A promessa de décimo-terceiro salário para o Bolsa Família foi apenas jogada eleitoral?
Na obra Os sentidos do lulismo – reforma gradual e pacto conservador, André Singer busca caracterizar e/ou problematizar a alteração ocorrida no espectro eleitoral brasileiro a partir de 2006, com o surgimento de um novo fenômeno: o “lulismo”.
Segundo o autor, o Bolsa Família, a valorização do salário mínimo, a expansão e fortalecimento do crédito consignado e o Luz para Todos, dentre outras políticas, promoveram um deslocamento do subproletariado.
Luis Inácio, alvejado pelo “mensalão”, perdeu apoio na classe média urbana e foi reeleito tendo como fortaleza o voto deste fragmento de classe. Mas quem seria o subproletariado?
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Na definição de Paul Singer, “são aqueles que oferecem sua força de trabalho no mercado sem encontrar quem esteja disposto a adquiri-la por um preço que assegure sua reprodução em condições normais.” “Trabalhadores destituídos de condições mínimas de participação na luta de classes”, desenvolve André.
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Estão na base da pirâmide social, com baixa escolaridade e um grande nível de dependência do Estado ou de um “protetor”. Situam-se na resiliente faixa de até um salário mínimo que esteve com Haddad na maior parte da corrida eleitoral.
Com muita força no Nordeste, foi historicamente base de sustentação do coronelismo. Votou em Collor e em FHC. Conservador, identificava na esquerda a desordem. “Necessitado” da ordem, do Estado forte e da mão protetora, projetava no coronel sua possibilidade de redenção.
Lula rompe este círculo, reconfigura o eleitorado brasileiro e vai, aos poucos, redesenhando o PT e a esquerda brasileira. O Nordeste é transformado em bunker “vermelho”.
O ex-presidente viu nesta movimentação de tropas um sentido estratégico. O governo eleito ficará apenas observando?
A crise fiscal, a grande renovação no Congresso, o custo-tempo da reorganização radical da máquina pública, a inexperiência do futuro núcleo do governo e a provável confusão entre neoliberais “pauloguedianos” e militares nacionalistas impossibilitarão a retomada do crescimento no curto prazo. Diante disto, o que fazer para manter a popularidade?
A classe média será alimentada com o lançamento de carne fresca: redução da maioridade penal, liberação do porte de armas, redução drástica de ministérios, Estatuto da Família, combate à corrupção e outras pirotecnias. “Moro Neles!”
A redução indiscriminada de alíquotas de importação e o fim das desonerações e subsídios devem quebrar o que restou de nossas indústrias. É cedo ainda para dizer até onde vai a sinceridade-compromisso do “czar da economia” com a redução dos juros e a depreciação do real. Vai peitar os bancos derrubando o tripé macroeconômico mantido por FHC e Lula?
A farra dos importados fará a tradicional classe média vibrar. Poderá comprar a camisa com o jacaré-status pelo mesmo preço pago nas patéticas excursões aos outlets de Miami. Vão demorar um pouco mais para descobrir que seus filhos continuarão desempregados.
Nesse cenário, mantendo a lógica militar de marcha permanente, é provável que a batalha continue sendo travada no nordeste. É preciso destruir definitivamente o lulismo como possibilidade de futuro e capacidade de resistência.
O ataque já foi realizado no campo moral utilizando o veneno do multiculturalismo identitário que a esquerda abraçou. Resta agora solapar a base material. Para legitimar o programa bolsonarista, é possível que estendam a mão do Estado ao subproletariado. O mercado pode aceitar como custo colateral da operação.
Se André Singer estiver certo, a tática pode funcionar. Ao consagrar a possibilidade de “revolução pacífica”, de ascensão pelo consumo sem ruptura, Lula pode ter construído condições propícias ao sequestro de sua base social.
O lulismo resistirá? A cor dos pobres continuará a ser vermelha?
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