus casos examinados do zero pela Justiça Federal do DF. Juristas consideram grandes as chances de as ações contra Lula prescreverem. O petista assombra Bolsonaro e os demais presidenciáveis, despontando na liderança em pesquisas de intenção de voto para 2022. A corrida eleitoral ganha fôlego.
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O Farol Político é produzido pelos cientistas políticos e economistas André Sathler e Ricardo de João Braga e pelo jornalista Sylvio Costa. Edição: Edson Sardinha. Design: Vinícius Souza.
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