Centrais sindicais discutiram em seminário nesta terça-feira (15), na Câmara dos Deputados, a proposta de emenda à Constituição (PEC) que busca dar autonomia financeira e orçamentária do Banco Central (65/2023). O debate apontou que a proposta pode incorrer em inconstitucionalidade. Especialistas dizem, ainda, que o texto precariza os servidores da autarquia.
Relatado no Senado por Plínio Valério (PSDB-AM), o texto propõe:
- inserir na Constituição a autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira do BC, que já é estabelecida pela Lei Complementar 179 de 2021;
- instituir a autonomia orçamentária da instituição financeira.
Além disso, a PEC transforma a própria natureza do BC, que hoje é uma autarquia de natureza especial, sem vinculação com nenhum ministério nem subordinação hierárquica. Pelo projeto, ele passa a funcionar como empresa pública, fiscalizada pelo Congresso Nacional com o auxílio do Tribunal de Contas da União (TCU). Isso significa que os servidores do BC passariam a ser regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), perdendo os benefícios do Regime Jurídico Único (RJU) que regem o funcionalismo público.
Fabio Faiad, presidente do Sindicato Nacional dos Funcionários do Banco Central (Sinal), avaliou que a PEC 65/2023 não foi amplamente debatida. “Foi feito um texto dessa PEC 65 que diverge muito do que se considera autonomia do BC.”
“O texto, na realidade, traz uma independência muito maior do que as discussões sobre autonomia trazem na literatura, no debate político. Além disso, ele transforma a autarquia pública de regime político público que é o Banco Central em uma empresa de direito privado. Esse texto afasta o Banco Central da proximidade com o Ministério da Fazenda, do Planejamento e do governo eleito. Então, o projeto tem muitos problemas como ele está escrito”, afirmou Faiad.
O presidente do Sinal criticou o atual presidente da instituição, Roberto Campos Neto, como “um dos piores” da história e desejou que com o recém aprovado pelo Senado, Gabriel Galípolo, possa fazer uma gestão de “maior diálogo”.
PublicidadeFaiad pontuou ainda que transformar o BC em uma empresa pública poderia “quebrar as proteções do Estado brasileiro”. Segundo ele, o texto “vai fragilizar a supervisão que os órgãos públicos têm, vai fragilizar as regras às quais os servidores públicos e a organização pública são submetidos. E essa flexibilização das regras pode ensejar mais patrimonialismo, ingresso de servidores sem o devido concurso público, contratação de empresas sem o devido processo licitatório, o que pode facilitar uma captura do Banco Central pela banca financeira”.
Autonomia e Tesouro
A professora Larissa Dornelas, do departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), chamou atenção para a insegurança jurídica que seria gerada ao tornar o BC uma “instituição de natureza jurídica única no Brasil”. Pelo parecer de Plínio Valério, o BC passaria a ter uma “natureza jurídica única, uma corporação integrante do setor público financeiro que exerce atividade estatal”.
“É grande o nome, a gente não sabe do que se trata. E isso deixando o argumento de insegurança jurídica que isso gera e também da oportunidade que outras autarquias do serviço público brasileiro possam querer o mesmo distinto tratamento que a PEC 65 dá ao Banco Central”, ponderou a pesquisadora.
A economista apontou também que tanto no texto original, de Vanderlan Cardoso (PSD-GO), quanto no atual relatório, que aguarda a análise da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, há a determinação de uma Lei Complementar para a definição de “tudo o que vai ser a institucionalidade e o modo de funcionamento desse novo Banco Central”.
“Não existe urgência para aprovar essa PEC. Ninguém sabe o que é essa nova instituição a ser criada. Para se mudar a Constituição Federal, em termos de uma instituição única no Brasil, o mínimo que teríamos que ter é estudo sobre isso de como essa instituição funcionará”, observou Dornelas, que acrescentou ainda que a autonomia orçamentária e financeira não demanda a mudança do regime jurídico do BC.
A especialista explicou que o orçamento do BC é dividido em duas esferas: o orçamento administrativo, que passa pela Lei Orçamentária Anual (LOA) e é destinado a pagar despesas obrigatórias e discricionárias do BC, e o orçamento da autoridade monetária, que é aprovado pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), não passa pela LOA e é destinado às operações da instituição: política monetária, cambial e creditícia.
“Portanto, não temos ameaça às operações que o Banco Central desempenha por falta de orçamento. Esse orçamento nem passa pela Lei Orçamentária Anual. Além disso, existe uma lei – 13.820 de 2019 – que garante que caso o BC tenha prejuízo, o Tesouro Nacional é obrigado a cobrir esse prejuízo. (…) Dentro da PEC, se exige que essa lei continue valendo, ou seja, a gente quer o melhor dos mundos: uma nova instituição, baseado num regime jurídico único, e que se mantenha a prerrogativa de caso o BC tenha prejuízo, o Tesouro retira seus recursos e coloca dentro do BC”, pontuou ela.
Equívocos concentuais
O professor do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB) José Luís Oreiro, por sua vez, comentou que a justificativa da PEC é um “horror de erros conceituais”. Um exemplo é quando cita a senhoriagem: a proposta trata o conceito de forma equivocada para se justificar, explica o economista.
No seminário, Oreiro explicou o uso do termo na economia: “A senhoriagem nada mais é do que a diferença entre o valor de face das notas de papel — por exemplo, uma nota de R$ 100 — e o custo de produção da mesma pela Casa da Moeda, que será de uns míseros centavos. Essa diferença entre o valor de face e o custo de produção das cédulas é apropriada pelo Estado, pois o mesmo dispõe do monopólio legal de emissão da moeda. Portanto, a quem cabe o direito de se apropriar da receita de senhoriagem é o Estado brasileiro”.
A PEC da autonomia financeira do Banco Central, segundo Oreiro, usa o termo incorretamente para justificar a sua aprovação no Congresso. A proposta define senhoriagem como “custo de oportunidade do setor privado em deter moeda, comparativamente a outros ativos que rendem juros. A apuração é realizada aplicando-se uma medida de taxa de juros nominal da economia sobre o valor da base monetária”.
“Ou seja, como se fosse algo que é próprio do setor privado, e não do Estado”, declarou Oreiro. “Essa definição não está em nenhum manual de economia do mundo”.