Nem aquele sempre conciliador “Lulinha paz e amor” projetado na campanha eleitoral de 2002 e no seu primeiro mandato presidencial (2003/2006), nem o radical em luta contra “o mercado” e os cânones econômicos, como parecem tentar pintar parte da imprensa e dos operadores do mercado financeiro.
Três palavras sintetizam a mensagem-chave de Lula durante encontro de 1h30 com jornalistas nesta terça-feira (7): “Não quero confusão”. Ele completou: “Quero que este país volte à normalidade, volte a crescer”. A entrevista ocorreu em café da manhã para o qual foram convidados cerca de 40 profissionais ligados a veículos fora do campo da mídia tradicional (ver lista no final desta matéria).
Sim, Lula voltou a criticar o Banco Central (BC) por causa da taxa básica de juros de 13,75%, índice quase três vezes superior à inflação projetada para este ano. Prometeu acabar com o garimpo em terras indígenas. Criticou a privatização da Eletrobras. Reafirmou sua obsessão com a “responsabilidade social” e o seu desejo de ver as Forças Armadas e outras instituições de Estado, como o Itamaraty e o Ministério Público, livres da politização.
Evitou bolas divididas e ataques frontais, por um lado. De outro, defendeu com firmeza as teses fundamentais de sua campanha eleitoral. Elas se concentram, conforme resumiu, em três coisas: “Acabar com a fome no país, alfabetizar as crianças na idade certa e cuidar da saúde”.
Redes sociais e paz
Um quarto elemento norteou, contudo, a entrevista: a defesa da democracia e da pacificação do país. Foi também esse o assunto do questionamento feito pelo representante do Congresso em Foco: como enfrentar adequadamente a violência política e as fake news, duas coisas que se entrelaçam no modo de atuação da extrema-direita brasileira? Veja o momento da pergunta e a resposta de Lula:
PublicidadeLula admitiu desconhecer a resposta, mas prometeu se empenhar na busca das soluções adequadas. Contou que o problema da violência política será endereçado pelo conjunto de medidas proposto pelo ministro da Justiça, Flávio Dino. Tanto a violência quanto as fake news, no seu entender, estão relacionadas com o terreno fértil que ambas encontraram para prosperar no universo frequentemente tóxico das redes sociais.
“Ele (projeto) está na Casa Civil, a gente pretende discutir com a sociedade, abrir um debate na sociedade, para saber como a gente proíbe que as empresas de aplicativo fiquem divulgando notícias que são impróprias, ou são mentirosas, ou são violentas, ou avocam as pessoas a fazerem coisas que não prestam. Nós temos consciência de que os mentirosos, aquelas pessoas que pregam o mal e a mentira na internet, não podem ter a facilidade que têm”, afirmou.
Após dizer que tais plataformas funcionam mais como instrumentos para a disseminação do ódio e da mentira, adiantou que quer conversar sobre isso com o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, com quem se reunirá nesta sexta (10).
Também pretende pautar esse debate no G-20. Em sua opinião, a regulação das redes sociais passa por uma discussão global que leve à criação de barreiras à divulgação em massa de notícias falsas e de mensagens que instigam “as pessoas a fazerem coisas que não prestam”. “Acho que se a gente quiser discutir a regulação da mídia digital no mundo, não pode ser problema de um país só. Tem que ser um problema de todos os países do mundo para regular uma coisa que dê tranquilidade ao regime democrático”, declarou.
Internamente, acrescentou, o “desafio para todos nós” é pacificar as relações entre pessoas e correntes políticas, inclusive no âmbito familiar. Também defendeu o aprofundamento das investigações sobre os atos de 8 de janeiro: “Acho que a coisa não acabou. O que aconteceu foi muito grave. Tem muita gente rica envolvida nisso. A gente vai atrás de cada um para ver quem financiou essa tentativa de golpe”.
Economia
Paz, portanto, mas sem passar pano em criminosos. Foi este o tom que predominou durante a entrevista: nem tanto ao céu nem tanto à terra. Lula oscilou entre a reafirmação de seus compromissos políticos e ideias e a moderação ao tratar das questões mais espinhosas. Indagado sobre uma suposta má vontade da mídia tradicional, poupou a imprensa de julgamentos e preferiu alfinetar o mercado financeiro. Disse que não vai pedir autorização “ao mercado” para cumprir seu programa eleitoral. “A gente não tem que pedir, tem que fazer”.
O governo aceitaria se articular para levar o Senado a abreviar o mandato do presidente do BC, Roberto Campos Neto?, perguntou um jornalista. Lula deixou claro que não faria isso (“Quem pode mexer é o Senado”), mas reiterou suas críticas à política monetária. No seu entendimento, ela se tornou um obstáculo à retomada do crescimento econômico. “Ele [Campos Neto] deve explicações não a mim, mas ao Congresso Nacional”, arrematou.
Segundo Lula, a sua administração entregará “credibilidade, estabilidade e previsibilidade”. Não se desviará do caminho da responsabilidade no trato das contas públicas. Deu como exemplo a redução obtida nos seus dois mandatos anteriores (de 2003 a 2010) na dívida pública interna, que caiu de 60% para 37,7% do Produto Interno Bruto (PIB). Tampouco, observou, abandonará suas metas sociais para “agradar o mercado”. Repetiu que o seu compromisso é com a “responsabilidade fiscal, mas também com a responsabilidade econômica, com a responsabilidade política e com a responsabilidade social, que é a mais importante delas”.
Eletrobras e yanomami
O presidente também criticou a privatização da Eletrobras. Ressaltou, no entanto, que não pretende desfazer a venda da empresa. “Nós, inclusive, possivelmente o advogado-geral da União, vai entrar na Justiça para que a gente possa rever esse contrato leonino contra o governo. Porque é contra o governo. Tanto na participação acionária nós queremos ter mais gente na direção, mais gente no conselho, quanto esse negócio de que você não pode comprar porque você vai pagar três vezes mais caro. Isso é uma coisa irracional, maquiavélica, que não podemos aceitar.”
Apesar das críticas, o presidente disse que não vai comprar a empresa novamente. A prioridade do seu governo, frisou, será o combate à fome. “Não vou juntar dinheiro para comprar de volta. A minha prioridade neste momento é acabar com a fome neste país. É minha meta principal. Acabar com a fome neste país, alfabetizar as crianças na idade certa.”
Deu ênfase, ainda, às questões ambientais. “A questão climática hoje é uma questão da humanidade”. Ele responsabilizou diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro pelo drama vivido pelos yanomamis. Lembrando que estima-se em mais de 840 as pistas clandestinas em operação em áreas indígenas no Brasil (75 em reserva yanomami), afirmou: “Alguém se fazia de cego porque não queria ver o que se passava na terra yanomami”.
Sem guerra
Lula voltou a falar do seu encontro com Joe Biden ao ser questionado como reagiria se o presidente norte-americano pedisse ao Brasil para participar do esforço de guerra contra a Rússia. “Se o Biden me pedir isso, vou dizer a ele isso que estou dizendo para você: o Brasil não participará de ataque contra ninguém. O Brasil é um país que não tem contencioso e nós não precisamos de contencioso”, disse o presidente. Segundo ele, o Brasil já tem muitos problemas internos a resolver.
“Não acredito que o presidente Biden venha me convidar pra participar do esforço de guerra pela Ucrânia, porque o Brasil não participará. Eu, na última viagem do chanceler alemão (ao Brasil), ele (Olaf Scholz) queria que nós vendêssemos para a Alemanha a munição que o Brasil tem”.
O chanceler alemão se referia a munições para canhões de tanques que o Brasil tem e são fabricadas na Alemanha. “Depois ele me disse que essas munições seriam entregues à Ucrânia. Eu disse para ele que o Brasil não iria vender as munições porque se um russo for morto por uma munição que saiu do Brasil, o Brasil estará participando da guerra, e eu não quero o Brasil participe da guerra porque nós precisamos de alguém querendo construir a paz neste mundo.”
O presidente disse que sugeriu ao seu colega francês, Emmanuel Macron, a criação de um “G-20 da paz”. “Hoje não temos ninguém discutindo paz. Ninguém. Os Estados Unidos não discutem a paz. A Europa toda está envolvida na guerra, direta ou indiretamente. Então, quem pode negociar a paz? Os países que não estão envolvidos na guerra”, declarou.
Cuba e Venezuela
Lula disse que não poderia adiantar os temas que tratará com Biden, mas lembrou que o embargo econômico imposto pelos Estados Unidos a Cuba sempre esteve no centro de suas conversas com os colegas norte-americanos.
“Imagino que a Venezuela também estará na pauta, porque nós vamos discutir o fortalecimento da América do Sul, e o Brasil tem muitas responsabilidades aqui na América do Sul. Nós temos 16 mil quilômetros e meio de fronteiras secas com os países da América do Sul. O Brasil tem o interesse de que a América do Sul esteja em paz. A América do Sul precisa se desenvolver e crescer economicamente.”
Segundo ele, o Brasil reatar suas relações com a Venezuela com a “maior tranquilidade”. “Nós vamos ter um embaixador do Brasil na Venezuela. Logo logo nós vamos ter um embaixador em Cuba, e Cuba vai trazer o seu embaixador ao Brasil, e tudo voltará à normalidade”, disse.
O presidente afirmou que Cuba e Venezuela são importantes parceiros do Brasil no comércio exterior e que que resgatar as boas relações com os dois países.
Fizeram companhia a Lula, no café da manhã, o ministro anfitrião, Paulo Pimenta, que chefia a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom-PR); a primeira-dama, Janja Lula da Silva; e os jornalistas José Chrispiniano, secretário de Imprensa, e Hélio Doyle, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC).
Tanto Pimenta quanto Lula ressaltaram o desejo de prestigiar o que ambos chamaram de mídia independente. Segundo o ministro, haverá em breve uma “reunião de trabalho” com os veículos convidados “e outros”, ausentes do café da manhã, para discutir como isso poderá ser feito.
Veja a íntegra do café da manhã de Lula com os jornalistas:
Jornalistas participantes do café da manhã:
Alice Maciel/Agência Pública
Altamiro Borges/Blog do Miro
Ana Lesnovski/Meteoro
Ana Magalhães/Repórter Brasil
Antônio Junião/Ponte Jornalismo
Bárbara Libório/Revista Azmina
Carlito Neto/O Historiador
Cristiane Sampaio/Brasil de Fato
Eduardo Guimarães/Blog da Cidadania
Eleonora Lucena/Tutameia
Geremias dos Santos/Abraço
Gilda Cabral/Instituto Cultiva
Haroldo Ceravolo Sereza/Ópera Mundi
João Antônio Marques/Portal Click Política
Jefferson Borges/Nordeste Eu Sou
Jô Miyagui/TVT
José Fernandes/Portal do José
Laércio Portela/Marco Zero
Laura Sabino
Leandro Fortes/DCM
Lucas Ferraz/Headline
Luciana Lima/Canal Meio
Luís Costa Pinto/Brasil 247
Luiz Eduardo Gomes/Sul 21
Marco Queiroz/Revista Jacobin
Mariana Torquato/Vai uma Mãozinha Aí
Marielle Ramirez Pinto/Mídia Ninja
Matheus Alves /Alma Preta
Miguel do Rosário/O Cafezinho
Napoleão de Castro/Revista Nordeste
Natalya Santarém Santos/Crítica Brasil
Paulo Salvador/Rede Brasil Atual
Rafael Duarte/Agência Saiba Mais
Rafael Moro Martins/Intercept Brasil
Renato Rovai/Revista Fórum
Renê Silva dos Santos/Voz das Comunidades
Ronny Teles
Sylvio Costa/Congresso em Foco
Tereza Cruvinel/TV 247