Pesquisa feita pelo Painel do Poder, ferramenta criada pelo Congresso em Foco para monitorar de forma sistemática as percepções e os humores daqueles que realmente mandam na Câmara e no Senado, indica que apenas 23% das lideranças entrevistadas apostam que a articulação de Bolsonaro com o Congresso será melhor do que a feita por Michel Temer em 2018. Entre os 16 itens aferidos, só dois causam mais pessimismo aos entrevistados: os direitos humanos e a política externa. O otimismo dos líderes em relação ao novo governo recai sobre a economia, com a elevação da confiança do mercado, o combate à corrupção e a segurança pública.
Parte da desconfiança dos líderes em relação à capacidade de atuação do governo Bolsonaro junto ao novo Congresso decorre das fragilidades demonstradas pela equipe de transição, da inexperiência política de vários ministros, dos embates entre os filhos do presidente eleito e integrantes do núcleo político do governo e da disputa interna de poder dentro do PSL.
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Mas pode ser creditada também às incertezas sobre o novo modelo de negociação imposto por Bolsonaro, que prioriza as conversas com as bancadas setoriais – como a ruralista, a evangélica, a da bala, entre outras – e deixa as cúpulas partidárias em segundo plano. Eventuais erros na articulação política podem ser fatais às pretensões do novo presidente. Da reforma da Previdência, considerada essencial para trazer confiança ao mercado e destravar os investimentos, ao novo sistema tributário, reivindicado pelo setor produtivo, às privatizações de bancos e outras estatais, praticamente tudo necessitará do aval do Parlamento.
Com maioria na Câmara e próximo de alcançar essa base no Senado, Bolsonaro tem recebido mensagens de que a oposição está disposta a dar uma trégua em 2019. “A lua de mel entre o Bolsonaro e o país, incluindo o Congresso, vai ser mais longa do que o normal”, avalia o deputado Júlio Delgado (PSB-MG), que articula uma frente de oposição sem o PT. Para ele, o país está cansado das crises econômica, política, social, institucional e moral e dos desacertos dos governos petistas e tende a ter imensa boa vontade com o novo governo.
O novo presidente assume cercado de otimismo pela população. Segundo pesquisa Datafolha divulgada nesta terça (1º), 65% acham que o governo Bolsonaro será ótimo ou bom —percentual maior que seu índice de vitória no segundo turno (55% dos votos válidos).
Por esse cenário favorável, os principais adversários do novo presidente neste início de governo aparentam estar mesmo ao lado de Bolsonaro, como mostra a reportagem de capa da nova edição da Revista Congresso em Foco.
Os militares – que formam o grupo mais profissional e coeso da equipe de transição – têm feito o contraponto aos ruídos do entorno de Bolsonaro. Possuem boa preparação técnica e conhecem a máquina pública. Não mostram divergências em público, mas de maneira reservada identificam potenciais focos de crise em postos-chave do governo. Um deles é o superministro da Economia, Paulo Guedes. Dono de uma carreira de sucesso na iniciativa privada, o economista nunca ocupou um cargo público e já deu demonstrações de pouca habilidade política e pavio curto.
No período de transição, respondeu de maneira grosseira a uma jornalista argentina que o Mercosul não era “prioridade”, defendeu que a população desse uma “prensa” no Congresso para que os parlamentares aprovassem a reforma da Previdência e recebeu uma reprimenda do presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), após um encontro em que demonstrou, segundo o senador, arrogância e desconhecimento sobre o Legislativo.
O economista também já entrou em colisão com o novo ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM), a quem sugeriu que não comentasse assuntos econômicos. Coordenador da transição, Onyx é outro que aflige o núcleo militar em suas avaliações internas. A mais dura crítica contra ele é que lhe faltaria talento para negociar.
Onyx e Paulo Guedes também convivem com fantasmas de investigações. O primeiro é suspeito de receber R$ 100 mil em caixa dois da JBS em 2012. Já o superministro da Economia é alvo de um inquérito da Polícia Federal que apura o envolvimento dele em eventuais desvios milionários de recursos de fundos de pensão. A repetição desse tipo de denúncia contra ministros enfraquece o discurso de tolerância zero contra a corrupção que ajudou a turbinar a campanha de Bolsonaro. “Eu sou réu no Supremo Tribunal Federal. E daí?”, questiona o presidente eleito, alvo de processo por apologia ao estupro no caso da deputada Maria do Rosário (PT-RS).
Outro fator de instabilidade do governo está na combinação explosiva de vaidade, inexperiência política e ambições pessoais dentro do partido do próprio presidente. Dos 52 deputados eleitos pelo PSL, 47 são estreantes no Congresso. Muitos deles sequer ocuparam um cargo público antes, mas são conhecidos pela capacidade de comprar brigas. A disputa interna pelo poder vazou do grupo de WhatsApp para as páginas de sites e jornais no início de dezembro e expôs uma bancada ainda pouco coesa.
De estilingue a vidraça
Antes mesmo da posse, o presidente eleito tem sido cobrado a explicar transações financeiras no valor de R$ 1,2 milhão de um amigo militar, ex-assessor de seu filho Flávio Bolsonaro (PSL) na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, considerada atípica pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf). O ex-subtenente da Polícia Militar Fabrício José de Carlos Queiroz depositou pelo menos R$ 24 mil em uma conta de Michelle Bolsonaro, esposa do presidente eleito.
O presidente diz que o valor repassado para a conta da mulher era, na verdade, pagamento de uma parcela de um empréstimo de R$ 40 mil feito por ele a Queiroz. O Coaf identificou repasses de outros oito auxiliares do deputado estadual e senador eleito para a conta do subtenente, além de saques também considerados atípicos pelos valores e pela frequência. Depois de faltar a dois depoimentos no Ministério Público, Queiroz deu entrevista ao SBT em que atribuiu suas movimentações financeiras à compra e venda de carros, mas deixou uma série de lacunas. “Esse negócio de caixa dois, de laranja, de mim ele nunca foi”, disse o novo presidente em entrevista à Record nessa segunda (31).
Os outros dois filhos de Bolsonaro também preocupam os militares por suas exposições públicas. Reeleito com a maior votação da história, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) admitiu em conversa vazada do WhatsApp aquilo que o pai havia negado peremptoriamente à imprensa: a informação de que estava articulando contra a reeleição de Rodrigo Maia (DEM-RJ) na Câmara. Oficialmente Bolsonaro diz que não se envolverá na disputa pelo comando das casas legislativas.
Considerado fundamental na eleição do pai, Carlos Bolsonaro deixou o comando das redes sociais do presidente eleito no meio do governo de transição após se desentender com o futuro ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gustavo Bebianno. Dias depois o vereador bateu boca pelo Twitter com um deputado federal eleito pelo PSL da Paraíba integrante da equipe de transição, a quem acusou de tentar crescer à sombra do pai. Em mensagem enigmática, escreveu que a morte de Bolsonaro interessava a pessoas que “estavam perto”, “principalmente após a posse”.
Bomba fiscal
O receio do núcleo dos ministros militares é de que o ambiente interno do governo contamine o andamento da pauta econômica e o rearranjo das contas públicas. Segundo informou o Ministério do Planejamento à equipe de transição, em menos de cinco anos (de dezembro de 2013 a junho de 2018) a dívida bruta subiu de 51,5% para 77,2% do PIB. Quase 95% das despesas primárias (que excluem juros) são obrigatórias. Gastos previdenciários e de assistência social consomem mais da metade delas.
Tal peso e o progressivo envelhecimento da população, reduzindo as contribuições de quem está na ativa e elevando os custos de uma massa crescente de aposentados, explicam por que é vital mudar a Previdência Social. Mas convencer parlamentares a bancar o desgaste eleitoral da reforma, sem as compensações do “toma lá, dá cá”, é outro desafio que o presidente eleito terá de superar.
O tamanho da base parlamentar de Bolsonaro ainda é uma incógnita. Por priorizar as negociações com as bancadas setoriais, os partidos têm evitado declarar apoio oficial ao novo governo. Levantamento feito pela Revista Congresso em Foco aponta uma base formada por ao menos 288 deputados, número que pode chegar a 300 com os indefinidos. A oposição deve largar com 138 nomes. Outros 75 devem manter, ao menos no início, o discurso de independência.
No Senado, o governo soma 33 votos, ante 25 da oposição, 12 independentes e 11 indefinidos. Os votos ainda não são suficientes para formar maioria simples necessária para aprovação de projetos de lei. O PSL, de Bolsonaro, só terá três cadeiras na Casa, o que reforça a necessidade de maior diálogo com os senadores.
Por causa desse cenário, o presidente eleito já admitiu que vai propor uma reforma da Previdência fatiada para reduzir a resistência no Congresso. A primeira proposta, adiantou, deve fixar idade mínima de aposentadoria para todos os trabalhadores, o que exige mudança constitucional (apoio de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos de votação).
Mudanças em fatias
Outras medidas importantes defendidas pelo novo governo também dependem de mexida na Constituição. Paulo Guedes adiantou que vai propor a desindexação de parte das despesas públicas (saúde, educação, benefícios previdenciários) para dar mais agilidade dentro do orçamento para realocar gastos conforme a necessidade do governo.
Bolsonaro ainda não bateu martelo sobre a proposta de reforma tributária que defenderá no Congresso, mas quer simplificação e unificação de impostos federais, o que também precisará de maioria constitucional. A mesma exigência há em relação à revisão do pacto federativo, que pretende repassar recursos e obrigações para estados e municípios, tirar da falência alguns entes federados e incrementar políticas prioritárias, como segurança e educação. A área fiscal tem outras pautas importantes e polêmicas, como as privatizações, que dependem da maioria simples das duas casas legislativas.
Segurança e corrupção
Escolhido para chefiar o Ministério da Justiça e da Segurança Pública, Sérgio Moro – que abandonou a carreira de juiz federal e os processos da Lava Jato para aceitar o cargo – será o responsável pela consolidação das propostas que serão enviadas ao Legislativo nessas duas áreas. Uma delas deverá ser a inclusão explícita na Constituição da possibilidade de prisão após condenação criminal em segunda instância, hoje sujeita à interpretação do Supremo Tribunal Federal.
Moro também concorda em endurecer as normas para a prescrição de crimes. Demonstrou preocupações de caráter constitucional e técnico com outras propostas tradicionais de Bolsonaro e da bancada da bala, como a flexibilização do Estatuto do Desarmamento e o fim das audiências de custódia (que obrigam a autoridade policial a apresentar em até 24h ao juiz os presos em flagrantes, para que seja examinada a legalidade da prisão). E se mostrou contrário a benefícios legais em favor de policiais que cometem atos ilícitos em serviço, como pregou Bolsonaro na campanha.
Trunfo maior do novo ministério, Sérgio Moro acena com uma gestão profissional, na qual pretende implementar boa parte das “70 medidas de combate à corrupção” elencadas pela Transparência Internacional e pela FGV. Um experiente deputado da base de Bolsonaro não vê razão para os parlamentares temerem Moro: “Não creio que Moro vá perseguir políticos quando ele pode se aliar ao Congresso para mudar as leis e fazer uma revolução na segurança e prevenção da corrupção. Moro não é problema, é solução”.
Pauta cultural e moral
Contra a “doutrinação de esquerda e a ideologia de gênero”, Escola Sem Partido. Contra o aborto, que o projeto transforma em crime hediondo, e contra a pesquisa de célula-tronco, o Estatuto do Nascituro. Contra os direitos homoafetivos e os novos padrões de organização familiar, o Estatuto da Família.
Essas são algumas propostas da bancada evangélica incorporadas por Bolsonaro. Várias dessas proposições são encampadas por católicos conservadores. E certamente elevarão a temperatura dos debates na próxima legislatura. Para assessores envolvidos na transição, é uma agenda necessária, mas que só deve se tornar prioridade depois de aprovadas as medidas econômicas mais urgentes. Não fazê-lo pode trazer de volta o clima tóxico da campanha eleitoral e inviabilizar a pauta econômica, alertam.
Eleições 2019, o terceiro turno
A primeira prova de fogo para Jair Bolsonaro no Congresso tem data marcada: 1º de fevereiro, quando serão eleitos os novos presidentes do Senado e da Câmara. A vitória de aliados é fundamental para as pretensões do presidente eleito de levar adiante sua pauta legislativa.
Em geral, presidente da República não declara apoio oficial a nenhum candidato sob o pretexto de não interferir na autonomia do Legislativo, mas trabalha nos bastidores para emplacar os nomes da sua confiança. Bolsonaro ainda busca esses nomes.
Já deixou claro que não apoiará um quarto mandato de Renan Calheiros (MDB-AL) na presidência do Senado. Cabo eleitoral de Haddad em 2018, Renan é visto com desconfiança por suas ligações com adversários do novo governo, pelas graves acusações criminais a que responde e pela associação com a política de coalizão baseada no toma lá dá cá, que Bolsonaro se comprometeu a abandonar.
Não há igual hostilidade em relação ao atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que apoiou o capitão do PSL no segundo turno. Maia defende a pauta econômica governista e tem se esmerado em receber deputados na residência oficial, em almoços e jantares. Sua candidatura, porém, enfrenta oposição na base bolsonarista.
Um dos nomes que despontam é o do deputado João Campos (PRB-GO), já formalmente lançado pelo seu partido e informalmente pela bancada evangélica, frente parlamentar que será mais forte na próxima legislatura. Eleito para o quinto mandato, é um parlamentar experiente e integra outras duas poderosas bancadas da Câmara, a ruralista e a da bala, que se confundem com a base do bolsonarismo no Congresso. Defende uma agenda que em grande medida coincide com a do presidente eleito. Outro nome que ganhou força nos últimos dias foi o do atual vice-presidente da Casa, Fábio Ramalho (MDB-MG), conhecido como um dos líderes do chamado baixo clero.
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