O prazo para que o novo Código Eleitoral consiga ser aplicado já nas eleições de 2022 está próximo de se esgotar. Caso não seja aprovado antes do dia 2 de Outubro, as próximas eleições serão feitas ainda com a vigência da legislação anterior. Ainda assim, diversos pontos atraem polêmica quando tratados: mudanças no funcionamento do fundo partidário e fundo eleitoral, novas regras de aplicação da Lei da Ficha Limpa, prazo mínimo de antecedência para divulgação de pesquisas eleitorais, entre outros.
Mesmo diante da complexidade das questões envolvidas no novo Código, sua relatora, deputada Margarete Coelho (PP-PI) considera urgente a sua renovação. A legisladora afirma que a atual legislação eleitoral é excessivamente dispersa, faltando uma sistematização que permita criar maior segurança jurídica e menor sobrecarga do judiciário. É o que ela explica na entrevista ao Congresso em Foco.
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Qual é o principal objetivo do novo código eleitoral? O que se busca alcançar com ele?
A principal proposta dele é sistematizar a legislação eleitoral. Esta legislação hoje está dispersa em diversos diplomas legais como a Lei Geral das Eleições ou a Lei da Ficha Limpa, várias resoluções e uma jurisprudência extremamente ativista. No processo eleitoral, há uma sistemática diferente dos outros ramos do Direito, nele a jurisprudência que é vanguardista, é ela quem muda o mundo do Direito Eleitoral. Então a ideia é trazer tudo para dentro de um único código para consolidar a legislação eleitoral, criando maior segurança jurídica.
Quais são as mudanças mais importantes nesta nova legislação?
As mudanças têm sido muito pontuais, com muita pouca coisa em termos de matéria. Tenho dito sempre que nós fizemos mais uma acupuntura da legislação eleitoral do que propriamente uma reforma. Algumas novidades foram no sentido de tornar mais inclusivo o código eleitoral, como por exemplo na questão de contar em dobro, para fins de cálculo de fins do fundo partidário e do fundo eleitoral, os votos dados às mulheres, negros e indígenas.
PublicidadeTrouxemos também para dentro da legislação as candidaturas coletivas para que possam ser sistematizadas, pois elas estão dando muitos problemas na convivência tanto com as instituições quanto com elas próprias dentro dos partidos, no seio dos mandatos coletivos, que até então a legislação não comporta. É um mundo de transição: trouxemos um momento experimental com as candidaturas coletivas. Quando o nosso processo se apropriar desta prática, talvez possamos evoluir para o mandato coletivo.
Também sistematizamos o processo eleitoral: recursos com prazos definidos, ações eleitorais, as causas de pedir delas, qual rito elas devem seguir, qual é a sanção prevista, pois hoje nós não temos isso bem delineado. Como nós temos várias leis, cada uma com um procedimento novo e tipos [crimes] eleitorais novos, nós temos uma balbúrdia muito grande no processo. Então o organizamos.
Como funcionam as candidaturas coletivas?
Nós estamos autorizando que os partidos políticos criem regras dentro dos seus estatutos para regulamentar candidaturas coletivas, deixando claro que isso acontece dentro da sigla. O grupo ou o partido vai dizer o número de pessoas que se reúnem para fazer campanha juntos. Mas o registro de candidatura vai ser de apenas um deles. Esse que vai ter o registro deferido, que vai ser diplomado, esse que vai ser empossado e é esse que vai ter funcionamento parlamentar. Os demais, vão compor a sua equipe da forma que o contrato estabelecer. É um contrato particular entre eles.
O que muda no fundo eleitoral a partir do novo código?
Não houve qualquer mudança na questão da distribuição e da utilização. O que muda é a forma do cálculo. O grande beneficiado são os grupos que são minorizados: majoritários na sociedade mas minorias nos espaços de poder. Hoje, o fundo eleitoral é calculado conforme a proporção do número de votos que o partido obteve para deputado federal na eleição anterior. A mudança vem no momento em que o cálculo for feito: o voto dado às mulheres, negros e indígenas passa a ter peso maior. Isso busca beneficiar essas minorias para que ganhem o interesse das siglas por incentivar as suas candidaturas.
Para valer nas eleições de 2022, o código precisa ser aprovado em um prazo muito curto. Como está sendo a articulação para que se consiga aprová-lo a tempo?
Essa articulação é feita entre a mesa diretora da Câmara e a do Senado. O presidente Arthur Lira (PP-AL) e alguns líderes já se reuniram algumas vezes com o presidente Rodrigo Pacheco (DEM-MG) e outros líderes do senado para traçar essas estratégias. Eu já tive a oportunidade de me reunir com algumas senadoras e senadores, que sempre têm uma aptidão maior para discutir processo eleitoral. Já sentamos, conversamos e eu passei a eles esse panorama dos pontos que nós estamos tocando aqui no código. Enfim, continuamos nessa conversa, em um diálogo feito entre as mesas diretoras.
Existe o receio de, durante esse processo, ele sofrer alguma alteração com o intuito de beneficiar algum parlamentar?
A legislação em causa própria, por mais que seja moralmente condenável, é algo que acontece e é muito difícil de evitar. Mas veja: há um plenário para decidir isso. E o plenário é decisivo. Veja na questão da quarentena para juízes e militares por exemplo: os líderes queriam que ela viesse dentro do código. Mas o plenário, por uma pequena diferença, não aprovou. Não é o interesse particular de um parlamentar que vai conseguir sobreviver dentro do plenário. É preciso que esse interesse possa convencer a maioria dos parlamentares, ainda mais se tratando de uma lei complementar, que requer ao menos 257 votos.
Um ponto que gerou muita polêmica é a possibilidade de flexibilização da Lei da Ficha Limpa. O que muda de fato nessa questão?
O que há não é uma flexibilização. O único ponto que se trocou foi: a Lei da Ficha Limpa estabelece um prazo de inelegibilidade de oito anos. A aplicação dessa pena que o Supremo Tribunal Federal (STF) já disse que tem que haver detração. Ou seja: se ao final do processo a pessoa já tiver cumprido a pena, então está cumprido. Se vier outra condenação, ela volta a tornar o candidato inelegível. Mas não dá para alguém ficar inelegível por 20, 23, 28 anos. É na aplicação da pena que há, no entender do Supremo, uma inconstitucionalidade. Mas isso não se trata de uma flexibilização, nós inclusive criamos tipos novos de inelegibilidade, como por ataques ao Estado Democrático de Direito. Fora isso, a Lei da Ficha Limpa continua intocada.
Caso se aproxime muito do prazo para que o código possa ser utilizado em 2022, há possibilidade de aprovar em pedaços?
Eu acho que seria um esforço inverso com relação ao que foi feito até aqui. Fatiado hoje o Direito Eleitoral já está, nós temos hoje mais de seis diplomas legais diferentes onde estão previstas matérias eleitorais. O esforço aqui é de consolidar, sistematizar para dar a clareza e a segurança jurídica necessária para o processo eleitoral. Seria jogar fora todo esse esforço. O plano é votar a consolidação independente de data.
O Código Eleitoral enfrenta alguma resistência no Congresso?
No geral, não. O que se percebe é que cada setor resiste naquilo que lhe toca. Entre os meios de comunicação, por exemplo, existe um pouco de resistência na questão do prazo de publicação de pesquisa. Da mesma forma, os institutos de pesquisa reclamam das regras de maior rigidez nas pesquisas propostas. Essa resistência varia em cada ponto, mas de uma forma geral, a votação que recebemos do texto-base na Câmara foi muito emblemático, nós tivemos uma quantidade de votos superior ao que seria necessário para uma Proposta de Emenda Parlamentar. Isso mostra bem que há um amadurecimento da matéria.
Qual foi a motivação para o estabelecimento de prazo para a divulgação de pesquisas?
Há uma profusão de processos que correm na Câmara visando regulamentar as pesquisas. Na justificativa de cada um deles, há um ponto comum: temos muitas fraudes nas pesquisas que surgem em diversos institutos de última hora, sem que haja expertise para isso. Temos pesquisas manipuladas por grupos políticos no sentido de beneficiar esse ou aquele candidato.
Mas nesses projetos, o prazo médio é de 15 dias antes das eleições. No meu entender, isso fere realmente o direito à comunicação e informação. Mas também não se pode chegar ao limite de dizer que se pode publicar pesquisas até o dia da eleição, porque uma pesquisa manipulada pode causar um estrago enorme ao criar um estado emocional artificial no eleitorado, e não há tempo da pessoa prejudicada conseguir contestar. Então aplicamos o mesmo prazo determinado para a propaganda, pois no fim os dois cumprem o mesmo papel: convencer o eleitor indeciso. O fundamento é o mesmo e é o mesmo bem jurídico protegido.
O novo código prevê pena para a publicação das fake news. Esse mecanismo enfrenta alguma resistência no Congresso?
O Congresso tem uma preocupação enorme com as fake news, tanto na vida particular onde vemos elas destruindo reputações quanto na vida eleitoral, com ataques à democracia e às candidaturas. Então há uma preocupação enorme com elas, ainda mais hoje, quando a internet é um dos principais meios utilizados para a divulgação de propaganda política. Por isso, criamos um regramento específico para isso.
Hoje a internet ainda permite novos instrumentos para produção de fake news, como os disparos em massa, que atingem milhões de pessoas em segundos. Além disso, temos robôs que simulam comportamento humano para criar estados emocionais artificiais. Por isso mesmo há essa grande preocupação no Congresso, para permitir a proteção do processo eleitoral e até mesmo das instituições democráticas no momento do processo.
Qual é o principal impacto esperado pelo Código para a democracia brasileira?
Diminuir a judicialização, aumentar a segurança jurídica e fazer com que o cidadão comum e a cidadã comum conheçam as regras do processo eleitoral. Foi isso que recebemos de pedido com todas as instituições com quem a gente dialogou, vários ministros do STF pedindo para diminuir a judicialização, arredondar os conceitos, estabelecer melhor os tipos jurídicos do direito eleitoral. Ninguém aguenta mais a Justiça Eleitoral sendo obrigada a decidir todo e qualquer pleito no Brasil.
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