Um conflito de interesses entre o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e o núcleo central do governo federal ficou exposto na última quinta-feira (9) na votação da Medida Provisória 870, que trata da reforma administrativa promovida pelo presidente Jair Bolsonaro no início do ano.
Ouça análise do jornalista Sylvio Costa no quadro Clube do Café, da Rádio Globo, nesta sexta (10).
A MP precisa ser aprovada nos plenários da Câmara e do Senado até o dia 3 de junho. Caso contrário, o texto perde a validade e toda a estrutura desenhada pelo governo Bolsonaro (incluindo o enxugamento de 29 para 22 ministérios) pode ser desfeita. Para evitar esse risco, a Casa Civil já havia aceitado ceder em pontos polêmicos da reforma que foram aprovados, mais cedo, na comissão mista que analisou o texto no Congresso.
Os principais itens controversos são a recriação dos ministérios das Cidades e da Integração Nacional no lugar da atual pasta de Desenvolvimento Regional, a transferência do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) do Ministério da Justiça para o da Economia e uma emenda que limita o poder de investigação de auditores da Receita Federal.
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Moro é contrário às duas últimas medidas, especialmente a que tira o Coaf de seu ministério. Também desagradou o ministro a decisão da comissão de devolver ao Ministério da Justiça a Fundação Nacional do Índio (Funai) – que no governo Bolsonaro foi deslocada para o Ministério da Família, Mulher e Direitos Humanos, de Damares Alves – e também o controle da demarcação de terras indígenas, que Bolsonaro havia delegado à pasta de Agricultura.
O ministro da Justiça ainda espera uma reversão destas decisões na votação do plenário da Câmara, que deve ficar para a semana que vem. Foi de interesse de Moro a intervenção que evitou a votação em plenário na última quinta: alegando que outras MPs estavam “na fila” para serem apreciadas antes da MP 870, o deputado Diego Garcia (Podemos-PR) levantou uma questão de ontem que foi acatada por Rodrigo Maia e suspendeu os trabalhos.
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Procurado pelo Congresso em Foco, Garcia confirmou que obstruiu a votação de propósito para ganhar tempo e abrir uma chance de reverter essas decisões. A estratégia, segundo ele, foi coordenada entre os partidos Podemos, PSC, Cidadania e Novo, que apoiam as reivindicações de Moro. “O objetivo era parar a sessão, não permitir a votação. Porque a gente quer a votação com o plenário cheio”, disse Garcia ao site.
O parlamentar negou que o grupo tenha agido a pedido de Moro, mas o ministro chegou a agradecer nominalmente, por meio de seu Twitter oficial, a todos os deputados e senadores que votaram pela manutenção do Coaf com o ministério da Justiça. Moro tem feito campanha aberta para ficar com o Coaf.
Garcia diz ter esperança que os itens da agenda do ministro prosperem, entre outros motivos, porque até a bancada do PSL, maior bancada da Câmara ao lado da do PT, fechou questão a favor deles. Os deputados do partido do presidente Jair Bolsonaro decidiram que não abrirão mão de quatro tópicos: Coaf com Moro, Receita Federal sem as limitações de investigação impostas na comissão da MP, Funai no ministério de Damares Alves e não ao desmembramento do Ministério do Desenvolvimento Regional.
Todos estes pontos foram derrotados na aprovação do relatório MP na manhã de quinta. O resultado refletiu um acordo entre o Centrão – conjunto de partidos mais próximos da órbita de influência do presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) – e a oposição, e alguns dos itens foram chancelados inclusive pelo relator, Fernando Bezerra (MDB-PE), que é líder do governo no Senado.
O Planalto, que corre contra o relógio para evitar que a MP caduque e desmantele toda a máquina desenhada por Bolsonaro, fica refém do Centrão, de um lado, e pressionado por seus apoiadores ligados à pauta de Moro de outro.
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