Reportagem feita a partir de levantamento produzido por Caio Matos, Cynthia Araújo, Edjalma Borges, Edson Sardinha, Guilherme Mendes, Lucas Neiva e Lucas Vinicius
A cada cinco deputados que compõem oficialmente a bancada ruralista, ao menos um responde na Justiça a inquérito ou processo criminal, eleitoral ou por improbidade administrativa, conforme revela levantamento exclusivo realizado pelo Congresso em Foco. Parlamentares de partidos governistas, assim como ocorre na formação geral do Congresso Nacional, assumem a liderança entre os ruralistas com pendências judiciais. A imensa maioria dos casos é de improbidade administrativa (veja a relação dos nomes mais abaixo).
A bancada ruralista reúne um total de 241 deputados. Desses, 53 (22%) respondem por algum delito. Principal antagonista da bancada, a Frente Parlamentar Ambientalista agrega 216 deputados, dos quais 28 (12%) têm contas a acertar com a Justiça. Entre eles, há 19 que fazem parte das duas bancadas. O PP é o partido campeão no número de parlamentares ruralistas sob investigação, totalizando 14 deputados. Na sequência estão o PL e o MDB, com respectivamente 12 e seis deputados investigados. Com sete representantes, São Paulo é o estado com mais parlamentares da frente agropecuária com pendências judiciais. Confira a relação os dados a seguir:
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Na bancada ambientalista, o PT ocupa o topo, com cinco parlamentares sob investigação. Em seguida, estão empatados o MDB, o PSD e o Republicanos, cada um com quatro. Nos estados, São Paulo permanece na frente, com quatro deputados (14,3%) com pendências judiciais. Confira abaixo os detalhes:
No Senado Federal, a bancada ruralista não foge da proporção estabelecida na Câmara: dos 81 senadores, 39 são membros da Frente Parlamentar da Agropecuária. Destes, oito possuem pendências judiciais, com três partidos empatados: o PL, o Podemos e o PSD possuem, cada um, dois parlamentares investigados. A frente parlamentar ambientalista, porém, não conta com nenhum alvo de ação entre seus oito senadores. Confira o gráfico a seguir:
Disciplina de voto
Registradas oficialmente como Frente Parlamentar da Agropecuária e Frente Parlamentar Ambientalista, as duas bancadas possuem tamanhos próximos, e isso não se dá por acaso. Grande parte da bancada ambientalista é formada por deputados que compõem também a bancada ruralista, mesmo diante do antagonismo entre as lideranças dos dois blocos. Essa convergência, no entanto, quase sempre se encerra no momento das votações, nas quais as questões ambientais constantemente recebem orientação oposta nos dois lados.
Nos momentos de divergência, os parlamentares são obrigados a escolher um lado, e não necessariamente essa escolha é equilibrada: em muitos casos, um lado tende a ser o preferido. É o caso, por exemplo, dos deputados Luiz Nishimori (PP-PR) e Lucio Mosquini (MDB-RO), que dão preferência na maioria de seus votos a pautas de interesse da bancada ruralista. Nishimori foi inclusive relator do projeto de lei de flexibilização do mercado de agrotóxicos, apelidado entre ambientalistas de “pacote do veneno”, combatido pela frente no início de 2022, quando o texto foi aprovado na Câmara e entregue ao Senado.
Para distinguir a posição desses congressistas, o Congresso em Foco considerou o Ruralômetro, ferramenta digital do Repórter Brasil que levantou dados oferecidos por mais de dez entidades da sociedade civil para classificar deputados conforme seus votos e projetos nas áreas ambiental e rural. A ferramenta classifica os deputados em temperaturas, com valores acima de 37,5º atribuídos aos parlamentares que dão preferência às orientações ruralistas. Quando esses nomes são excluídos, restam nove deputados investigados que votam majoritariamente conforme orientação da bancada ambientalista. Nesse recorte, o PT é o partido com maior número de deputados respondendo na Justiça, com mais da metade dos casos. Confira a comparação a seguir:
O Congresso em Foco foi o primeiro veículo de comunicação do país a fazer levantamento sobre as acusações criminais envolvendo parlamentares. Desde 2004, o site fez dezenas de pesquisas sobre o assunto. Inicialmente as buscas se concentravam no Supremo Tribunal Federal, onde tramitavam todos os processos envolvendo congressistas. Com a mudança no entendimento do foro privilegiado, em 2018, o Supremo encaminhou para outras esferas da Justiça casos não relacionados ao mandato atual do acusado.
Desde então, o site faz pesquisas processuais na base de dados dos tribunais de Justiça, na Justiça Federal, na Justiça Eleitoral, no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Supremo. Responder a um inquérito ou processo não implica culpa. O parlamentar só pode ser considerado culpado após a conclusão do julgamento. Ainda assim, devem ser consideradas as possibilidades de recursos até a última instância. De acordo com a Lei da Ficha Limpa, o candidato só fica impedido de disputar a eleição se tiver sido condenado por órgão colegiado, ou seja, a partir da segunda instância.
A maioria dos casos encontrados pela reportagem se refere a ações por improbidade administrativa. A improbidade tem natureza cível e não é considerada crime pela Justiça, mas um ato ilegal ou contrário aos princípios básicos da administração pública, como legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência, cometido por agente público durante o exercício da função. A punição a ela, que pode envolver pagamento de multa e suspensão dos direitos políticos, visa a impedir que a máquina pública seja usada para benefício próprio ou de terceiros.
Todos os parlamentares citados na reportagem foram procurados para apresentar sua defesa ou esclarecer sua situação. Poucos se manifestaram (veja as respostas mais abaixo). A íntegra do levantamento será publicada pelo Congresso em Foco nos próximos dias.
Integrantes da bancada ruralista na Câmara sob investigação:
Nome | Sigla | Estado | Tipo | Processo/inquérito | Jurisdição |
Aécio Neves | PSDB | MG | Organização criminosa | 0033722-66.2020.8.03.0001 | STF |
Alcides Rodrigues | Patriota | GO | Improbidade administrativa | 0017971-91.2015.8.09.0051 | TJGO |
Aline Sleutjes | Pros | PR | Peculato | Inq 4781 | STF |
André Abdon | PP | AP | Corrupção | 0001805-05.2018.4.01.3100 | TRF1 |
Angela Amin | PP | SC | Improbidade administrativa | 0203065-93.2011.8.24.0000 | TJSC |
Arthur Lira | PP | AL | Corrupção | INQ 3996 | STF |
Átila Lira | PP | PI | Improbidade administrativa | 0009618-70.2016.4.01.4000 | TRF1 |
Baleia Rossi | MDB | SP | Improbidade administrativa | 0063974-36.2009.8.26.0506 | TJSP |
Benes Leocádio | União | RN | Improbidade administrativa | 0100346-65.2017.8.20.0119 | TJRN |
Beto Pereira | PSDB | MS | Improbidade administrativa | 0800657-59.2017.8.12.0047 | TJMS |
Beto Rosado | PP | RN | Dano ao Erário | 1003715-86.2019.4.01.3400 | TRF1 |
Bia Kicis | PL | DF | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Carla Zambelli | PL | SP | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Carlos Henrique Gaguim | União | TO | Improbidade administrativa | INQ 4846 | STF |
Caroline de Toni | PL | SC | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Celso Maldaner | MDB | SC | Improbidade administrativa | AREsp nº 1991875 / SC | STJ |
Christino Aureo | PP | RJ | Falsidade ideologica | 0600168-33.2021.6.19.0016 | TRE |
Dagoberto Nogueira | PSDB | MS | Improbidade administrativa | AREsp nº 2044279 / MS | STJ |
Daniel Freitas | PL | SC | Improbidade administrativa | AREsp nº 2022394 / SC | STJ |
Daniel Silveira | PTB | RJ | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Darci de Matos | PSD | SC | Improbidade administrativa | 0033252-27.2006.8.24.0038 | TJSC |
Domingos Neto | PSD | CE | Improbidade administrativa | 0004418-19.2015.8.06.0161 | TJCE |
Eduardo Bolsonaro | PL | SP | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Emanuel Pinheiro Neto | MDB | MT | Corrupção eleitoral | 0000060-91.2019.6.11.0001 | TRE |
Franco Cartafina | PP | MG | Improbidade administrativa | 5009681-73.2018.8.13.0701 | TJMG |
General Girão | PL | RN | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Geninho Zuliani | União | SP | Improbidade administrativa | AREsp nº 2119551 / SP e REsp nº 1955894 / SP | TJSP |
Gil Cutrim | Republicanos | MA | Improbidade administrativa | AREsp nº 2098031 / MA | STJ |
Herculano Passos | Republicanos | SP | Improbidade administrativa | AREsp nº 1971909 / SP | STJ |
Hugo Leal | PSD | RJ | Improbidade administrativa | AREsp nº 2003191 / RJ | STJ |
Isnaldo Bulhões Jr. | MDB | AL | Enriquecimento ilícito | 0847506-41.2019.8.02.0001 | TJAL |
João Carlos Bacelar | PL | BA | Falsidade ideológica | AP 1043 | STF |
José Medeiros | PL | MT | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Juarez Costa | MDB | MT | Improbidade administrativa | REsp nº 1900354 / MT | STJ |
Junior Lourenço | PL | MA | Improbidade administrativa | 0018707-47.2016.4.01.3700 | TRF1 |
Júnior Mano | PL | CE | Dano ao Erário | 0280016-06.2020.8.06.0133 | TJCE |
PP | SE | Improbidade administrativa | 0803189-98.2017.4.05.8400 | TRF5 | |
Lafayette de Andrada | Republicanos | MG | Improbidade administrativa | 5004759-13.2020.8.13.0056 | TJMG |
Luciano Ducci | PSB | PR | Improbidade administrativa | 5052243-37.2017.4.04.7000 | TRF4 |
Luiz Antônio Corrêa | PP | RJ | Improbidade administrativa | 0000939-39.2009.4.02.5119 | TRF2 |
Luiz Carlos | PSDB | AP | Corrupção | 1003815-34.2020.4.01.3100 | TRF1 |
Luiz Nishimori | PSD | PR | Improbidade administrativa | REsp nº 1996917 / PR | STJ |
Magda Mofatto | PL | GO | Improbidade administrativa | AREsp nº 2128791 / GO | STJ |
Mário Negromonte Jr. | PP | BA | Improbidade administrativa | 5006674-13.2017.4.04.7000 | TRF4 |
Marx Beltrão | PP | AL | Abuso de poder econômico | 802060-04.2018.4.05.0000 | TRF5 |
Neri Geller | PP | MT | Improbidade administrativa | 0006854-94.2014.8.11.0015 | TJMT |
Newton Cardoso Jr | MDB | MG | Improbidade administrativa | 1001741-41.2020.4.01.3800 | TRF1 |
Paula Belmonte | Cidadania | DF | Inquérito das Fake News | Inq 4781 | STF |
Paulinho da Força | Solidariedade | SP | Improbidade administrativa | 0001382-88.2005.4.03.6125 | STJ |
Paulo Eduardo Martins | PL | PR | Inquérito das Fake News | Inq4781 | STF |
Pedro Lupion | PP | PR | Improbidade administrativa | REsp nº 1908183 / PR | STJ |
Ricardo Barros | PP | PR | Improbidade administrativa | REsp nº 1905369 / PR | STJ |
Vitor Lippi | PSDB | SP | Improbidade administrativa | 1028409-84.2015.8.26.0602 | TJSP |
Integrantes da bancada ruralista no Senado sob investigação:
Nome | Sigla | Estado | Tipo | Processo/inquérito | Jurisdição |
Chico Rodrigues | União | RR | Corrupção | INQ 4852 | STF |
Eduardo Gomes | PL | TO | Improbidade Administrativa | 0002913-93.2017.8.27.2729 | TJTO |
Esperidião Amin | PP | SC | Improbidade Administrativa | 0057644-37.2010.8.24.0023 | TJSC |
Jorge Kajuru | Podemos | GO | Crime eleitoral | 0000016-13.2018.6.09.0147 | TRE |
Nelsinho Trad | PSD | MS | Corrupção | AREsp nº 2130167 / SP | STJ |
Sérgio Petecão | PSD | AC | Peculato | 0009206-07.2018.8.01.0001 | TJAC |
Styvenson Valentim | Podemos | RN | Crime contra a honra | INQ 4881 | STF |
Veneziano Vital do Rêgo | MDB | PB | Peculato | INQ 4029 | STF |
Wellington Fagundes | PL | MT | Improbidade Administrativa | 0001591-02.2014.4.01.3602 | TRF1 |
Integrantes da bancada ambientalista na Câmara sob investigação:
Nome | Partido | Estado | Tipo | Processo/inquérito | Jurisdição |
Camilo Capiberibe | PSB | AP | Improbidade administrativa | AREsp nº 1771864 / AP e AREsp nº 1997189 / AP | STJ |
Dagoberto Nogueira | PSDB | MS | Improbidade administrativa | AREsp nº 2044279 / MS | STJ |
João Daniel | PT | SE | Improbidade administrativa | No TRF: 012834-18.2021.4.01.0000 / 1011541-93.2019.4.01.3100 / 1011540-11.2019.4.01.3100 / 1002592-80.2019.4.01.3100 / NO STJ: AREsp nº 1771864 / AP e AREsp nº 1997189 / AP | STJ |
Jorge Solla | PT | BA | Improbidade administrativa | 0501801-80.2017.8.05.0001 | TJBA |
Luciano Ducci | PSB | PR | Improbidade administrativa | 5052243-37.2017.4.04.7000 | TRF4 |
Luizianne Lins | PT | CE | Dano ao Erário | 0129707-54.2015.8.06.0001 | TJCE |
Paulão | PT | AL | Improbidade administrativa | Pet nº 12269 / AL | STJ |
Pedro Uczai | PT | SC | Improbidade administrativa | 0000317-28.2005.8.24.0018 | TJSC |
Renildo Calheiros | PCdoB | PE | Peculato | REsp nº 1953012 / DF | STJ |
NR: O nome do deputado Laercio Oliveira (PP-SE) havia sido incluído indevidamente na versão original da matéria. Mas foi retirado. Trata-se, na verdade, de um homônimo do deputado. O deputado não responde a processo.
As coordenações das duas frentes parlamentares foram procuradas pela reportagem para comentar a reportagem. Até o momento não houve resposta. O espaço está disponível para manifestações.
O Congresso em Foco procurou os parlamentares citados acima para que se manifestassem sobre os respectivos processos:
A assessoria de comunicação do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), encaminhou a seguinte nota:
“Não se trata de ação de improbidade. É uma ação civil pública que questiona a venda de compactadores de lixo inservíveis pela prefeitura de Maringá. A ação solicita a devolução de uma eventual diferença entre os valores de equipamentos que não são fabricados há anos. Os valores foram calculadas pelo MP com base em pesquisa na internet de equipamentos novos e usados, e não inservíveis como era o caso específico.”
O deputado João Daniel (PT-SE) enviou a seguinte resposta:
“Desconheço esse processo, uma vez que ele não foi reconhecido no Tribunal Superior Eleitoral e na Vara Justiça Estadual, ainda que o Ministério Público Estadual tenha recorrido e ficou comprovado que não houve qualquer indício de transgressão vinculado ao meu nome. Portanto, não tenho culpa, não posso responder por um crime que não cometi, em um processo montado com motivação política que ainda não foi encerrado pela morosidade do sistema de justiça, por falta de respeito e compromisso de parte de operadores do judiciário brasileiro”.
A assessoria de gabinete do senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) também se pronunciou, afirmando que “o senador nega a participação da fraude que lhe é imputada”, e encaminhando cópia dos autos da defesa jurídica do parlamentar.