O médico Alexandre Padilha encarnou o papel de ministro das Relações Institucionais no governo Lula, período em que negociava com o Congresso votações de interesse do Executivo. Depois, foi ministro da Saúde da ex-presidente Dilma Rousseff, quando enfrentou forte pressão de sua própria categoria contra a criação do programa Mais Médicos e a consequente vinda de profissionais cubanos.
Em seu primeiro mandato eletivo, o hoje deputado federal pelo PT paulista já não sofre as mesmas resistências. Agora, na oposição, Padilha defende que seu partido intensifique as alianças com outras legendas da esquerda, abra mão de candidaturas onde parceiros estiverem em melhores condições e renove seu projeto para as cidades.
Para o petista, conquistar o maior número de prefeituras possíveis em 2020 é o caminho para a esquerda retornar ao poder. Na avaliação dele, lideranças esquerdistas precisam cessar fogo entre si e mirar o verdadeiro inimigo, o presidente Jair Bolsonaro. Em entrevista ao Congresso em Foco, o deputado diz que a soltura do ex-presidente Lula favorece essa unificação, embora não haja consenso em torno de seu nome.
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“Pode ajudar muito nisso, a construir em agregação, a juntar todo mundo da esquerda, para a gente fazer um esforço de apresentar candidaturas únicas onde a gente puder apresentar”, defende. “Temos que gastar energia em nos unir e enfrentar os impactos deletérios do governo Bolsonaro. Inclusive essa vai ser uma necessidade dos projetos de esquerda na disputa das cidades”, acrescenta.
O ex-ministro também acredita que o PT terá de renovar seu programa para as cidades em 2020, ajustando-o à realidade da esquerda em todo o mundo e combatendo as políticas de Bolsonaro. “Pela primeira vez, depois de tanto tempo, nós vamos enfrentar as eleições municipais sem políticas consistentes do governo federal que ajudem as cidades. Pelo contrário, só impactam negativamente e ampliam o sofrimento do povo nas cidades”, avalia.
“A segunda vertente é um impacto renovador que a esquerda está fazendo no mundo, como enfrentar a desigualdade, como garantir a sustentabilidade. Esses são dois temas que a esquerda está levando no mundo com propósitos inovadores e acho que a esquerda brasileira tem que estar conectada e atenta a isso”, diz.
Pré-candidatura em São Paulo
Ex-secretário municipal da Saúde de São Paulo, Alexandre Padilha admite concorrer à prefeitura da capital paulista. Mas deixa claro que a prioridade na fila, no momento, é do seu ex-chefe, o ex-prefeito e candidato a presidente Fernando Haddad. Se Haddad não topar a disputa, o deputado diz que está disposto a aceitar o desafio feito a ele por Lula de concorrer ao comando da capital paulista.
“Um pedido desse do presidente Lula, eu não tinha como negar. Então autorizei ele e o PT a considerarem o meu nome como um dos possíveis, entre outros, que já estavam posicionados para disputar as eleições em São Paulo.”
Na entrevista a seguir, Padilha destaca outras capitais onde o PT não deverá abrir mão de candidatura própria, como Fortaleza, Natal e Recife. Veja a íntegra:
Congresso em Foco – O que muda para a oposição e para o país com a soltura do ex-presidente Lula?
Alexandre Padilha – A soltura do presidente Lula muda a conjuntura política brasileira, eu diria mais, não só a conjuntura política brasileira, mas é um vento de esperança na conjuntura da América Latina, para que as tentativas de implantação de uma agenda neoliberal de corte de direitos, de regressão em relação aos direitos individuais, de governos que não estão voltados para a maioria das populações também seja impactada pela soltura do presidente Lula.
Em que medida Lula muda a conjuntura política?
Primeiro, pela sua capacidade de comunicação com o povo, essa capacidade de comunicação direta com o povo nenhuma liderança tem neste país, segundo, com a disposição dele de viajar pelo país, de ouvir as pessoas, conversar com as pessoas, conversar com os atores políticos, de agregação ele está muito disposto a isso. Hoje você não tem nenhuma liderança política no país que viaje o país para ouvir a população, dialogar com a população. Terceiro, pela credibilidade internacional que ele tem. Uma credibilidade inclusive, recuperada. Ficou evidente o conluio que existiu entre o Ministério Público, o juiz de Curitiba e o então candidato a presidente Bolsonaro, nos processos de condenação do presidente Lula. Isso está cada dia mais claro pelo vazamento da vaza-jato e agora o vazamento do Bebianno, que deixou claro que o juiz Sergio Moro tratou da sua indicação para ministro da Justiça no segundo turno. Isso também teve influência nas atitudes que ele tomou que influenciaram a eleição. Então muda completamente, acho que a oposição ganha uma força política, uma voz capaz de trazer para o centro do debate os problemas do povo brasileiro, trazer o tema do emprego, da recuperação da educação da saúde.
Mas une as oposições?
Acho que o Lula solto tem essa garantia, tem essa possibilidade e acho que reforça o papel que a oposição tem de um lado continuar lutando para reduzir o sofrimento que é o governo Bolsonaro. Acho que também tem uma outra tarefa que é desde já discutir um problema para as cidades se preparar para as eleições municipais. A soltura do presidente Lula acho que pode ajudar muito nisso, a construir em agregação, a juntar todo mundo da esquerda, para a gente fazer um esforço de apresentar candidaturas únicas onde a gente puder apresentar candidaturas únicas no país.
Essa questão que o senhor falou de unir a esquerda. Uma crítica que vários partidos fazem ao PT é de que o PT gosta de construir alianças, mas desde que ele seja o cabeça da chapa. O senhor concorda com essa crítica?
Não posso concordar porque a história mostra, sobretudo, em eleições municipais e estaduais inúmeras situações em que o PT apoiou candidaturas de outros partidos. O PT aprendeu ao longo da sua trajetória a importância dessas composições num campo de esquerda democrático. O PT está disposto a ir às cidades onde tiver candidatos de outros partidos com maior força política, maior tradição política, melhor posicionamento. O PT está disposto a construir alianças e espero essa mesma reciprocidade dos demais partidos. Tem cidades que o PT governou três vezes, como São Paulo. Temos candidatos na liderança em Fortaleza, Natal, Recife. Então o PT espera também maior reciprocidade dos demais partidos que possam nos apoiar, acho fundamental a gente construir uma atuação conjunta, uma estratégia conjunta da disputa eleitoral onde a gente esteja com candidatura única. Onde não for possível vamos combinar o jogo para o segundo turno.
O PT deve abrir mão de candidaturas em favor de possíveis aliados à esquerda?
Acho que os partidos têm que se juntar e mapear as realidades das capitais. Onde nós tivermos com melhor candidatura, onde o PT tem tradição de ser governo, como no caso de São Paulo, é natural que o PT tenha candidato. Onde tiver um outro partido que tenha uma situação política melhor, que tenha um compromisso político com a esquerda e que seja democrático, o PT está aberto a discutir. Agora a gente não pode aceitar onde a gente estiver melhor, mais bem posicionado e tenha tradição histórica de governar, abrir mão. Acho que onde a gente estiver melhor tem que ir com a melhor candidatura.
O ex-presidente Lula e o ex-ministro Ciro Gomes têm trocado acusações fortes. Isso não cria um clima de guerra na esquerda?
A gente tem que ter clareza que quem joga contra a união da esquerda, quem gastar mais tempo criticando uma liderança de esquerda do que defendendo a situação de esquerda, vai ser ultrapassado pela história. Não dá para comparar a liderança do Lula com o papel do Ciro Gomes, que foi ministro junto comigo, a quem respeito muito. Agora as pessoas têm que saber que, em um momento como esse, de ataque aos direitos da população, do sofrimento do nosso povo, do desmonte da educação, destruição do Mais Médicos, acho que não tem que ficar gastando energia em criticar, em fazer uma crítica entre nós. Temos que gastar energia em nos unir e enfrentar os impactos deletérios do governo Bolsonaro. Inclusive essa vai ser uma necessidade dos projetos de esquerda na disputa das cidades. Nós vamos ter que renovar o programa político nosso nas eleições municipais, porque tem duas questões que impactam fortemente.
Quais?
Têm os impactos da política nefasta do governo Bolsonaro. Nós vamos enfrentar as eleições municipais no país que não tem mais qualquer política consistente do governo federal para ajudar as cidades a ter mais médicos, a qualificar a educação infantil, o Minha Casa Minha Vida, enfrentar os problemas de transporte, os problemas que têm as cidades, a situação da pobreza, a população em situação de rua, o desemprego, os empregos precários. Tudo isso impacta na cidade e, pela primeira vez, depois de tanto tempo nós vamos enfrentar as eleições municipais sem políticas consistentes do governo federal que ajudem as cidades. Pelo contrário, só impacta negativamente e ampliar o sofrimento do povo nas cidades. A segunda vertente é um impacto renovador que a esquerda está fazendo no mundo, como enfrentar a desigualdade, como garantir a sustentabilidade. É o enfrentamento das desigualdades nas cidades e a garantia de sustentabilidade das cidades. Esses são dois temas que a esquerda está levando no mundo com propósitos inovadores e acho que a esquerda brasileira tem que estar conectada e atenta a isso.
Há uma certa defasagem, um certo delay aí, entre a esquerda brasileira, em relação a esses assuntos, e a esquerda internacional?
Não é que haja um delay ou um atraso, tem um processo permanente de diálogo necessário e acho que a gente tem que estar muito conectado ao que a esquerda no mundo tem apresentado sobre propostas de redução das desigualdades e de sustentabilidade das nossas cidades. Acho que os três grandes desafios que temos são a redução da desigualdade, a representatividade política e a participação social, transparência e a sustentabilidade das cidades.
Cerca de um terço do eleitorado tem se mostrado fiel a Bolsonaro em qualquer circunstância. Como falar para esse público que rejeita o PT e a esquerda no Brasil?
Eu acho que, em primeiro lugar, esse público está minguando cada vez mais se compararmos ao que era a aprovação do presidente Bolsonaro no começo do governo com o que é agora. O quanto minguou a sua base de apoio. Acho que o primeiro fato é o desastre do governo Bolsonaro e isso vai só se intensificar, mas como o governo está completando um ano, o que nós temos no país o maior índice de miséria que a gente já teve na história, metade da população brasileira vive com R$ 413 por mês para sobreviver. Ao mesmo tempo, temos o maior lucro na história dos bancos, então acho que cada vez mais vai minguar essa base de apoio. A preocupação da esquerda é exatamente oferecer a essa população, que tanto sofre nesse aprofundamento da desigualdade, a esperança e alternativa para reduzir o seu sofrimento.
O ex-presidente Lula diz que não cabe ao PT fazer autocrítica. Isso não é uma arrogância? O senhor concorda com ele?
Concordo. O que o ex-presidente Lula está dizendo é o seguinte, existe um embate político, nós não estamos falando de teses acadêmicas com banca examinadora, nós estamos falando do enfrentamento político. Quem mais cobra autocrítica do PT são partidos políticos que estavam absolutamente embrenhados no sistema político brasileiro que ruiu no período mais recente. São partidos políticos que quando governaram esse país só aprofundaram a desigualdade. O presidente da República agora está embrenhado no que tem de pior no crime, que é a milícia, no submundo do crime das milícias ou das práticas absolutamente não republicanas, inconstitucionais do senhor ministro da Justiça. O que o Lula falou foi claramente isso: quem cobra autocrítica é quem mais critica o PT. Está criticando o PT, não é para o partido fazer autocrítica. O PT precisa sim ter clareza da nova realidade que o Brasil vive hoje, da realidade que o mundo vive, da nova realidade da política da representação dos meios de comunicação e renovar o seu programa, sobretudo, nas eleições nas cidades para a nova realidade que as cidades vivem. Acho que é nesse sentido que o presidente Lula tem incentivado o PT.
O senhor é pré-candidato à prefeitura de São Paulo?
O presidente Lula, duas ou três semanas antes de sair da sua privação de liberdade, me chamou para conversar em Curitiba. No meio dessa conversa, a gente estava fazendo um mapeamento da situação eleitoral do país, das candidaturas do PT nas capitais. Ele perguntou se eu aceitava que ele colocasse meu nome como um dos nomes possíveis na disputa eleitoral na cidade de São Paulo. Eu disse para ele, claramente, que qualquer pedido dele nesse sentido eu não tinha como negar. Sou paulistano, cresci naquela cidade, fui secretário do Haddad na cidade de São Paulo. Então um pedido desse do presidente Lula, eu não tinha como negar. Então autorizei ele e o PT a considerarem o meu nome como um dos possíveis, entre outros, que já estavam posicionados para disputar as eleições na capital paulista.
Além de Haddad, quais são os outros nomes?
Acho que o mais importante, independentemente do nome, é que a gente inicie na cidade de São Paulo o processo de debate com os outros partidos políticos, com entidades que observam as políticas públicas na cidade para construirmos um programa político com aquelas duas vertentes como eu disse: de um lado preparar o enfrentamento dos impactos nefastos da política do Bolsonaro, que aumenta a pobreza, aumenta a miséria, destruiu o Mais Médicos, acabou com Minha Casa Minha Vida, tira os investimentos em educação e, do outro, um programa que dialogue com a esquerda, que no mundo inteiro vem apresentando propostas sobre os desafios nas cidades que é o desafio da redução da desigualdade, o desafio da representação política da participação social, da transparência e o desafio da sustentabilidade.
Hoje o principal nome do PT à prefeitura de São Paulo é o senhor ou Fernando Haddad?
Acho que sempre vai ser o prefeito Haddad, que foi prefeito recentemente, que tem experiência na gestão política muito exitosa. Participei da gestão do prefeito Haddad. Foi uma gestão que apontou horizontes importantes para a cidade de São Paulo. Teve uma disputa política bastante acirrada num momento difícil para o PT. Não tenho dúvida nenhuma que Haddad é um nome natural. Esse debate tem que ser feito e eu estou à disposição.
Na sua opinião, o presidente Bolsonaro chega até o fim do mandato?
Ele é imprevisível, se tem uma característica do presidente Bolsonaro é a imprevisibilidade. Por exemplo, mesmo tendo uma parceria política, um alinhamento político ao governo Evo Morales, o governo do PT não se negou a receber alguém que pediu asilo brasileiro. O ex-senador Roger Molina (falecido em desastre aéreo em 2017 e adversário de Morales) se deslocou para o Brasil com a ajuda de um funcionário do Itamaraty até a fronteira com o Brasil. Nós acolhemos essa pessoa. Diferente do presidente Bolsonaro que, diante da situação crítica da crise humanitária na Bolívia com o golpe militar, com pessoas sendo assassinadas, com lideranças políticas como, por exemplo, a presidente do Senado, Adriana Salvatierra, sendo obrigada a renunciar, sendo depois atacada por policiais, o vice-presidente Linera, que é um intelectual conhecido, tendo sua biblioteca queimada. Pessoas sendo atacadas e o presidente Bolsonaro, ao invés de oferecer o espaço da embaixada brasileira para asilo político, não, fez chacota sobre isso, então é absolutamente imprevisível. Cada dia tem uma medida de exceção, uma medida que mostra o despreparo do presidente da República, ações que beiram crimes de responsabilidade. Então é imprevisível o que pode acontecer com o governo Bolsonaro. A única coisa que eu tenho certeza que vai acontecer é que vai deixar um legado irrecuperável que foram as vidas destruídas e o meio ambiente destruído. As mudanças políticas e constitucionais que o governo Bolsonaro vem fazendo, isso a história política pode recuperar. Agora, as vidas e o meio ambiente que se foram, infelizmente, são irrecuperáveis.
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