Depois de horas de informações desencontradas, o governo brasileiro confirmou que o italiano Cesare Battisti seguirá diretamente da Bolívia, onde foi preso nesse sábado (12), para a Itália, onde cumprirá sua pena. A Polícia Federal chegou a enviar um avião para buscá-lo. A aeronave, porém, voltará para casa sem ele. Ele foi entregue a autoridades italianas no início desta noite (horário de Brasília) no aeroporto de Viru Viru, em Santa Cruz de la Sierra.
“O Brasil ofereceu facilitar o embarque pelo território nacional e devido à urgência foi encaminhada uma aeronave da Polícia Federal brasileira à Bolívia. No entanto, optou-se pelo envio direto do prisioneiro à Itália”, diz nota conjunta dos ministérios da Justiça e Segurança Pública e das Relações Exteriores, sem detalhar os motivos.
“O governo brasileiro se congratula com as autoridades bolivianas e italianas e com a Interpol pelo desfecho da operação de prisão e retorno de Battisti à Itália. O importante é que Cesare Battisti responda pelos graves crimes que cometeu. O Brasil contribui assim para que se faça justiça”, acrescenta o texto.
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Desencontro de informações
Pela manhã, o ministro do Gabinete da Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que Battisti seria trazido para o Brasil porque o avião italiano não tinha autonomia de voo para levá-lo diretamente.
PublicidadeHoras depois o premiê Giuseppe Conte afirmou, por meio do Facebook, que Battisti seria levado diretamente de Santa Cruz de la Sierra, umas das cidades mais importantes da Bolívia, para Roma.
“Estamos satisfeitos com esse resultado que nosso país espera há muitos anos”, escreveu o primeiro-ministro, que também agradeceu ao presidente Jair Bolsonaro e autoridades bolivianas. A previsão é que o avião chegue no começo da tarde desta segunda-feira (14) a território italiano. Deverá cumprir sua pena em um presídio nos arredores de Roma.
Foragido desde dezembro, Cesare Battisti é preso pela Interpol
🇧🇷🇮🇹 pic.twitter.com/96vsA5Gm0V
— Jair M. Bolsonaro (@jairbolsonaro) 13 de janeiro de 2019
Extradição
Condenado à prisão perpétua na Itália sob acusação de ter participado de quatro assassinatos na década de 70, Battisti era considerado foragido no Brasil desde 14 de dezembro, quando o então presidente Michel Temer autorizou sua extradição para a Itália.
A extradição do italiano era uma das bandeiras do presidente Jair Bolsonaro. Neste domingo (13), pelo Twitter, o presidente comemorou a captura do fugitivo e fustigou o PT, partido que deu apoio a ele em sua passagem pelo Brasil. “Parabéns aos responsáveis pela captura do terrorista Cesare Battisti! Finalmente a justiça será feita ao assassino italiano e companheiro de ideais de um dos governos mais corruptos que já existiram do mundo (PT).”
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Duas semanas antes da posse de Bolsonaro, Temer assinou o decreto de extradição, um dia depois de o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, autorizar a prisão do italiano, considerado terrorista pela Justiça de seu país de origem, e ativista por seus defensores na esquerda.
Ele vivia em liberdade no Brasil desde o início de 2011, meses após o ex-presidente Lula ter vetado, no último dia do seu segundo mandato, sua entrega às autoridades judiciais da Itália. Um novo pedido de extradição foi reapresentado no governo Temer.
Além do premiê, o ministro do Interior italiano, Matteo Salviani, líder de um partido de extrema-direita, agradeceu a Bolsonaro pelo apoio. “[Battisti] não merece uma vida confortável na praia, mas terminar seus dias na prisão”, declarou.
Imagens divulgadas pela Polícia italiana mostram Battisti andando em uma rua de Santa Cruz de la Sierra momentos antes de ser preso. Ele usava óculos escuros e barba postiça, portava documentos brasileiros.
🎥 #CesareBattisti ripreso poco prima della cattura
Team di poliziotti #Criminalpol #Antiterrorismo e #Digos Milano con collaborazione intelligence italiana lo hanno pedinato fino all’arresto da parte dela polizia boliviana @INTERPOL_HQ pic.twitter.com/adBu9iRvX2— Polizia di Stato (@poliziadistato) 13 de janeiro de 2019
Anos de chumbo
Terrorista, de acordo com a Justiça e outras autoridades da Itália; ativista político, segundo seus defensores na esquerda, Battisti virou um dos assuntos mais populares e controversos enfrentados pela diplomacia brasileira nos últimos 12 anos.
O caso Battisti remonta a um período turbulento na Itália, os chamados anos de chumbo, entre o final dos anos 60 ao início da década de 80. Sequestros, atentados a bomba, assaltos a bancos e assassinatos foram promovidos por diversos grupos de esquerda e direita. O ápice ocorreu entre 1977 e 1979, quando mais de 300 grupos terroristas estavam presentes país. Mais de 2 mil atentados foram registrados nesse período. Cinco vezes primeiro-ministro do país, o líder da democracia cristã Aldo Moro foi sequestrado e assassinado pelos extremistas do movimento Brigadas Vermelhas, em 1978.
Battisti fazia parte de um grupo de extrema-esquerda criado na região da Lombardia chamado Proletários Armados para o Comunismo (PAC). Ele foi condenado sob a acusação de ter matado o carcereiro Antonio Santoro, em junho de 1978, e o agente policial Andrea Campagna, em abril de 1979, de ter dado cobertura ao assassinato do açougueiro Lino Sabbadin, em 16 de fevereiro de 1979, e ter tramado a morte do joalheiro Pierluigi Torregiani, também no mesmo dia. Na época, os assassinatos foram reivindicados pelo PAC.
Delação premiada
Ainda em 1979, Battisti foi preso, juntamente com outros integrantes do movimento, acusado de porte ilegal de armas e participação em grupo armado. Condenado a 12 anos e meio de prisão, ele fugiu em 1981 para a França e, depois, para o México.
Em 1982, Pietro Mutti, um dos líderes do PAC, responsabilizou Battisti pelas quatro mortes. Principal acusado pelos homicídios na época, Mutti aceitou o instrumento da delação premiada, que implica a redução da pena para o preso que colabora com as investigações.
As alegações dele foram consideradas procedentes pela Justiça italiana que, em 1993, confirmou a condenação de Battisti, consolidando sentença dada em 1988, à prisão perpétua.
O italiano sustenta que deixou o PAC ainda em maio de 1978, logo após os Brigadas Vermelhas matarem Moro. Em carta enviada aos ministros do Supremo Tribunal Federal em 2009, Cesare Battisti afirmou que não concordava com os assassinatos promovidos pelos movimentos de esquerda.
A defesa de Battisti foi feita no STF pelo advogado Luís Roberto Barroso, hoje ministro da corte. Na época, Barroso contestou a participação do italiano nos crimes que resultaram em sua condenação.
Conexão México-França-Brasil
Depois de viver até o final dos anos 80 no México, onde trabalhou na área cultural, Battisti retornou à França, país de sua então mulher, em 1990, quando o primeiro-ministro François Mitterrand prometeu não extraditar para a Itália os militantes esquerdistas que houvessem renunciado à luta armada. Em 1991, ele foi preso a pedido das autoridades italianas por cinco meses. Mas o Tribunal de Apelações de Paris negou a extradição e o pôs novamente em liberdade.
Em 2004 veio para o Brasil após ter sua condição de refugiado revogada pelo novo governo francês. Battisti foi encontrado no Rio no início de 2007, após operação que envolveu policiais brasileiros, franceses e italianos. Foi transferido logo em seguida para a sede da Polícia Federal em Brasília e, na sequência, para a Papuda. Na época, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, concedeu a ele o status de refugiado político, em uma decisão polêmica que foi muito criticada na Itália.
Em novembro de 2009, o Supremo considerou ilegal o status de refugiado e permitiu sua extradição. Mas, como prevê a Constituição, conferiu ao presidente poderes pessoais para derrubar a decisão. Foi o que fez o ex-presidente Lula em 31 de dezembro de 2009, véspera da posse de Dilma Rousseff.
Reviravolta
Battisti foi libertado em 9 de junho de 2011 da prisão. Depois disso casou e teve um filho brasileiro. Em março de 2015, um juiz federal decidiu anular a decisão de conceder-lhe um visto de permanência, alegando que isso entraria em conflito com a lei brasileira, ordenando sua deportação. Mas em setembro daquele mesmo ano, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região declarou ilegal a deportação de Battisti.
As autoridades italianas pediram em 2017 que o então presidente Michel Temer revisasse o veto de Lula à extradição. Na oportunidade, a defesa de Battisti solicitou ao Supremo um habeas corpus preventivo para que ele não fosse extraditado. Fux concedeu a liminar (decisão provisória) até um novo posicionamento do STF.
Em 13 de dezembro do ano passado, o ministro revogou a liminar, expediu a ordem de prisão e repassou para Temer a decisão de extraditar ou não o condenado. Segundo Fux, novos fatos no curso do processo permitiam o “reexame da conveniência e oportunidade de sua permanência no país”. Ele citou a prisão de Battisti na fronteira com a Bolívia com US$ 6 mil e 1,3 mil euros. A suspeita é de que ele planejava fugir do país.
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