A cobertura da posse presidencial de Jair Bolsonaro, nesta terça-feira (1º), passou para a história do jornalismo político brasileiro como a mais problemática para os profissionais de imprensa. Acesso limitado às autoridades, confinamento desde o início da manhã para uma cerimônia que só começaria no meio da tarde, retirada de poltronas e cadeiras e até restrições para alimentação e uso de sanitários.
Esse foi o cenário encontrado pelos profissionais credenciados para cobrir a posse do novo presidente da República no Congresso, no Palácio do Planalto e no Itamaraty. A precariedade das condições de trabalho resultou em reclamações nas redes sociais e na publicação de notas de repúdio pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais do DF.
A justificativa dos organizadores era a segurança, reforçada este ano devido ao atentado a faca recebido por Bolsonaro durante ato de campanha em Juiz de Fora (MG) em 6 de setembro.
Na prática, porém, a regra não foi a mesma para todos. Enquanto a maioria enfrentava dificuldades para trabalhar, alguns jornalistas de veículos que gozam de boa relação com o novo governo eram vistos circulando tranquilamente entre as autoridades, livres das restrições impostas aos colegas.
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“Um governo que restringe o trabalho da imprensa ignora a obrigação constitucional de ser transparente. Os brasileiros receberão menos informações sobre a posse presidencial por causa das limitações impostas à circulação de jornalistas em Brasília”, protestou a Abraji.
“Confinados desde as 7h, alguns com acesso limitado a água e a banheiros, eles não puderam interagir com autoridades e fontes, algo corriqueiro em todas as cerimônias de início de governo desde a redemocratização do país. A Abraji protesta contra este tratamento antidemocrático aos profissionais que estão lá para levar ao público o registro histórico deste momento”, continuou a entidade.
PublicidadePara o Sindicato dos Jornalistas, a necessidade de garantir segurança ao presidente não justificava medidas tão restritivas. “A forma como está sendo tratada a imprensa já revela como a liberdade de expressão será encarada pelo novo governo e tal fato obriga os sindicatos de jornalistas de todos o país a agirem de forma incisiva em defesa da categoria que assegura a livre circulação de ideias”, disse a entidade por meio de nota.
Relação conflituosa
O início da relação do novo governo com a imprensa tem sido tensa desde a campanha eleitoral, quando Bolsonaro, seus filhos e aliados passaram a acusar jornais e emissoras de persegui-lo com notícias falsas. O novo presidente já afirmou que vai cortar verba publicitária oficial de veículos tradicionais que fizeram críticas ou publicaram reportagens desfavoráveis a ele. Chamado de Pitbull pelo pai, o vereador Carlos Bolsonaro (PSL), que desfilou em carro aberto no Rolls-Royce da Presidência ao lado do novo presidente e da primeira-dama durante a posse ontem, é o principal vocalizador da família das críticas à imprensa.
Diferentemente das posses anteriores, dessa vez os jornalistas não puderam transitar pela Praça dos Três Poderes. O profissional que havia escolhido se posicionar em determinado espaço no Congresso, por exemplo, não poderia circular por outra área, muito menos deixar o prédio.
Pela primeira vez o acesso aos locais de trabalho dos profissionais de imprensa para a cobertura da posse foi feito exclusivamente por ônibus. Para embarcar, os credenciados tinham de comparecer ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) às 7h – ou seja, 8 horas antes do início do evento.
Com cercados, sem maçãs
Aconselhados pelos assessores a levarem lanches, vários jornalistas tiveram alimentos, como água, suco e frutas confiscados. Maçãs, por exemplo, só eram admitidas se estivessem cortadas. Os jornalistas credenciados passaram duas vezes – na saída do CCBB e na chegada ao destino – por detectores de metais.
No Salão Verde da Câmara, onde se posicionou a equipe do Congresso em Foco, um cercado dificultava o acesso às autoridades. Todas as poltronas, idealizadas por Oscar Niemeyer, foram retiradas. O comitê de imprensa foi fechado. Só havia uma maneira de trabalhar com o computador: acomodando-se ao chão. O acesso aos sanitários também foi objeto de reclamações. Funcionários do Congresso chegaram a dizer que o uso de toaletes seria suspenso em determinado horário, em um dos salões, assim que começassem a chegar as autoridades. O transtorno, porém, foi contornado após apelos dos profissionais.
O retorno ao CCBB também foi feito por ônibus em horários estipulados pela organização. Os primeiros veículos começaram a sair por volta das 17h. Os jornalistas que estavam no Congresso foram avisados: quem não saísse no horário, só poderia deixar o prédio depois das 20h, e a pé.
Se as restrições ao trabalho provocaram indignação entre os profissionais brasileiros, quatro jornalistas estrangeiras optaram por uma solução mais radical. No Itamaraty desde as 11h para cobrir um evento que só começaria às 19h, eles decidiram ir embora depois que tiveram suas garrafas de água mineral confiscadas. O grupo disse que não aceitava ficar confinado em um espaço tão pequeno por tantas horas, desistiu da cobertura e pediu para ser levado de volta ao CCBB. Apesar de dizer que ninguém poderia sair do local antes do horário previsto, a organização acabou cedendo.