Plataformas e empresas de economia digital criticaram a nova versão do projeto de lei (PL 2370/19) que trata de direitos autorais de artistas e da remuneração de veículos jornalísticos. O texto, cuja urgência estava na pauta da Câmara, deve ser votado na próxima semana pelo plenário. Em nota divulgada nesta terça-feira (15), a Câmara Brasileira de Economia Digital (camara-e.net) alega que as mudanças previstas na proposta podem trazer insegurança jurídica e comprometer a internet aberta. A reclamação recai sobre o pagamento por links e conteúdos a título de direitos autorais.
A entidade abriga grandes empresas, como Facebook, Google, Uber, Airbnb, TikTok, Correios e Visa, entre outras. Para a camara-e.net, o pagamento por links e conteúdos, previsto no projeto, pode prejudicar o modelo gratuito das plataformas digitais e pequenas e microempresas que utilizam as redes como ferramenta para alavancar seus negócios. A associação considera a cobrança uma espécie de imposto e reclama da falta de esclarecimentos sobre como serão feitos os pagamentos.
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“Entendemos que é necessário discutir soluções que respondam aos anseios arrecadatórios de classes como a artísticas e a jornalística, mas que, em troca, não resultem em prejuízos aos consumidores e aos princípios fundamentais que sustentam a internet aberta e inclusiva que conhecemos”, diz a camara-e.net no comunicado em que pede ao Congresso para ser ouvida antes da aprovação do PL 2370. “É imprescindível que haja tempo hábil para que todos os impactados possam avaliar o relatório oficial e a extensão dos impactos no ambiente social, econômico e informacional brasileiro”, ressalta.
Um representante de um grupo com forte atuação no setor disse ao Congresso em Foco, sob condição de anonimato, que as empresas reconhecem a importância de discutir pagamentos de direitos autorais na era digital, mas ressaltam que isso precisa ser feito com critérios claros e sem prejudicar a economia criativa que a internet já ajuda a promover. “A estrutura de arrecadação não está clara no projeto, assim como as mudanças previstas para a publicidade digital”, declarou.
De acordo com o projeto, o provedor deve pagar a remuneração ao titular do direito autoral ou do direito conexo. O titular dos direitos não será necessariamente o autor ou o artista da obra, que poderá ter transferido a propriedade autoral a terceiro por meio de um contrato prévio de licença ou cessão.
Pela proposta, terão direito à remuneração as pessoas jurídicas, mesmo individuais, constituídas há pelo menos 12 meses, que produzam conteúdo jornalístico “de forma original regular, organizada, profissionalmente e que mantenham endereço físico e editor responsável no Brasil”. A remuneração levará em conta o volume de conteúdo jornalístico original produzido, a audiência e o investimento em jornalismo aferido pelo número de profissionais do jornalismo regularmente contratados pela empresa. Já em relação aos artistas, o pagamento será feito pelo provedor ao titular, pessoa física ou jurídica, ou às associações de gestão coletiva que gerenciem a obra envolvida.
A remuneração por conteúdo estava prevista no chamado PL das Fake News, mas, diante da resistência ao projeto, esse trecho acabou sendo remetido ao PL 2370, apresentado em 2019 pela deputada Jandira Feghali (PCdoB-RJ). Segundo o relator do projeto, Elmar Nascimento (União-BA), a falta de regulamentação específica para o tema leva a uma situação na qual “as grandes empresas de tecnologia interpretam e ‘regulamentam’ unilateralmente a Lei de Direitos Autorais em ambiente digital, gerando remunerações baixas ou nulas”.
Veja a íntegra da nota da camara-e.net:
“Projeto sobre remuneração de links e conteúdos compartilhados pode comprometer a Internet aberta e inclusiva
A camara-e.net, associação representante da economia digital no Brasil, expressa sua preocupação com o texto atual do Projeto de Lei nº 2370/19, que poderá criar uma espécie de “imposto” sobre links e conteúdos compartilhados em plataformas de redes sociais.
Embora reconheça os desafios em relação à arrecadação de receitas em favor das classes artística e jornalística, a atual versão do texto acarreta consequências significativas para todos os envolvidos, ao trazer insegurança jurídica e deixar de resolver inconsistências na estrutura de Direitos Autorais do país.
É vital que todas as partes interessadas, desde os indivíduos até as empresas, tenham a oportunidade de expressar suas opiniões e preocupações sobre a proposta, organizados em uma governança de debates que inclua todos, principalmente representantes de todos os setores afetados pelas medidas. A camara-e.net reforça o seu interesse e disponibilidade em ser convidada a contribuir com os legisladores, podendo apresentar estudos técnicos e referências internacionais essenciais para a construção de uma legislação justa. É imprescindível que haja tempo hábil para que todos os impactados possam avaliar o relatório oficial e a extensão dos impactos no ambiente social, econômico e informacional brasileiro.
Acreditamos que um diálogo aberto e transparente é fundamental para minimizar os seguintes impactos negativos relacionados ao pagamento por links e conteúdos, sem prejuízo dos demais impactos para outros setores que o PL também traz. Os pontos abaixo também são importantes para garantir um ambiente econômico pautado pela livre concorrência e não pelo favorecimento de determinados grupos ou setores:
1. Possibilidade de Prejudicar o Modelo Gratuito das Plataformas Digitais: Muitas das plataformas de redes sociais que utilizamos cotidianamente oferecem serviços
gratuitos com base em modelos de financiamento que envolvem publicidade e compartilhamento de links e conteúdos, como fotos, vídeos, textos ou áudios. A
introdução de uma cobrança, imposta pelo Estado, sobre links e conteúdos compartilhados pelas classes artística e jornalística poderia desequilibrar esses
modelos e resultar na necessidade de reavaliar suas estruturas de negócios. Isso, por sua vez, poderia afetar o acesso universal à informação e às interações sociais
que tanto valorizamos, gerando um desincentivo direto para os usuários compartilharem conteúdo relevante entre si, sem garantir que o modelo imposto de
remuneração por links e conteúdos seja efetivo em incentivar a produção de conteúdos de alta qualidade e plurais por jornalistas e veículos independentes, mas,
ao contrário, beneficiar um restrito grupo de grandes e tradicionais veículos da mídia.
2. Impacto em Pequenas Empresas e Microempreendedores: As pequenas empresas e microempreendedores frequentemente dependem do compartilhamento
de links e conteúdos como parte de suas estratégias de crescimento e marketing. A imposição de uma cobrança sobre o compartilhamento poderia criar um fardo
financeiro adicional, prejudicando suas capacidades de competir no ambiente digital e limitando suas oportunidades de crescimento.
3. Criação de Barreiras Financeiras: A internet desempenha um papel crucial na democratização do acesso à informação e ao conhecimento. Introduzir uma
cobrança impositiva e decorrente de lei sobre determinados links e conteúdos poderia criar barreiras financeiras e estruturais que impediriam pessoas de diversos
grupos sociais e econômicos de acessarem informações vitais, refletindo desigualdades sociais e limitando oportunidades de desenvolvimento pessoal.
4. Impacto à estrutura de arrecadação de Direitos Autorais: Embora o objetivo da proposta seja valorizar artistas e jornalismo, há um descolamento entre a iniciativa e sua consequência prática, uma vez que os artistas, jornalistas e criadores, em vez de receberem mais, terão menos flexibilidade para negociação, poderão ter seus
ganhos diluídos com criadores não profissionais ou eventuais e dedicarão parte de seus ganhos à criação de uma nova entidade (semelhante ao ECAD). Além disso,
alguns pontos do texto não são factíveis e poderão gerar insegurança jurídica às partes envolvidas.
Como uma associação comprometida com a promoção do diálogo construtivo e a defesa dos interesses de nossas comunidades de usuários, instamos a todos os tomadores de decisão a ouvirem e ponderarem os riscos e impactos associados à aprovação do projeto. É nossa responsabilidade assegurar que quaisquer decisões tomadas reflitam os valores da igualdade de acesso à informação e a preservação da vitalidade do ambiente digital.
Entendemos que é necessário discutir soluções que respondam aos anseios arrecadatórios de classes como a artísticas e a jornalística, mas que, em troca, não resultem em prejuízos aos consumidores e aos princípios fundamentais que sustentam a internet aberta e inclusiva que conhecemos.
Câmara Brasileira da Economia Digital
camara-e.net”