Desde meados de março temos ouvido que o pico da crise se daria em abril. Quem poderia adivinhar que a crise a que se referiam na verdade era a crise política? Em um curto período de tempo Bolsonaro conseguiu o que parecia impossível: demitiu seu ministro da saúde, Mandetta, com aprovação de cerca de 70% da população em meio a maior pandemia do século; participou de manifestações antidemocráticas pelo fim da democracia; e perdeu seu melhor quadro ministerial, Sergio Moro, por interferir no comando da Polícia Federal.
A afronta de Bolsonaro ao comando da Polícia Federal se soma a outros ataques do presidente às instituições brasileiras. Dentre elas, a manifestação do último domingo (19) mostrou, mais uma vez, a falta de respeito dele pela democracia e o baixo entendimento dos limites constitucionais. Soma-se também o crime de falsidade ideológica, uma vez que Moro disse não ter assinado e nem ter conhecimento sobre o decreto de exoneração de Maurício Valeixo, então diretor da Polícia Federal.
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Pouco a pouco, Bolsonaro e sua família vão testando os limites da República e atentando contra a Constituição que jurou proteger quando na posse de seu mandato. Em um país de recente redemocratização, o esgarçamento das instituições é ainda mais prejudicial. Não há país no mundo que consiga se tornar desenvolvido sem instituições sólidas e respeitadas, muito menos sem a relação harmônica e independente entre os Poderes.
As acusações de Sérgio Moro ao presidente Jair Bolsonaro são graves e devem ser analisadas. Além da falsidade ideológica já comentada também tivemos a acusação de tentativa de obstrução de justiça. Por fim, também cabem acusações de crime de responsabilidade, que se comprovadas levariam ao impeachment de Bolsonaro, como os que constam nos artigos sete e nove da lei do impeachment.
Tudo isso já seria ruim em condições normais de temperatura e pressão, mas em meio à pandemia isso se torna catastrófico. Como quem tampa o sol com uma peneira, Bolsonaro joga a responsabilidade de sua omissão e de sua inaptidão para liderar em outros atores, tática um tanto quanto manjada e já utilizada na crise das queimadas da Amazônia com o longínquo presidente francês Emmanuel Macron. Dessa vez a culpa estaria no seu antigo ministro Mandetta, no Congresso Nacional, em Rodrigo Maia, ou seja lá quem for o escolhido da vez.
É justamente no momento em que o país mais precisa de uma liderança, de união e de foco no combate ao vírus, que fica exposto o grande vazio que é Jair Bolsonaro. A cereja do bolo fica por conta do apelido dado pelos próprios apoiadores, talvez nem o pior oposicionista pudesse pensar em algo tão depreciativo. “Mito” é a palavra que melhor define Bolsonaro, um personagem fictício, idealizado na mente de alguns poucos que seguirão acreditando nessa mitologia, juntamente com a terra plana.
Talvez estejamos sendo muito duros com o presidente quando tudo não passa de uma grande confusão. Ao ouvir as recomendações de isolamento perante a crise do coronavírus, este decidiu se isolar, mas sendo vítima de sua baixa capacidade cognitiva, trocou o literal pelo figurativo. Se isolou ainda mais no poder, demitindo um dos melhores quadros de seu Governo, Mandetta, atacando sistematicamente o Congresso Nacional, discursando em manifestações pelo fim da democracia e – agora – demitindo o diretor de PF e perdendo Sergio Moro. Quanto tempo durará Guedes? Quanto tempo durarão os militares? Quanto tempo durará o próprio governo Bolsonaro?