A proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma da Previdência mobilizou aliados do presidente Jair Bolsonaro por uma outra discussão iniciada na época da transição do governo: a redução na idade de aposentadoria compulsória no serviço público dos atuais 75 para 70 anos. Eles têm negociado os dois assuntos paralelamente e admitem que, tão logo a PEC seja aprovada, o segundo tema passa a ser prioridade. O motivo da pressa? Abrir caminho para que Bolsonaro possa indicar não apenas dois, mas quatro ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), além de outros 13 integrantes de tribunais superiores, até o fim do mandato.
Em um dos trechos do texto enviado ao Congresso no último dia 20, a PEC estabelece a elaboração de uma lei complementar para detalhar o regime de aposentadoria de servidores públicos. Lei complementar é aquela que regulamenta pontos da Constituição. A futura lei determinaria, no caso, até que idade um servidor público poderia trabalhar no Brasil, ou seja, quando precisaria se aposentar obrigatoriamente. A ideia dos aliados do governo é retomar os 70 anos, em vigor até 2015.
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A mudança permitiria que Bolsonaro indicasse substitutos às vagas não apenas de Celso de Mello, que completa 75 anos em 2020, e Marco Aurélio Mello; que seria aposentado compulsoriamente pelas regras atuais em 2021, como também de Rosa Weber, que completa 71 anos em outubro de 2019; e Ricardo Lewandowski, que também chega aos 71 este ano, em maio.
Governistas dizem que a mudança pretendida não tem a intenção de retaliar o Judiciário, mas de “renovar” o Supremo. Sete ministros da atual composição da suprema corte foram indicados pelo PT, considerado por Jair Bolsonaro seu principal adversário político. São eles os ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber, Luis Fux, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. Uma das vagas, segundo informações de bastidores, está prometida ao ex-juiz Sérgio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública.
No Congresso
Antes de tudo, porém, é preciso primeiro saber como o trecho que reacendeu a discussão vai passar na reforma da Previdência. A preferência dos governistas é manter na proposta a definição da idade da aposentadoria dos servidores públicos por lei complementar, desconstitucionalizando o tema.
PublicidadeIsso porque alterar a Constituição é muito mais difícil que simplesmente aprovar um projeto de lei. PECs precisam do aval de 308 deputados e 49 senadores, em dois turnos, para serem aprovadas. Já uma lei complementar necessita somente do apoio da maioria da Câmara (257) e do Senado (41).
Apesar da preferência, os aliados do presidente trabalham em duas frentes de ataque e já colhem assinaturas para uma PEC que altera a idade da aposentadoria compulsória. Essa tarefa está a cargo da deputada Bia Kicis (PSL-DF). Ela disse ao Congresso em Foco, na última sexta-feira (1º), que tinha cerca de 100 das 171 assinaturas necessárias para protocolar uma proposta de emenda constitucional. Bia Kicis acredita que conseguirá recolher os apoios necessários até o meio de março.
“Claro que a PEC da reforma da Previdência é prioridade total, mas já estamos nos adiantando e levando esse debate paralelamente. E o que percebemos é que o tema tem uma receptividade e uma acolhida muito grande por parte dos parlamentares”, afirmou.
PEC da Bengala
A base de Bolsonaro se firma ainda em um argumento de retomar uma realidade de pouco tempo atrás. De fato, até 2015, a idade máxima para se aposentar no serviço público 70 anos. Isso mudou com o que ficou conhecido como PEC da Bengala. Era início do segundo mandato de Dilma Rousseff, quando ela já dava sinais de fragilidade e enfrentava uma crise política que já vinha desde 2014. O deputado Eduardo Cunha (MDB-RJ) presidia a Câmara dos Deputados, tendo chegado ao cargo, inclusive, sem o apoio do Palácio do Planalto – na ocasião, o governo preferiu apostar em Arlindo Chinaglia (PT-SP).
A oposição impulsionou um texto antigo que já tramitava no Congresso e, com apoio de Cunha, conseguiu fazer passar a proposta em maio de 2015. À época, a crise econômica se agravava e a base aliada cada vez mais desarticulada começavam a compor o cenário que desencadeou, no ano seguinte, no impeachment da petista.
Com a PEC, Dilma – e Michel Temer, que assumiu após o impeachment – perdeu o poder de fazer cinco indicações ao Supremo até o fim de 2018.
Caso a regra tivesse permanecido como estava, já teriam se aposentado, após completar 70 anos, os ministros Celso de Mello, que teria saído em 2015; Marco Aurélio Mello, que teria deixado a corte em 2016; Ricardo Lewandowski, que completou 70 no ano passado; Rosa Weber, que também fez 70 em 2018; e Teori Zavascki, que também teria feito 70 anos em 2018, mas morreu em uma queda de avião em janeiro de 2017.
A PEC da Bengala teve efeito cascata e retirou das mãos de Dilma e Temer também indicações a outros tribunais: Superior Tribunal de Justiça (três); Tribunal Superior do Trabalho (três); Superior Tribunal Militar (seis); e Tribunal de Contas da União (um).
Assim como os aliados de Bolsonaro agora negam retaliação ao Judiciário ao querer retomar a idade anterior de forma a poder aumentar o poder do presidente em fazer mudanças nos tribunais superiores, os opositores de Dilma também rechaçavam que a elevação da idade para a aposentadoria compulsória era casuísmo político.