De Florianópolis, Gabryella Garcia, especial para o Congresso em Foco
Um decreto assinado pelo governador Carlos Moisés (PSL) no dia 1º de junho proíbe a realização de eventos, festas e shows em Santa Catarina até o dia 5 de julho. Porém, nem mesmo o governador tem respeitado as medidas impostas para a contenção da circulação do novo coronavírus. Imagens e vídeos nas redes sociais mostram Moisés descumprindo as recomendações de distanciamento social e participando de uma festa junina em meio à pandemia e à crise política que atinge o Estado.
O evento aconteceu no sábado (6) no hotel Fazenda Park Hotel, localizado no município de Gaspar, e contou com um show do cantor sertanejo Rick, da dupla Rick e Renner. Nas imagens é possível notar uma grande aglomeração de pessoas e, em dado momento, o governador conversa a uma curta distância com outras pessoas, sem a utilização de máscara.
Vídeos e imagens que viralizaram nas redes sociais mostram todos os ingredientes típicos de uma grande festa junina: decoração com bandeiras, comidas típicas, palco montado, fogueira e até a realização de uma quadrilha com direito a casamento.
O estabelecimento, entretanto, negou que o evento em questão se tratava de uma festa. Afirmou que era apenas uma atividade normal que aconteceu durante o jantar e é realizada tradicionalmente nos meses de junho e julho apenas para hóspedes. O estabelecimento disse que respeitou todas as normas do decreto estadual, operando com 50% da ocupação máxima e com um distanciamento seguro entre as mesas.
PublicidadeJá a assessoria do governador afirmou em uma nota enviada ao Congresso em Foco (confira a íntegra abaixo) que Moisés não participou de nenhuma festa junina, apenas estava hospedado no local com sua esposa e, por cortesia, conversou brevemente com algumas pessoas. Também disse que o governador não utilizava máscara por estar no momento de refeição.
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Em nota, o governo do estado afirmou que Carlos Moisés esteve “hospedado em um hotel em Gaspar neste fim de semana” e que “no momento em que o governador jantava, um hóspede que tocava uma música no ambiente mencionou a presença do chefe do Executivo estadual, que passou a ser procurado por outras pessoas em sua mesa e, por cortesia, interrompeu por um momento a refeição e conversou brevemente com algumas delas”.
De acordo com a comunicação, “todas as normas de segurança foram observadas pelo governador, assim como pelo estabelecimento em que ele se hospedou, que respeitou a limitação na ocupação máxima em razão da pandemia.”
Relaxamento do isolamento social
Santa Catarina foi um dos primeiros estados do país a decretar situação de emergência e suspender o funcionamento de atividades não essenciais. No dia 17 de março, quando o Estado contabilizava sete casos do novo coronavírus e confirmou a transmissão comunitária, o decreto foi assinado e passou a valer no dia seguinte.
Entretanto, a medida não durou sequer um mês inteiro. O tom do governador vem mudando a cada entrevista coletiva. No dia 13 de abril, quando eram confirmados 826 casos e 26 mortes, foi autorizada a volta do comércio não essencial e gradativamente a retomada de outras atividades, como a abertura de shoppings no dia 22 de abril. O transporte público coletivo também foi autorizado a voltar a circular nessa segunda-feira (8).
Desde então, o estado passou a ter uma curva ascendente no número de casos confirmados e de mortes mas, mesmo assim, o governador não voltou atrás na retomada das atividades. Em 13 de abril, eram 826 casos de covid-19 e 26 mortes; agora são 11.565 casos e 171 mortes.
Suspeitas de irregularidades
Uma reportagem do The Intercept Brasil do dia 28 de abril revelou que o governo de Santa Catarina adquiriu 200 respiradores para o combate ao coronavírus pelo montante de R$ 33 milhões de uma empresa do Rio de Janeiro sem histórico de vendas desse tipo de aparelho. O valor pago por cada um dos aparelhos foi de R$ 165 mil, bem acima dos R$ 60 mil a R$ 100 mil pagos por outros Estados.
A denúncia resultou na criação de uma CPI para investigar a compra e teve como efeito a demissão dos secretários de saúde, Hélton Zeferino, e da Casa Civil, Douglas Borba. O ex-chefe da Casa Civil inclusive foi preso preventivamente no sábado (6) pela Polícia Civil na segunda fase Operação Oxigênio, que investiga as irregularidades da operação.
O governador Carlos Moisés até o momento não foi ligado ao esquema criminoso mas, o deputado Ivan Naatz (PL), proponente e relator da CPI, deve indicar nesta terça-feira (9) que Moisés seja convocado para esclarecer sua eventual participação na compra dos respiradores e a responsabilidade do governo na crise.
Já em relação aos 200 respiradores, o contrato previa que fossem entregues ao governo até o início de abril. Entretanto, no início do mês de junho, Santa Catarina recebeu apenas 50 aparelhos. Em depoimento à CPI, o atual secretário de Saúde, André Motta, ainda admitiu que os respiradores adquiridos por um valor acima do mercado não servem para o tratamento de pacientes de Covid-19. Motta disse que o governo buscava equipamento para serem utilizados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), mas, os aparelhos modelo Shangrila 510S são úteis apenas para o transporte de pacientes, e não em UTIs.
Pedidos de impeachment
Carlos Moisés surfou na onda bolsonarista para se tornar uma das maiores surpresas das eleições de 2018. Coronel da reserva do Corpo de Bombeiros desde 2016, o atual governador nunca tinha ocupado um cargo político. Dois dias antes das eleições, pesquisa do Ibope mostrava Moisés em quarto lugar na corrida para governador, com apenas 9% das intenções de voto. Mas, prometendo acabar com a corrupção e enxugar a máquina do Estado, além de afirmar ser o “governador de Bolsonaro”, o bombeiro foi eleito com votação histórica de mais de 70% no segundo turno.
Porém, logo após as eleições, as atitudes, escolhas e rumos do governo de Moisés buscavam cada vez mais desvincular sua imagem do presidente Jair Bolsonaro. O resultado foi um racha com a ala estadual bolsonarista do PSL que passou a se posicionar contra o governador. Após a saída de Bolsonaro do partido, Moisés chegou a afirmar que o PSL passaria a ter “a cara do governador”.
A relação azedou de vez durante a pandemia do coronavírus. No dia 18 de abril, o governador assinou, com outros governadores, uma carta aberta de apoio ao presidente do senado Davi Alcolumbre (DEM-AP) e ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no enfrentamento ao coronavírus e contra as declarações de Bolsonaro contra ambos.
Pouco depois, no dia 25, Moisés fez um pronunciamento se dizendo estarrecido com as atitudes de Bolsonaro sobre a pandemia. Em resposta, o presidente afirmou que “esse Carlos Moisés, pelo amor de Deus, Se elegeu no meu nome. Mais um que se elegeu no meu nome. Passou a ser dono do estado, é outro país” e também que o governador tinha “medinho de sair às ruas e pegar o vírus”.
Após o afastamento da imagem do presidente, Moisés se viu sozinho dentro do próprio partido e isolado politicamente. Houve inclusive um desentendimento com sua vice, Daniela Reinehr (sem partido), quando ela compartilhou um tweet da deputada Carla Zambelli (PSL), que criticava a construção de um polêmico hospital de campanha em Santa Catarina. O governador respondeu classificando a atitude de sua vice como “lamentável”.
As críticas eram em relação ao elevado custo da obra, R$ 76 milhões, e também questionavam a lisura do processo licitatório. O Ministério Público a analisou o contrato e, posteriormente, foi cancelado pelo governo.
Sufocado pela Assembleia Legislativa, sem o apoio de nenhum deputado estadual e em meio a CPI dos respiradores, Moisés acumula cinco pedidos de impeachment desde o mês de janeiro.
O primeiro foi protocolado em janeiro, pelo defensor público Ralf Zimmer devido a concessão de aumento salarial para os procuradores do Estado, equiparando os vencimentos aos procuradores da Assembleia. O pedido embasado na prática do crime de responsabilidade foi arquivado em fevereiro, mas no mês de maio recebeu uma representação do deputado Ivan Naatz (PL) e foi novamente encaminhado para análise da Procuradoria Jurídica da Alesc, configurando o segundo pedido.
Em abril, dois outros pedidos foram protocolados por advogados do Movimento Direita Floripa. Os documentos se fundamentam nos decretos restritivos em função do novo coronavírus, alegando restrição ao funcionamento de setores da economia e contestando a instalação de um Hospital de Campanha em Itajaí, no litoral.
Após a instalação da CPI dos respiradores, foi protocolado em maio o último dos cinco pedidos de impeachment. De autoria dos deputados Maurício Eskudlark (PL), que é ex-líder do governo, e da deputada Ana Campagnolo (PSL), o pedido se fundamenta em três crimes de responsabilidade que teriam acontecido desde o início da pandemia. Restrição do direito de ir e vir dos cidadãos em função da quarentena imposta, a compra de 200 respiradores superfaturados e a instalação de um Hospital de Campanha na cidade de Itajaí. Por enquanto, todos os pedidos aguardam o parecer da Procuradoria Jurídica.
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