Imagine a página de um veículo noticioso que, a pouco mais de dois meses da eleição para presidente da República, não possa mencionar os nomes de “Jair Bolsonaro” e “Lula“, principais postulantes ao cargo.
Ou na qual esteja vedado o uso de termos como “Congresso”, “abuso sexual“, “presidente da Caixa Econômica“, “cloroquina“, “covid“, “Marielle Franco“, “Paulo Guedes“, “Regina Duarte“, “Itamaraty”, “fake news“, “Amazônia”, Felipe Neto, “ditadura militar“, “Flávio Bolsonaro“, “Sergio Moro” e “Dom Philips“.
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Todas essas palavras e dezenas de outras, num total de 239 termos, constam de uma lista de expressões proibidas pela Caixa Econômica Federal. Ou seja: nenhuma delas pode aparecer em uma página na qual seja exibido anúncio da Caixa. Nos meios publicitários, esse tipo de relação é chamada de “blocklist” (do inglês lista de bloqueio). É um expediente usado por vários anunciantes para evitar que sua marca seja associada a determinados temas, tais como pornografia, acidentes graves, violência ou terrorismo. O que profissionais da área não estão acostumados a ver é um índex tão abrangente.
As agências que atendem a Caixa também foram instruídas a punir os veículos que desrespeitam a regra abatendo valores a pagar, suspendendo a campanha publicitária ou aplicando outras sanções, não especificadas pelas agências. “Isso mostra que a Caixa virou um instrumento cada vez mais do governo, e não de Estado”, afirma o cientista político André Pereira César.
“É um órgão do Bolsonaro. O ex-presidente Pedro Guimarães, desde o início da sua gestão, mostrou ser um agente dessa filosofia”, completa André. Um dos mais assíduos participantes das famosas lives de quinta-feira de Bolsonaro, Pedro Guimarães perdeu o emprego após ter sido acusado por servidores e servidoras da Caixa de fazer espionagem política de funcionários e promover uma cultura de assédio moral e sexual.
Para o cientista político, o fato de o índex da Caixa conter nomes do governo e da oposição não confere qualquer isenção ao tipo de controle editorial buscado pela estatal. “Temos duas vertentes. De um lado, a ideia é não mencionar o adversário ou antigos aliados que viraram desafetos; e do outro é impedir a provocação de Jair Bolsonaro, de sua família e de seus aliados no governo”, disse.
Veja quais são os 239 termos proibidos:
Contra liberdade de expressão
O senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, reagiu com espanto às exigências feitas pela Caixa: “Isso é um cerceamento completo da liberdade de expressão. Não é possível uma instituição jornalística não abordar temas que mantenham relação com esses termos e essas pessoas. É inaceitável”.
Humberto Costa adiantou que considera o fato tão grave que vai acionar a liderança da oposição no Senado para estudar possíveis medidas contra o procedimento adotado pelo governo federal. Na Câmara, o líder da minoria, Alencar Santana Braga (PT-SP), também criticou: “Essa lista não tem sentido. O que de fato se quer ali é usar dinheiro público para autopromoção, fazendo ao mesmo tempo uma censura e o controle da imprensa. O que o governo tenta é impedir que se fale do processo político e assim evitar que se faça crítica”.
A vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Regina Pimenta, ressaltou o caráter autoritário da prática seguida pelo governo: “Quando a Caixa Econômica Federal define que vai debitar do investimento publicitário contratado junto ao veículo valores correspondentes a matérias que citem expressões ‘proibidas’, pratica censura, o que é inaceitável em regimes democráticos”.
De acordo com o advogado Christian Thomas Oncken, a prática viola a Constituição: “Temos uma restrição à liberdade de informação jornalística, uma censura. O artigo 220 do texto constitucional diz que nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, e também veda toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística”.
Resposta da Caixa
O Congresso em Foco desde quinta-feira (28) tentava obter da Caixa esclarecimentos sobre a sua conduta. A resposta só foi enviada após a publicação da reportagem. Confira a íntegra da resposta da estatal:
“A CAIXA esclarece que a medida mencionada é uma prática de mercado que visa tão somente a isenção e proteção da marca, preservando a imagem da instituição ao realizar sua inserção em conteúdos aderentes às estratégias mercadológica e negocial do banco e ao seu planejamento de marketing.
Destacamos que medidas de preservação da marca também constam em cartilha da Controladoria Geral da União (CGU) de “Boas Práticas Aplicáveis à Utilização pela Administração Pública Federal”, que orienta a adoção de “Brand Suitability” quando essa exposição ocorre em contextos e conteúdos inadequados, abrangendo inclusive temas relacionados à política.
Ressaltamos, por fim, que a contratação de mídia publicitária é intermediada pelas agências de propaganda contratadas, conforme previsão contratual e o disposto na lei nº 12.232, de 29 de abril de 2010.”
Acionamos posteriormente a Secretaria Especial de Comunicação Social (Secom) do governo federal. Cabe ao órgão, vinculado ao Ministério das Comunicações, disciplinar e autorizar toda a publicidade feita pela administração direta e indireta da União. Não recebemos resposta da Secom até o momento.