Por Fábio Lobato* e Luan Madeira**
Muito se fala sobre a chegada do 5G no Brasil e os leilões de radiofrequências previstos para 2021. O cenário político que permeia esse advento e suas eventuais consequências político-econômicas são temas em alta. Inevitavelmente, da mesma forma, as questões internacionais que envolvem disputas comerciais entre China e Estados Unidos e a possibilidade do banimento da empresa chinesa Huawei também vêm ganhando protagonismo.
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A decisão final sobre a possível participação da Huawei, no que tange à implementação de infraestrutura para o 5G no Brasil, ficará a cargo do chefe do Poder Executivo, o Presidente Jair Bolsonaro. E aqui cabe uma questão: e o Poder Legislativo? Como deputados e senadores poderão atuar nesse processo que atrai tanta atenção da sociedade?
Este artigo pretende destrinchar as possibilidades de ações que o Congresso brasileiro poderá desempenhar nesse imbróglio e avaliar como o parlamento poderá influenciar na tomada dessa importante decisão.
Bom, vamos do começo.
PublicidadeOs leilões brasileiros de 5G vêm sendo tratados como os maiores e mais importantes leilões de radiofrequência já realizados no país devido à quantidade de espectro que será oferecido.
Apesar do linguajar técnico complicado, a importância dos leilões vai além de seu tamanho. No caso das redes de aplicação privada (que também podem ser impactadas pelo banimento da Huawei), a chegada da tecnologia 5G no Brasil deve permitir que o país acelere a digitalização de sua economia, finalmente expandindo pelo território nacional aquilo que é comumente chamado de Indústria 4.0 – baseada em dispositivos de Internet das Coisas (IoT) e inteligência artificial, dentre outras tecnologias disruptivas. Isso só será possível com a nova geração de rede móvel, que aumentará consideravelmente a velocidade de conexão e a cobertura de sinal pelo país, tudo com uma latência – ou tempo de resposta – baixíssima. Não é à toa que especialistas de todo o mundo se referem ao 5G como uma nova revolução tecnológica.
Não é surpresa, porém, que uma tecnologia com tamanha capacidade disruptiva seja cercada de polêmicas e disputas, sejam elas técnicas, comerciais ou políticas. Atualmente, o 5G se encontra no cerne daquilo que muitos especialistas têm chamado de “a nova Guerra Fria”. O epicentro desta disputa é a Huawei, empresa chinesa de tecnologia que vem sendo acusada pelo presidente americano Donald Trump de se valer de sua presença na infraestrutura de telecomunicações de diversos países para praticar crimes contra a propriedade intelectual e sem garantir a devida proteção dos dados. Tais acusações têm feito governantes do mundo inteiro questionarem se devem ou não permitir que a Huawei participe de sua infraestrutura de 5G. Com um mercado com mais de 200 milhões de aparelhos celulares, era de se esperar que o Brasil se tornasse um dos principais campos dessa batalha.
Se, por um lado, o governo Bolsonaro pretende manter seu alinhamento com o governo americano e continuar contando com o apoio da maior potência mundial em todas as instâncias possíveis; por outro, não pode gerar desgastes com os chineses ao ponto de provocar retaliações do principal parceiro comercial do Brasil. De janeiro a agosto de 2020, a China foi destino de 34% das exportações brasileiras, com um total de US$ 47,3 bilhões, um aumento de 14% comparado ao mesmo período de 2019 (mesmo em tempos de pandemia!). O segundo colocado é justamente os Estados Unidos que, de janeiro a agosto de 2020, importaram do Brasil, US$ 13,4 bilhões (9,7% do total), bem menos que os chineses, mas com uma pauta recheada de valor agregado frente às comodities que vão para a China.
Uma verdadeira sinuca de bico, não é?
Pois bem.
Recentemente, em uma live, Bolsonaro deixou claro que a decisão será, unicamente, dele. Disse que pretende ouvir outras autoridades de seu governo, e até de outros países, sobre temas ligados à soberania nacional, inteligência e espionagem antes de fechar seu veredito. Mas frisou que a responsabilidade será totalmente sua.
Um ponto que pode aliviar a tensão para Bolsonaro e facilitar sua decisão a favor da Huawei, se ele assim entender, seria uma derrota de Trump nas eleições deste ano. A chegada do democrata Joe Biden pode arrefecer a resistência dos EUA à empresa chinesa. Mais um motivo para Bolsonaro ter adiado sua decisão para o próximo ano. Esse será mais um ingrediente dessa mistura, mas que só será adicionado, ou não, em novembro.
Bom, feita esta introdução, chegamos agora em nosso ponto chave: como o Congresso Nacional poderá participar dessa importante decisão sobre o 5G brasileiro? Listamos aqui algumas formas que o Poder Legislativo terá de influenciar nessa questão.
Presidência da Câmara dos Deputados
Em 2021, haverá a eleição de um novo presidente para a Casa. Presumindo-se que a PEC 33/2020 não avance, cenário mais lógico, o atual presidente Rodrigo Maia não poderá se reeleger e teremos um novo chefe já a partir de fevereiro de 2021. Caso tal presidente não concorde com o desfecho dado à Huawei por Bolsonaro, ele poderá apoiar maiores discussões sobre o tema. Além disso, como retaliação e com consequências piores para o Executivo, poderá também colocar em xeque a tramitação de pautas valiosas para o governo, como as reformas tributária, administrativa, dentre outras. Uma negociação entre os poderes será essencial.
Presidências das Comissões Temáticas na Câmara dos Deputados e no Senado Federal
Da mesma forma, as comissões da Câmara e do Senado terão novas composições e novos presidentes em 2021, responsáveis por pautar os temas que serão discutidos em cada reunião. Presumindo-se um revezamento dos partidos nas presidências, é possível que a nova leva não seja tão alinhada ideologicamente ao governo, o que aumentaria a chance de conflitos. Na Câmara, destacamos três comissões que possuem ligação com o tema do 5G: Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional (CREDN), e Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços (CDEICS). Já no Senado, destacamos outras três comissões: Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE), Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), e Comissão de Serviços de Infraestrutura (CI). Debates mais profundos sobre o futuro do 5G poderão ocorrer no âmbito de tais comissões, culminando até em uma possível convocação (quando a presença é obrigatória) de Ministros de Estado para prestarem esclarecimentos sobre o tema.
Projeto de Decreto Legislativo (PDL)
O PDL tem a tramitação de um projeto de lei comum, proposto por qualquer parlamentar, tramitando em comissões e levado ao debate final no Plenário das Casas – quando necessário. Sua especificidade está em seu objetivo, que é sustar Atos Normativos do Poder Executivo. Aqui caberia, possivelmente, a derrubada de um ato do presidente Bolsonaro sobre a participação (ou não) da empresa Huawei no 5G do Brasil, podendo culminar na sustação do ato da Presidência. Caso um veto à participação da empresa na infraestrutura de 5G seja derrubado pelo Congresso Nacional, isso deverá ser lido como uma clara resposta política à decisão do Presidente, o que poderá levar ao acirramento das relações entre os poderes Legislativo e Executivo. Neste cenário, o Congresso assumiria um papel de protagonista na condução do tema no País.
Frente Parlamentar
Os deputados e senadores interessados na discussão poderão, mediante assinaturas, solicitar a criação de uma Frente Parlamentar focada no 5G para incrementar o debate sobre o tema. Tal frente teria a prerrogativa de gerar discussões no âmbito das comissões, solicitar informações ao Poder Executivo, promover eventos e reuniões, e até propor projetos de lei relacionados ao tema. Na prática, Frentes Parlamentares tendem a ter atuação irrisória, a menos que os parlamentares com elas envolvidos tenham real interesse no tema. De maneira geral, porém, a criação de uma Frente Parlamentar serviria como um bom termômetro para verificar o interesse e o posicionamento do Congresso Nacional em relação aos leilões do 5G brasileiro, representando, dessa forma, importante ferramenta para a condução das políticas públicas relacionadas ao tema. Quanto mais atuante for esta frente, maiores chances de modificar as políticas do Executivo.
Audiências Públicas
A fim de prestar esclarecimentos formais, poderão ser aprovados, no âmbito das comissões, pedidos para que representantes do Poder Executivo (incluindo Ministros) se pronunciem sobre as decisões de suas pastas. Tais pedidos, como já comentado, podem ser “convites” (quando podem ser delegados a outros representantes do ministério) ou “convocações” (casos em que uma ausência injustificada do Ministro pode culminar em crime de responsabilidade) – cenário este que, independentemente do tema, representa uma derrota para o Poder Executivo e o desprestígio dos Ministros convocados. As audiências públicas, assim como as Frentes Parlamentares, podem ser entendidas como importantes instrumentos para se averiguar o interesse dos parlamentares acerca de um tema. Não só isso, mas os deputados e senadores são livres para convidar qualquer pessoa que entenda do tema para se pronunciarem no Congresso, fornecendo um importante espaço para que a sociedade civil, empresas e outros stakeholders se manifestem a respeito das políticas de 5G propostas pelo Poder Executivo.
Comissão Geral
Por meio de Requerimento apresentado por qualquer parlamentar, os plenários das Casas transformam-se em uma Comissão Geral para debates de assuntos relevantes ou projetos de lei de iniciativa popular. A diferença entre os debates ocorridos durante a votação de matérias e a comissão geral é que, nessas ocasiões, além dos deputados, são convidados a falar representantes da sociedade relacionados ao tema debatido. Tal situação configuraria uma enorme exposição do tema 5G no Brasil, aumentando, ainda mais o debate político sobre o tema e a pressão no Poder Executivo.
O Barão de Montesquieu (1689-1755), influenciado por Locke, deixa claro que a autonomia do Poder Executivo possui limites. Sua Teoria da Separação dos Poderes, conhecida também como Sistema de Freios e Contrapesos, é lembrada no artigo 2º da nossa Constituição Federal, que diz: “São Poderes na União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”. Tal harmonia, neste tópico, é fundamental.
O presidente Jair Bolsonaro deverá revisitar as valiosas lições de Montesquieu para que seus planos para o 5G no Brasil tenham o debate fluido que se faz necessário. O Poder Legislativo (assim como o Judiciário) cumprirá seu papel de fiscalizar a condução deste assunto. Eventuais atrasos e barreiras em sua implementação, por conta de um excesso de protagonismo do Executivo, poderão deixar um enorme prejuízo para a sociedade brasileira, que não pode mais esperar pelo início da implementação desta tecnologia no Brasil.
*Fábio Lobato é Gerente na BMJ Consultores Associados. Possui oito anos de experiência no Poder Executivo Federal, onde atuou como Analista Técnico no Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC), acumulando passagens pela Assessoria Internacional do Gabinete do Ministro, Secretaria de Inovação e Novos Negócios e Secretaria de Comércio Exterior. Fábio é graduado em Comunicação Social pela Universidade de Brasília (UnB) e pós-graduado em Gestão de Negócios pela Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). Em 2008, frequentou o Summer Course (Marketing) na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Atendeu, também, a cursos de extensão em Relações Governamentais pelo Insper-SP e pela Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (ABRIG).
**Luan Madeira é consultor da BMJ na área de Relações Governamentais nas equipes de Portos e de Tecnologia da Informação e Comunicação. Antes de integrar a equipe, foi estagiário do Ministério das Relações Exteriores no Departamento de Energia (DE). Formado em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), focou sua graduação em estudos sobre o Oriente Médio, chegando a participar do Centro de Estudos do Oriente Médio (CEOR) do Instituto de Relações Internacionais (IREL) da UnB. Atualmente, faz MBA em Regulação na Fundação Getúlio Vargas.
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