Entidades de magistrados reagiram negativamente à participação do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, na costura de um pacto com os chefes dos poderes Executivo e Legislativo em favor de reformas estruturantes. Para a Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Toffoli não deveria participar das discussões porque alguns pontos da reforma da Previdência, por exemplo, deverão ser questionados no Supremo.
A Ajufe não fez referência aos demais itens do pacto, como a reforma tributária, a revisão do pacto federativo e o aprimoramento de uma política nacional de segurança pública. A Associação Juízes para a Democracia (AJD) foi mais incisiva e classificou como inadmissível a participação de Toffoli nas discussões.
“Agindo assim, o presidente do STF atinge, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a Constituição da República e o Estado Democrático de Direito”, afirma a associação. “Os juízes brasileiros, zelosos de sua missão constitucional e compromissados, verdadeiramente, com a Democracia, não irão compactuar com acordos que atinjam a independência da magistratura”, acrescenta.
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O acordo, costurado na última terça-feira (28) pelo presidente Jair Bolsonaro, envolve ainda os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). O esboço do texto, cuja íntegra só deverá ser divulgada na semana de 10 de junho, fala em “terceiro pacto republicano pela realização de macrorreformas estruturais”. Os dois anteriores foram firmados pelo ex-presidente Lula – em 2006, “por um Judiciário mais rápido e republicano”. Em 2009, por “um sistema de Justiça mais acessível, ágil e efetivo”.
O novo pacto também foi alvo de críticas de partidos de oposição no Congresso, que questionaram a participação de Toffoli e também de Rodrigo Maia, alvo de protestos de seguidores de Bolsonaro no último domingo. Eles reclamaram de não terem sido consultados pelo presidente da Câmara, já que não compactuam com o conteúdo das propostas do governo, e de uma eventual perda de independência dos poderes.
Veja a íntegra da nota da Ajufe:
Publicidade“Nota Pública – STF e a Reforma da Previdência
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) vem a público manifestar sua preocupação com o ‘pacto’ noticiado pela imprensa, especialmente com a concordância do presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) à Reforma da Previdência.
Sendo o STF o guardião da Constituição, dos direitos e garantias fundamentais e da democracia, é possível que alguns temas da Reforma da Previdência tenham sua constitucionalidade submetida ao julgamento perante a Corte máxima do país.
Isso revela que não se deve assumir publicamente compromissos com uma reforma de tal porte, em respeito à independência e resguardando a imparcialidade do Poder Judiciário, cabendo a realização de tais pactos, dentro de um estado democrático, apenas aos atores políticos dos Poderes Executivo e Legislativo.
Brasília, 29 de maio de 2019
Fernando Mendes
Presidente da Ajufe”
Abaixo, a íntegra da nota da AJD
“Nota pública da AJD sobre a notícia de ‘pacto’ entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário
“Tampouco existe liberdade se o poder de julgar não for separado do poder legislativo e do executivo. Se estivesse unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade dos cidadãos seria arbitrário, pois o juiz seria legislador. Se estivesse unido ao poder executivo, o juiz poderia ter a força de um opressor.”
(Montesquieu, em O Espírito das Leis)
A Associação Juízes para a Democracia (AJD) entidade não governamental, de âmbito nacional, sem fins corporativos, que tem como um de seus objetivos estatutários a defesa dos direitos e garantias fundamentais e a manutenção do Estado Democrático de Direito, manifesta forte preocupação com a notícia de que o Presidente do Supremo Tribunal Federal pretende assinar, com o Presidente da República e com o Presidente do Congresso Nacional, um “pacto” em favor de reformas constitucionais e legais.
Compete ao Poder Executivo apresentar propostas de reformas que entender necessárias e ao Poder Legislativo aprová-las ou rejeitá-las, como entender conveniente, após prévios debate e votação, sob os ritos formais estabelecidos na Constituição.
Ao Poder Judiciário, incumbe o controle da legalidade e da constitucionalidade de possíveis reformas, seja pela atividade de cada Magistrado, seja pela atuação do Supremo Tribunal Federal.
Nestes termos, é inadmissível que o Presidente do Supremo Tribunal Federal antecipe-se a firmar “pacto” com os demais poderes. Não pode o Poder Judiciário, nem mesmo a Suprema Corte, fazer juízo prévio de conveniência e avalizar antecipadamente alterações constitucionais.
Nenhum pacto pode se sobrepor ao dever do controle jurisdicional de constitucionalidade posterior ao agir do Executivo e do Legislativo. Tampouco o Poder Judiciário pode servir como órgão de consulta dos demais poderes.
Agindo assim, o Presidente do STF atinge, a um só tempo, o princípio da separação dos poderes, a Constituição da República e o Estado Democrático de Direito.
O Brasil precisa, sim, de um novo tempo. Um tempo em que as instituições e os princípios democráticos sejam respeitados; um tempo em que os direitos fundamentais também sejam usufruídos pelos mais pobres; um tempo em que a Constituição da República seja cumprida, dentro dos limites ali estabelecidos.
Os juízes brasileiros, zelosos de sua missão constitucional e compromissados, verdadeiramente, com a Democracia, não irão compactuar com acordos que atinjam a independência da magistratura.
Por essas razões, a Associação Juízes para a Democracia (AJD) manifesta repúdio a concertos que sugiram a fragilização ou mesmo comprometam a independência da magistratura, deixando claro que os juízes brasileiros, zelosos de sua missão constitucional, permanecerão ao lado da Constituição e da Democracia.
São Paulo, 29 de maio de 2019.”