A estratégia do presidente Jair Bolsonaro de negociar com frentes parlamentares e contornar os partidos políticos pode até dar certo na votação da reforma da Previdência, mas será insustentável ao longo do tempo. O alerta é feito pelo cientista político Paulo Kramer, professor da Universidade de Brasília (UnB) que integrou um grupo de intelectuais e militares que colaborou com Bolsonaro durante a campanha eleitoral.
Para Kramer, Bolsonaro cometerá um erro fatal se considerar que pode governar mantendo apenas esse tipo de relacionamento com o Congresso. “O erro que ele não pode cometer é julgar que o enfoque inicial, privilegiando as frentes parlamentares ou bancadas temáticas e a confraternização com o baixo clero, poderá substituir, integral e definitivamente, a articulação via lideranças partidárias”, avalia.
O professor considera que desprezar as lideranças partidárias tornará insustentável a aprovação da agenda do governo no Congresso. “Essa primeira abordagem poderá até funcionar em benefício da reforma previdenciária, desde que o novo governo atue com rapidez para aproveitar a lua de mel com a opinião pública, mas não será suficiente para garantir ao Executivo ‘fôlego’ político nas próximas etapas, como na reforma tributária”, explica.
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Lua de mel
Segundo o professor, enquanto a lua de mel do novo governo com a população conferir a Bolsonaro altos índices de aprovação, os líderes não devem criar dificuldades para o avanço da agenda legislativa do governo. O problema, pondera, vem num segundo momento.
“Ao mesmo tempo, eles sabem que, na ausência das tradicionais moedas de troca do presidencialismo de coalizão, a influência política do presidente repousa quase exclusivamente na sua popularidade. Diante disso, a atitude dos líderes é esperar pelo inevitável desgaste dessa popularidade para fortalecer sua capacidade de barganha”, afirma.
PublicidadeCarisma com carinho
De acordo com Paulo Kramer, Bolsonaro e o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, usam a combinação de “carisma com carinho”, prometendo acesso a cada parlamentar a todos os 22 ministérios, para fugir do famoso “toma lá, dá cá”, que caracteriza o chamado presidencialismo de coalizão.
“Bolsonaro e Onyx continuam a investir na fórmula carisma com carinho para formar maiorias parlamentares em apoio à agenda do futuro governo, como reforma da previdência, privatizações, independência do BC, redução da maioridade penal etc., contornando as lideranças partidárias e o método do toma-lá-dá-cá típico do presidencialismo de coalizão”.
O cientista político lembra que Bolsonaro recebeu bancadas dos partidos do Centrão (bloco formado por PP, PRB, PR, DEM e SD) dias antes da posse e sinalizou com uma interlocução mais direta do novo governo com os parlamentares, sem a intermediação dos líderes partidários.
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Promessas
“Nesses encontros, os participantes receberam promessas de que terão amplo acesso a todos os 22 ministérios e não apenas àqueles controlados por suas siglas, como era de costume sob os governos anteriores. E, para compensar o arrocho na distribuição dos recursos de emendas orçamentárias, outra promessa é a de que, nas inaugurações de obras e em outros atos públicos, amplo crédito será dado aos congressistas que colaborarem com o governo de modo a realçar o protagonismo e a parceria deles em realizações positivas para o conjunto da população em cada estado, região etc.”, conta Kramer.
A estratégia visa a atrair aliados com o raciocínio de que eles poderão colher bons dividendos eleitorais em 2020 e 2022. Além disso, conta o cientista político, o governo acenou com a distribuição de cargos federais a aliados e seus apadrinhados nos estados e em escalões inferiores das administrações direta e indireta.
Revolta do baixo clero
Para Kramer, o presidente e seu ministro da Casa Civil apostam na insatisfação do chamado baixo clero com as lideranças dos partidos. “Bolsonaro e Onyx, que jamais pertenceram ao alto clero da Câmara dos Deputados, jogam com as insatisfações e os ressentimentos da ‘massa parlamentar’ perante líderes que, nem sempre atentos aos interesses e pleitos dos seus liderados, guardam para si e para seu círculo mais próximo a parte do leão de recursos concedidos pelo Executivo à sua base congressual”.
Nada disso, ressalta o professor, será suficiente para superar o poder dos líderes partidários. “Seja como for, essa mudança de paradigma não altera o fato básico de que as lideranças partidárias continuam concentrando nas suas mãos alguns dos recursos políticos e institucionais mais relevantes para o sucesso de uma carreira parlamentar, a exemplo das indicações de presidentes e membros de comissões, bem como de relatores para medidas provisórias e proposições de interesse do governo”, explica o cientista político.
Pessimismo na relação
Pesquisa feita pelo Painel do Poder, ferramenta criada pelo Congresso em Foco para monitorar de forma sistemática as percepções e os humores daqueles que realmente mandam na Câmara e no Senado, indica que apenas 23% das lideranças entrevistadas apostam que a articulação de Bolsonaro com o Congresso será melhor do que a feita por Michel Temer em 2018.
Parte da desconfiança dos líderes em relação à capacidade de atuação do governo Bolsonaro junto ao novo Congresso decorre das fragilidades demonstradas pela equipe de transição, da inexperiência política de vários ministros, dos embates entre os filhos do presidente eleito e integrantes do núcleo político do governo e da disputa interna de poder dentro do PSL. Mas pode ser creditada também às incertezas sobre o novo modelo de negociação imposto por Bolsonaro, que prioriza as conversas com as bancadas setoriais – como a ruralista, a evangélica, a da bala, entre outras – e deixa as cúpulas partidárias em segundo plano.