Ex-ministros da Saúde se reúnem neste sábado (3) no ato “Dia C de Conscientização da covid-19”. O evento tem como objetivo servir de contraponto científico à iniciativa do governo federal de realizar um “Dia D” sobre a doença.
> Superfaturamento e ineficácia: cloroquina coloca governo na mira de tribunais
José Gomes Temporão, Arthur Chioro, Alexandre Padilha, Humberto Costa, José Saraiva Felipe e Agenor Alves participam do evento realizado pelo Instituto Questão de Ciência (IQC), que pretende dar orientações para o uso correto de máscaras, instruções de como proceder para fazer o autoisolamento em caso de infecção, as possíveis sequelas do vírus e a ameaça de uma segunda onda da doença no Brasil e no mundo. O debate será transmitido no canal no YouTube e nas páginas das redes sociais do ICQ a partir das 14h30.
No fim setembro, o Ministério da Saúde divulgou que faria nesta mesma data o “Dia Nacional da Conscientização para o Cuidado Precoce”, para promover e reforçar tratamentos não comprovados, com cloroquina, hidroxicloroquina, zinco e azitromicina, medicamentos que formam o chamado “kit covid-19”.
Leia também
O @minsaude anunciou uma ação para estimular o cuidado precoce. No início de outubro será realizado o “Dia Nacional da Conscientização para o Cuidado Precoce”, reforçando também a importância de medidas de prevenção da #Covid19. Confira como será a ação: https://t.co/oKO6x1lGAf pic.twitter.com/tEwFIIidB5
— Ministério da Saúde (@minsaude) September 26, 2020
No início da semana, o Estadão divulgou que a pasta planejava distribuir cartazes sobre o “Dia D” em unidades básicas de saúde, além de shoppings, academias e aeroportos. Outra frente de divulgação do tratamento precoce seria uma campanha de mídias sociais endossada por Jair Bolsonaro em sua live semanal. O jornal também apontou que havia orientações para o atendimento no “Disque SUS”.
Após o vazamento da estratégia do “Dia D”, o Ministério da Saúde recuou e adiou a campanha. A pasta afirmou que a ação “está sendo planejada e não tem data de lançamento definida”. O objetivo, diz, “é fortalecer a campanha #NãoEspere e incentivar a prevenção, estimulando os brasileiros a buscar atendimento médico logo nos primeiros sintomas. As medidas são fundamentais para evitar casos graves da doença, internações e óbitos”.
Superfaturamento e ineficácia
Para Daniel Dourado, médico e advogado sanitarista do Núcleo de Pesquisa e Direito Sanitário da USP, a realização da campanha e a insistência do governo na distribuição e uso da cloroquina podem configurar crime de responsabilidade.
“Vejo que a atuação do ministério e do próprio Bolsonaro é de crime de responsabilidade. Porque na lei tem previsão de que violar o direito social previsto na Constituição é crime e a meu ver é isso que eles estão fazendo. Não é um crime tipificado no código penal, mas é um crime político, porque se ele está atuando contra o direito da saúde é possível que seja, por este ponto de vista, mais um ônus político do que propriamente penal, mas juridicamente é possível”, diz.
Lenir Santos, advogada sanitarista e doutora em saúde pública, afirma que “soa estranho” o uso preventivo destes medicamentos. “Tem que ser feitas algumas perguntas. Passou na Conitec? O ministério da Saúde incorporou para uso fora da bula? Teve autorização da Anvisa para isso? O ministério pode promover que se use determinados medicamentos ou isso é papel de médico?”, questiona.
Além de uma nova data, a campanha do ministério pode ganhar outro tom. Sem defender ou orientar pelo uso do kit-covid, a intenção da pasta é sensibilizar médicos para que eles recomendem os medicamentos.
Desde que o governo federal apostou no tratamento com cloroquina como principal forma de combate à pandemia – ignorando as recomendações das autoridades de saúde – o tema entrou em debate no Judiciário e em órgãos de controle. Atualmente, são quatro os principais processos que questionam as ações do governo: três no Supremo Tribunal Federal e um no Tribunal de Contas da União.
Uma das ações no STF é movida pela Confederação Nacional do Trabalhador de Saúde e questiona as orientações do ministério. Sob relatoria de Celso de Mello, o processo deve ser redistribuído para Kassio Nunes, indicado à corte por Jair Bolsonaro, após aposentadoria do decano no próximo dia 13.
“O que pode haver é uma decisão do Supremo proibindo o poder Executivo de fazer essa promoção e divulgação, já que é algo que não faz sentido do ponto de vista científico. Mas agora não sabemos como vai ficar”, pondera.
>Indicado por Bolsonaro ao STF pode herdar processos de interesse do presidente