O presidente Jair Bolsonaro assinou medida provisória (MP 942/2020) que obriga as empresas de telecomunicações a compartilharem dados dos clientes com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Essas informações, de acordo com a MP (veja a íntegra mais abaixo), serão usadas para a produção estatística durante a pandemia de coronavírus. Para o advogado Aphonso Mehl Rocha, consultor nas áreas de compliance, governança e proteção de dados, a proposta afronta a Constituição Federal.
Pelo segundo artigo da medida provisória, as empresas de telecomunicação prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado (STFC) e do Serviço Móvel Pessoal (SMP) serão obrigadas a compartilhar com o IBGE a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas.
“O governo quer transformar o Brasil numa espécie de Big Brother, é a mesma coisa de ter uma câmera seguindo cada indivíduo para saber onde ele esteve o dia todo”, alerta o especialista.
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A medida provisória também determina que os dados sejam “utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares”. O advogado ressalta, entretanto, que o detalhamento dos dados exigidos na MP invade a privacidade do indivíduo. “É preocupante, porque o presidente da República determina que as companhias telefônicas exportem para o IBGE os dados completos dos cidadãos, com os deslocamentos e todos os demais tributos que proporcionam a identificação de cada pessoa”, explica.
Publicidade“Se eu tiver me deslocando por Curitiba, por exemplo, vai aparecer nesse relatório os locais em que eu estive com o dispositivo celular”, exemplifica Aphonso Mehl.
Para o advogado, a MP afronta diretamente a Constituição. O especialista explica que a medida provisória tem força de lei ordinária e não força constitucional, ou seja, uma MP não pode se sobrepor ao que diz a Constituição.
A Carta Magna, em seu artigo quinto, inciso dez, determina que “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”. Na avaliação do especialista, a MP ignora esse artigo constitucional.
A Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), em seu artigo sétimo, afirma que o tratamento de dados pessoais somente poderá ser realizado pela administração pública, para o tratamento e uso compartilhado de dados necessários à execução de políticas públicas previstas em leis e regulamentos, ou ainda, para a tutela da saúde, exclusivamente, em procedimento realizado por profissionais de saúde, serviços de saúde ou autoridade sanitária.
O maior problema, segundo Aphonso Mehl, está no nível de detalhamento exigido na MP. “A medida não preconiza a anonimização da informação”, observa o advogado. Ele explica a diferença da medida de Bolsonaro em relação à aplicada pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB). Em São Paulo o governador recebe, por parte das telefonias, os dados de circulação de pessoas, sem, no entanto, ter acesso à informação de quem saiu de casa.
Já pela MP de Bolsonaro, o governo terá acesso aos dados de cada cidadão, com acesso ao nome, endereço e demais dados pessoais e poderá assim identificar quem saiu de casa, quando e por quanto tempo.
Veja a íntegra da MP:
“DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO
Publicado em: 17/04/2020 | Edição: 74-C | Seção: 1 – Extra | Página: 1
Órgão: Atos do Poder Executivo
MEDIDA PROVISÓRIA Nº 954, DE 17 DE ABRIL DE 2020
Dispõe sobre o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações prestadoras de Serviço Telefônico Fixo Comutado e de Serviço Móvel Pessoal com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, para fins de suporte à produção estatística oficial durante a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:
Art. 1º Esta Medida Provisória dispõe sobre o compartilhamento de dados por empresas de telecomunicações prestadoras do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC e do Serviço Móvel Pessoal – SMP com a Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE.
Parágrafo único. O disposto nesta Medida Provisória se aplica durante a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19),de que trata a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020.
Art. 2º As empresas de telecomunicação prestadoras do STFC e do SMP deverão disponibilizar à Fundação IBGE, em meio eletrônico, a relação dos nomes, dos números de telefone e dos endereços de seus consumidores, pessoas físicas ou jurídicas.
§ 1º Os dados de que trata o caput serão utilizados direta e exclusivamente pela Fundação IBGE para a produção estatística oficial, com o objetivo de realizar entrevistas em caráter não presencial no âmbito de pesquisas domiciliares.
§ 2º Ato do Presidente da Fundação IBGE, ouvida a Agência Nacional de Telecomunicações, disporá, no prazo de três dias, contado da data de publicação desta Medida Provisória, sobre o procedimento para a disponibilização dos dados de que trata o caput.
§ 3º Os dados deverão ser disponibilizados no prazo de:
I – sete dias, contado da data de publicação do ato de que trata o § 2º; e
II – quatorze dias, contado da data da solicitação, para as solicitações subsequentes.
Art. 3º Os dados compartilhados:
I – terão caráter sigiloso;
II – serão usados exclusivamente para a finalidade prevista no § 1º do art. 2º; e
III – não serão utilizados como objeto de certidão ou meio de prova em processo administrativo, fiscal ou judicial, nos termos do disposto na Lei nº 5.534, de 14 de novembro de 1968.
§ 1º É vedado à Fundação IBGE disponibilizar os dados a que se refere o caput do art. 2º a quaisquer empresas públicas ou privadas ou a órgãos ou entidades da administração pública direta ou indireta de quaisquer dos entes federativos.
§ 2º A Fundação IBGE informará, em seu sítio eletrônico, as situações em que os dados referidos no caput do art. 2º foram utilizados e divulgará relatório de impacto à proteção de dados pessoais, nos termos do disposto na Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018.
Art. 4º Superada a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19), nos termos do disposto na Lei nº 13.979, de 2020, as informações compartilhadas na forma prevista no caput do art. 2º ou no art. 3º serão eliminadas das bases de dados da Fundação IBGE.
Parágrafo único. Na hipótese de necessidade de conclusão de produção estatística oficial, a Fundação IBGE poderá utilizar os dados pelo prazo de trinta dias, contado do fim da situação de emergência de saúde pública de importância internacional.
Art. 5º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 17 de abril de 2020; 199º da Independência e 132º da República.
JAIR MESSIAS BOLSONARO
Paulo Guedes”
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